Dias surpreendentes e ideias generosas

Dias surpreendentes e ideias generosas


Dias surpreendentes, estes que temos vivido recentemente neste nosso “retângulo”.


Os operadores (públicos e privados) de transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa que, com preços bem superiores aos dos recém-anunciados passes Navegante, se queixavam de prejuízos, que recebiam indemnizações compensatórias pelo serviço público prestado e que, mesmo assim, serviam mal os utentes por não terem capacidade (diziam) para investir em mais e melhor material circulante, vão, a partir do mês que vem, disponibilizar esses mesmos transportes públicos, de forma a poderem ser usufruídos por todos os utentes dos 18 concelhos da AML, a preços simbólicos e bem abaixo do seu custo real!!

A imprensa rejubila, o povo está contente (agora em Lisboa e, a seguir, no resto do país), e eu, obviamente, também!

Os portugueses vão, indiscutivelmente, gastar menos dinheiro nos transportes: quer porque passam a ser muitíssimo mais baratos os públicos, quer porque, feitas as contas, será disparate ou masoquismo usar transporte próprio.

Afinal, tende-se a concluir que os operadores ganhavam milhões e serviam–nos mal… porque eram… mentirosos e gananciosos…!!

Eu e os demais cidadãos ficamos, pois, à espera que esses gatunos que, pelos vistos, nos roubaram durante anos e anos (e roubaram o Estado, de quem receberam ajudas financeiras desnecessárias), sejam investigados pelo Ministério Público, denunciados pela imprensa, julgados, condenados e presos!

Ou será que há um outro lado deste surpreendente mistério e outra “história” por detrás das trombetas com que a medida foi anunciada?

Será que os custos eram mesmo superiores às receitas? Será que as ajudas públicas eram mesmo justas e indispensáveis? E que, mesmo assim, não sobrava nada de substancial para os operadores investirem a sério na capilaridade da rede (para chegar junto dos que precisam de se deslocar diariamente) e na qualidade do material circulante?

A ser isso verdade – e o bom senso para tal aponta –, o anúncio da (abençoada) descida dos passes vai necessariamente implicar a necessidade de aumentar as indemnizações compensatórias a pagar aos ditos operadores dos transportes públicos.

E quanto é que isso vai custar a mais? Não há de ser pouco… mas não se ouviu dizer que tal montante estivesse previsto no Orçamento do Estado para 2019, recentemente aprovado na Assembleia… E os contratos entretanto já negociados com esses operadores carecem do famoso visto do Tribunal de Contas que, dizem-nos, tantas vezes obstaculiza e atrasa?

E, finalmente, de onde virá esse dinheiro? É que, se a manta é curta – como diz (e bem) o sr. primeiro-ministro que “não há dinheiro para tudo” – ou alguém/alguma coisa vai ficar com os pés de fora, ou “os de sempre” terão em breve de pagar mais impostos, taxas, emolumentos, adicionais temporários ou qualquer outra coisa para que se possa manter tal benesse.

Estas são as perguntas ainda sem resposta que os média se esqueceram de fazer e que os pagantes do costume querem ver respondidas.

Será que aqueles que acusavam Alberto João Jardim de oferecer transportes públicos gratuitos no Funchal, há uns bons anos atrás, já pensam que isso, afinal, se pode fazer sem ir buscar mais dinheiro aos contribuintes? Ou havia mesmo para aí dinheiro (“cativado”) de sobra para dar aos operadores de transportes públicos sem agravar os impostos? Ou vão finalmente fazer-se “economias noutros lados” para poder fazer aparecer esse dinheiro? E, se havia, porque não dirigi-lo seletivamente e há mais tempo para necessidades gritantes, como as que se identificam diariamente na saúde e na educação?

Quanto custaram os passes e benesses sociobolivarianas do sr. Chávez e do sr. Maduro enquanto houve saco para ir buscar dinheiro público? E porque foi uma ilusão vender bacalhau a pataco no país com as maiores reservas de petróleo do mundo que hoje condena à miséria e à subnutrição muitos (não todos, claro…) dos seus cidadãos?

Surpreendente foi também ver que os jovens saíram à rua preocupados com o seu futuro (acho que devem…), enquanto as TV e os jornais (mesmo os chamados de referência) diziam que o que eles queriam/querem, afinal, é salvar o planeta Terra!!

Os jornalistas empenham-se militantemente, o Governo apoia, entusiasmado, o ministro do Ambiente promete a descarbonização e acusa de passagem a oposição e os eucaliptos, o Presidente concorda, com afeto… e ninguém se lembra de lhes recordar que essa mesma Terra tem mais de 4 mil milhões de anos de existência, que, albergando um arrogante bicho homem organizado e coletivamente ativo há pouco mais de 60 mil anos, continuará por cá (“cosmicamente despreocupada”), mesmo depois de esse bicho homem induzir a extinção da sua própria espécie ou das condições de saúde, longevidade e bem-estar que persegue desde sempre.

Defendam e salvem, pois, o homem e o seu futuro neste nosso e único planeta (não há, de facto, uma Terra-B), que a Terra, essa, não precisa de ajuda, nem para se salvar nem para nos exterminar!

E dizem-nos que essa corrente (felizmente) agitadora de consciências partiu por acaso de uma “jovem ativista” de 16 anos que decidiu fazer greve às aulas às sextas-feiras? E que, de repente, o que está em causa é a sociedade capitalista?

Será por isso que um grupo de criaturas deslumbradas propõe e anuncia com entusiasmo e desvelo a candidatura da jovem sueca ao Prémio Nobel da Paz (!?), em cuja lista, aliás, já constam figurões que envergonham quem os promoveu?

E dos recentes dias surpreendentes que recordo fica a sábia reflexão de um socialista notável (sinónimo de “que se nota”) afirmando que “existem greves boas e greves más”, enquanto outros arautos da liberdade apelam para tribunais especiais (sou de uma geração para quem esta palavra, por si só, assusta…) para a violência doméstica, exigem o afastamento político de juízes e colocam processos em tribunal pelas opiniões de parlamentares da oposição…!

Dias surpreendentes, de facto, estes em que se esquece o óbvio ensinamento histórico de que “ideias generosas, capciosamente aproveitadas e propagandeadas, estão na origem de (longos) dias negros que poucos gostariam de ver repetidos”.

 

Antigo secretário de Estado das Florestas