Hokusai. O mestre da gravura japonesa 170 anos depois

Hokusai. O mestre da gravura japonesa 170 anos depois


Morreu faz em maio 170 anos, depois de uma carreira prolífica que se prolongou por sete décadas. Em Tóquio, uma exposição de 480 gravuras relembra o mestre das “36 vistas do monte Fuji”


Houve uma altura em que o Japão e a sua arte exerceram uma grande influência na criação ocidental. No seu auge, por volta da década de 1880, já Philippe Burty tinha cunhado um termo para designar “uma nova área de estudos artísticos, históricos e etnográficos influenciada pelas artes do Japão”, chamou-lhe japonismo. Dizia-se que Édouard Manet trazia sempre no bolso uma gravura japonesa e que na busca pela instantaneidade e a eficácia, a essa arte japonesa foi buscar a inspiração. No seu retrato do escritor Émile Zola, na parede de fundo, vê-se uma gravura de um lutador de sumo da autoria de Utagawa Kuniaki (conhecido por Kuniaki II).

Dentre todos os artistas japoneses tão em voga entre os mais modernos pintores do mundo no século XIX, Katsushika Hokusai figurava entre os mais admirados. Pela qualidade da obra, pela prolixidade que se estendeu ao longo de 70 anos, pela diversidade de temas – desde as pessoas no seu quotidiano às paisagens naturais, das lendas e mitos às flores e aos animais -, Hokusai era então dos mais colecionados e continua a ser hoje das principais referências da nobre arte do ukiyo-e, que literalmente quer dizer retratos do mundo flutuante, mas que designa um  género de xilogravura e de pintura muito popular entre os séculos XVII e XIX. Beleza feminina, teatro Kabuki, lutadores de sumo, cenas históricas, lendas populares, viagens, paisagens fauna, flora e pornografia eram tudo temas explorados pelos gravadores japoneses, por serem temas populares entre os mercadores para quem foram primeiramente destinados.

Manet, Van Gogh, Degas, Gauguin, Toulouse-Lautréc, Baudelaire, entre muitos outros artistas ocidentais, foram influenciados pelas gravuras japonesas em geral e Hokusai em particular. A sua célebre série das “36 Vistas do Monte Fuji” (onde se inclui a, provavelmente, mais conhecida de todas as gravuras da história, “A Grande Onda de Kanagawa”), a das “100 Vistas do Monte Fuji” ou a “Hokusai Mangá”, que Félix Bracquemond descobriu e que marcou o princípio do japonismo em França (o pintor e gravador participou na primeira exposição dos impressionistas e influenciou Manet, Degas, Pissarro e outros a experimentarem a xilogravura). “A ‘Manga’ era uma fonte especialmente popular onde os europeus iam constantemente pedir temas emprestados. Os 15 volumes que compunham a série criaram um grande interesse e foram rapidamente passados de mão em mão em toda a Europa”, refere o livro “Japonisme”, de Lionel Lambourne. São 4000 imagens de xilogravuras a preto e branco e a cores de tudo e mais alguma coisa, de seres sobrenaturais até cenas e objetos do quotidiano, fantasmas misturados com gente a nadar.

Tal a popularidade que a influência de Hokusai e das gravuras japoneses se estendeu além das artes visuais, influenciando a moda e outras artes. Gilbert & Sullivan criaram em 1885 a célebre ópera cómica “The Mikado”, que ainda hoje é a mais popular do género conhecido como Ópera Savoy. Mikado é um delírio extravagante e cómico inspirado no japonismo.

Muito mais que uma onda Hokusai, nasceu em 1760, e morreu em Tóquio em maio de 1849 – precisamente 170 anos que se assinalam este ano. O Mori Arts Center Gallery, em Tóquio, tem atualmente em exposição uma vasta e abrangente exposição sobre o artista japonês, com 480 gravuras que abarcam os 70 anos da sua carreira. “Hokusai Updated” integra trabalhos recentemente encontrados e outros que raramente são exibidos. Entre eles, a série “Imagens de Estilo Holandês: Oito Vistas de Edo [Tóquio]” que permite perceber que Hokusai conhecia a arte ocidental e mostra as influências ocidentais no Japão muito antes da era Meiji (que marcou a abertura do país depois dos 265 anos de isolamento da era Edo).

A exposição dá-nos uma visão do trabalho de Hokusai além da sua famosa onda. Em 2017 o British Museum dedicou uma exposição aos últimos anos da obra do mestre japonês, geralmente considerados como o apogeu da sua arte, para revelar o artista que existe para lá da imagem da onda. Chamava-se a exposição precisamente “Hokusai: beyond the Great Wave”.

Jonathan Jones, na sua crítica para o “Guardian”, escrevia que “já não era sem tempo” porque “sabemos menos sobre este génio do que devíamos”. “Hokusai é hoje famoso por um dos seus desenhos, quando, na verdade, a sua arte merece ser vista como as de Van Gogh ou Rembrandt: como uma obra profusamente desenvolvida e complexa de grande profundidade humanista”, acrescentava.

É como escreve Lambourne “a visão de Hokusai ecoa nos temas favoritos de Degas de lavadeiras a trabalhar na atmosfera quente e húmida das lavandarias a vapor, nos estudos de nus nos bordéis e, especialmente, nos temas das bailarinas, fosse em ensaios, a preparar-se para as apresentações no palco ou cuidando as entorses nos bastidores da ópera”. E quem diz Degas, diz muitos outros pintores do século XIX.