Foi, à nascença, Wilhelmina, que se pode aportuguesar por Guilhermina. Isto em 1908, quando uma rapaziada se juntava num pub de Roterdão chamado De Vereeniging, qualquer coisa como A Associação, assim liberalmente. Em homenagem à rainha da Holanda, claro está, que subiu ao trono com apenas dez anos, em 1890. Depois andou de nome em nome: Hillesluise Football Club, RVV Celeritas e, finalmente, Feyenoord, adotando a designação do bairro onde se instalara. Ou melhor, foi Feijenoord, mas como ninguém fora dos Países Baixos sabia pronunciar o “ij” corretamente, mudou-se convenientemente para o “y”. Afinal, já era o ano de 1974 e o Feyenoord, adversário do FC Porto na Liga Europa, tornara-se um dos grandes do continente ao vencer a Taça dos Campeões de 1970, primeira equipa holandesa a consegui-lo.
Quando o Ajax apareceu na final de 1969, em Madrid, embora perdendo para o Milan por 1-4, a Holanda entrou no mapa internacional, algo que a teimosia em se manter no amadorismo total durante muitos anos tinha impedido. Mas em 1963, na meia-final de Lisboa, frente ao Benfica, milhares e milhares de adeptos do clube de Roterdão invadiram a capital portuguesa, certos de que a final seria o seu desígnio. Saíram derrotados por 1-3. Tiveram de esperar. A época de 1969-70 traria a glória imperecível. Logo na segunda eliminatória, o Feyenoord provou ao que vinha despachando o campeão europeu, Milan (0-1 e 2-0). Depois eliminou o Vorwärts Berlim e o Legia Varsóvia. A primeira final da história do velho Guilhermina estava marcada para o San Siro de Milão, no dia 6 de maio de 1970. Adversário, o Celtic de Glasgow, que ganhara a Taça dos Campeões no Estádio Nacional, frente ao Inter, em 1967, pondo um ponto final no reino do catenaccio.
O treinador do Feyenoord era um austríaco, natural de Innsbruck, que se considerava parecido com Beethoven e aproveitava para ser tão antipático quanto se dizia ter sido o divino surdo. Dava os primeiros passos numa carreira brilhante que o fez passar pelo Brugge (finalista da Taça dos Campeões), pela seleção da Holanda (finalista do Mundial de 1978) e pelo Hamburgo (campeão da Europa). Tinha ao seu dispor jogadores da classe do capitão Israel, do médio Jansen e dos avançados Kindvall e Van Hanegen. E um defesa que não atuou em Milão mas fazia as delícias da malta da minha infância: Jop van Daele, que jogava com uns bem vistosos óculos de massa.
O jogo começou melhor para os escoceses, com o golo de Gemmel aos 30 minutos. Mas Rinus Israel, que saía da sua zona defensiva com o à-vontade de um rapazinho apanhando miosótis num campo de gipsófila, tratou de empatar três minutos depois. A batalha foi dura. O jogo teve momentos abertos e fisicamente exigentes. As duas equipas comparavam-se. Johnstone, McNeill e Lennox eram fantásticos. O prolongamento tornou-se previsível, primeiro, e inevitável, depois. E seria ao minuto 116 que Kindvall, Bengt Ove Kindvall, sueco de Norrköping, que marcou 129 golos em 144 jogos pelos de Roterdão, assinou o mais importante de todos os 129. O que deu ao Feyenoord, ainda Feijenoord, e à Holanda, a primeira Taça dos Campeões Europeus e a primeira de uma série de quatro consecutivas porque, no ano seguinte, iniciou-se o reino do formidando Ajax de Cruyff, Neeskens e tudo e tudo.
Talvez os 15 títulos de campeão holandês deixem o Feyenoord a uma distância abissal dos seus grandes rivais de Amesterdão, que somam 34. Mas aqueles que nasceram com nome de rainha souberam ser, com orgulho, reis da Europa.