O silêncio de um abraço


ALMATY – “Tudo o que a vida nos dá é a certeza de que chegamos tarde demais”, dizia Joseph Conrad, o homem de O Coração das Trevas. Joseph não era propriamente um optimista, mas lembrei-me dele, aqui no coração das Montanhas Celestiais, que enchem de um branco de neve os horizontes de Almaty, por ter…


ALMATY – “Tudo o que a vida nos dá é a certeza de que chegamos tarde demais”, dizia Joseph Conrad, o homem de O Coração das Trevas. Joseph não era propriamente um optimista, mas lembrei-me dele, aqui no coração das Montanhas Celestiais, que enchem de um branco de neve os horizontes de Almaty, por ter sido filho único, desconhecendo pelo caminho até que ponto tal coisa influenciou a sua bizarria.

No meu caso, a vida deu-me a certeza de ter encontrado, a cada uma das suas esquinas, os irmãos que os meus pais não me forneceram. Deixem-me dizer que, à medida que envelheço, os percebo perfeitamente. Não é simples aturar um apenas de mim, quanto mais outros tantos. Sanguíneos ou uterinos, não lhes sinto a falta. Dos outros, dos a sério, tenho nestes dias um a meu lado, juntos como em tantos lugares do universo onde pusemos os pés, desde o tempo de meninos nos Olivais Sul quando nos sentíamos donos de Lisboa e Tejo e tudo, e tão pouco estudo… e tão pouco estudo…

O Francisco António Febrero é como o Edson Arantes do Nascimento do Nelson Rodrigues. Um, por extenso, Pelé. Este, por extenso, Xitó. E amigo por extenso. Ou melhor, irmão por extenso.

Um dia fez 50 anos, e dezenas e dezenas de pessoas transformaram essa noite num poema. Na verdade, é mentira: não fez 50 anos porque quem tem, como ele, um sorriso tão fácil como um domingo de manhã, não está autorizado a crescer para além da ilha da fantasia.

O Xitó sabe, como sabia Pessoa, que há barcos para todos os portos menos para a vida não doer, mas sabe também que nunca chegará tarde demais por há muito que já lá está, nesse lugar guardado para os que conseguem ser unilaterais: tudo dão e nada pedem. Paul Valéry, o homem do silêncio, escreveu: “Primeiro destestei-me; depois adorei-me; em seguida envelhecemos juntos…”

Vou acordar o Xitó. Está na hora de uma cervejinha gelada. E de entre tudo o que poderia dizer-lhe vou preferir o silêncio de um abraço.


O silêncio de um abraço


ALMATY – “Tudo o que a vida nos dá é a certeza de que chegamos tarde demais”, dizia Joseph Conrad, o homem de O Coração das Trevas. Joseph não era propriamente um optimista, mas lembrei-me dele, aqui no coração das Montanhas Celestiais, que enchem de um branco de neve os horizontes de Almaty, por ter…


ALMATY – “Tudo o que a vida nos dá é a certeza de que chegamos tarde demais”, dizia Joseph Conrad, o homem de O Coração das Trevas. Joseph não era propriamente um optimista, mas lembrei-me dele, aqui no coração das Montanhas Celestiais, que enchem de um branco de neve os horizontes de Almaty, por ter sido filho único, desconhecendo pelo caminho até que ponto tal coisa influenciou a sua bizarria.

No meu caso, a vida deu-me a certeza de ter encontrado, a cada uma das suas esquinas, os irmãos que os meus pais não me forneceram. Deixem-me dizer que, à medida que envelheço, os percebo perfeitamente. Não é simples aturar um apenas de mim, quanto mais outros tantos. Sanguíneos ou uterinos, não lhes sinto a falta. Dos outros, dos a sério, tenho nestes dias um a meu lado, juntos como em tantos lugares do universo onde pusemos os pés, desde o tempo de meninos nos Olivais Sul quando nos sentíamos donos de Lisboa e Tejo e tudo, e tão pouco estudo… e tão pouco estudo…

O Francisco António Febrero é como o Edson Arantes do Nascimento do Nelson Rodrigues. Um, por extenso, Pelé. Este, por extenso, Xitó. E amigo por extenso. Ou melhor, irmão por extenso.

Um dia fez 50 anos, e dezenas e dezenas de pessoas transformaram essa noite num poema. Na verdade, é mentira: não fez 50 anos porque quem tem, como ele, um sorriso tão fácil como um domingo de manhã, não está autorizado a crescer para além da ilha da fantasia.

O Xitó sabe, como sabia Pessoa, que há barcos para todos os portos menos para a vida não doer, mas sabe também que nunca chegará tarde demais por há muito que já lá está, nesse lugar guardado para os que conseguem ser unilaterais: tudo dão e nada pedem. Paul Valéry, o homem do silêncio, escreveu: “Primeiro destestei-me; depois adorei-me; em seguida envelhecemos juntos…”

Vou acordar o Xitó. Está na hora de uma cervejinha gelada. E de entre tudo o que poderia dizer-lhe vou preferir o silêncio de um abraço.