Alguns aspetos e conceitos a relembrar para uma melhor saúde

Alguns aspetos e conceitos a relembrar para uma melhor saúde


A saúde não tem um preço observável. É antes a combinação das caraterísticas de cada pessoa, do tipo e quantidade de cuidados de saúde que recebe e do tempo que é usado pela pessoa na “produção” dessa saúde.


Numa época em que se fala muito em saúde, e do seu futuro, é importante realçar alguns aspetos e conceitos relativamente básicos:

A saúde não tem um preço observável. É antes a combinação das caraterísticas de cada pessoa, do tipo e quantidade de cuidados de saúde que recebe e do tempo que é usado pela pessoa na “produção” dessa saúde.

O core business na saúde é a trajetória do cidadão ao longo da vida com a melhor gestão possível das contingências, especialmente em ambiente hospitalar, onde os custos são extremamente elevados.

É assim fundamental trabalhar as questões que possam criar hábitos de vida mais saudáveis para que as pessoas recorram o menos possível às instituições hospitalares. Estas últimas são estruturas de extrema complexidade onde os custos reais na saúde são muito elevados e cada vez mais difíceis de sustentar.

O envelhecimento da população, o crescente peso das doenças crónicas e a inovação terapêutica e tecnológica colocam de forma cada vez mais crescente grandes pressões no setor da saúde.

Aqui surge-nos um desafio essencial: investir cada vez mais na literacia em saúde, com ganhos na promoção de comportamentos que promovam hábitos saudáveis e um envelhecimento ativo. É simples pensar que quanto mais saudáveis forem os nossos cidadãos ao longo do tempo, menos oneroso será o nosso SNS.

É ainda necessário melhorar de forma sustentada a equidade do acesso aos serviços, utilizando meios inovadores e todo o potencial atualmente existente na saúde, mas centralizando sempre o foco no cidadão.

A melhoria da qualidade da rede de cuidados de saúde deve tornar-se também mais eficiente.

Realço ainda a necessidade absoluta de um maior investimento financeiro na saúde, não esquecendo que qualquer investimento deve ser constantemente avaliado por métricas transversais, fiáveis, reprodutíveis e que se traduzam em ganhos reais de saúde.

É essencial começar a medir de forma sistemática os ganhos de valor em saúde.

E porque falamos em saúde é importante insistir que os hospitais são das organizações mais complexas de gerir, com uma indústria de apoio em equipamentos e medicamentos extremamente volátil e em permanente turbulência e evolução.

E que também a todo o momento são colocadas questões delicadas de vida e de morte, sendo a saúde sempre o nosso bem mais precioso. Nunca esquecer que qualquer modelo de gestão tem de ter em conta esta realidade objetiva e os padrões são necessariamente diferentes. Quem não acreditar nisto não deve trabalhar na área da saúde.

Então temos de ter a coragem de escolher os melhores entre os melhores sem amarras nem complexos para gerir o pilar mais importante de agregação e conciliação da comunidade em que vivemos.

A classe política tem também de perceber de uma vez por todas que não há nenhuma reforma que consiga ter sucesso sem incluir aqueles que estão na linha da frente e que a todo o momento têm a responsabilidade de decisões que afetam a vida das pessoas: os profissionais de saúde, com destaque para os médicos, que assumem decisões de uma dimensão maior que nunca se poderá comparar a qualquer outra profissão.

E os profissionais de saúde têm de estar motivados.

Enquanto existirem chefes que não são líderes e gestores sem competência ou sensibilidade para o cargo, os profissionais de saúde irão continuar desmotivados e alheados da gestão de serviços e unidades onde estão incorporados.

Ao mesmo tempo temos de pensar as carreiras e as remunerações em função da produção efetiva, com medições contínuas do valor produzido, pois esta alavanca é imprescindível para o cumprimento dos objetivos propostos. Medir apenas a quantidade de atos na saúde é um modo muito mau de avaliar o desempenho e deveria ser descartado logo que possível.

Se isto é a base de sucesso de qualquer empresa, na saúde deve ser obrigatório.

É assim inevitável a aposta na escolha de gestores com formação clínica de base e/ou com vocação para a gestão das unidades de saúde.

Precisamos de procurar verdadeiros líderes a quem forneceremos melhores recursos e maior autonomia, pedindo em troca responsabilidade e prestação de contas. Pelo menos na saúde temos, de uma vez por todas, de acabar com a gestão de cargos em função das clientelas que os partidos políticos se vão obrigando a servir.

Devemos continuar a apostar de forma continuada na prevenção, com prioridade nos cuidados primários, colocando as pessoas, aos poucos, a gerir a sua saúde e a sua doença utilizando a figura de apoio do gestor do paciente e da família no quotidiano e a do cuidador informal nos casos de doenças prolongadas com necessidades especiais de apoio continuado.

Relembro que devemos repensar o modelo de financiamento da saúde incluindo não só o dinheiro dos contribuintes, pelo Orçamento do Estado, mas imaginando outras situações que possam acrescentar mais-valias baixando a contribuição direta do paciente, que aumenta ano após ano.

Não esquecer de olhar para as Misericórdias e outras entidades não lucrativas de uma forma desinibida e integrá-las cada vez mais na rede nacional, dada a sua proximidade e conhecimento das necessidades das populações, com ênfase nos idosos e doentes de evolução prolongada.

Devemos incrementar o controlo do planeamento de tecnologia cara e altamente sofisticada, sua instalação e área de influência.

Devemos continuar o trabalho na promoção de hábitos de vida saudáveis em conjugação com outros ministérios, na política do medicamento e nos genéricos.

Importante incrementar políticas de parceria com o setor privado onde estas sejam mais favoráveis ao paciente e ao Estado.

Fazer continuamente uma avaliação rigorosa do cumprimento das regras estabelecidas com os gestores das unidades de saúde e restruturação das mesmas onde o Estado possa melhorar os ganhos de saúde.

Repensar a formação de médicos nas universidades sem complexos e, depois, nas suas especializações, enriquecendo a capacidade formativa para a criação de profissionais com graus muito elevados de excelência que permitirão a criação inequívoca de valor e, por consequência, menos custos para a saúde a médio e longo prazo.

Por fim, há que pensar rápida e seriamente em ter um Serviço Nacional de Saúde autónomo e convenientemente afastado do Ministério da Saúde, gerido por um grupo restrito de profissionais de elevada competência e com ampla autonomia para assumir o orçamento da saúde, escolhidos pelo Governo do momento e com mandatos que ultrapassem o tempo de uma legislatura, para poderem reestruturar/reformar positivamente toda a estrutura pesada da saúde recriando um SNS mais robusto e ainda muito mais eficaz e eficiente. Este será, para mim, “o passo decisivo” para quem quiser seriamente pensar num sistema que cumpra o melhor possível a Constituição Portuguesa.

 

Médico, mestre em Gestão de Serviços de Saúde

Presidente da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde