May aguenta o embate e procura solução para o Brexit

May aguenta o embate e procura solução para o Brexit


A líder britânica venceu a moção de censura por 19 votos e quer agora encontrar um caminho comum para se avançar no Brexit


Com o acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia duramente derrotado na Câmara dos Comuns, a primeira-ministra britânica, Theresa May, conseguiu sobreviver à moção de censura apresentada pelo Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn. O parlamento, ainda que fortemente dividido, manteve a confiança no executivo graças ao apoio do Partido Unionista Democrático, da Irlanda do Norte, e parceiro minoritário na coligação de May, e dos conservadores rebeldes. 

O DUP já tinha avisado que iria votar contra a moção de censura, tal como os conservadores críticos de May. Horas antes da votação, o DUP encontrou-se com a primeira-ministra para acertarem pormenores do debate. A moção foi derrotada com  325 votos contra e 306 votos a favor, uma vitória por apenas 19 votos. A moção tinha sido coassinada pelo Partido Nacional Escocês, Democratas Liberais, Plaid Cymru (do País de Gales) e pelos Verdes.

Conhecido o resultado da votação, May pediu reuniões individuais com os líderes partidários ainda na noite de ontem para se encontrar um caminho comum, num “espírito construtivo” até segunda-feira, quando é obrigada a apresentar uma moção com alternativas para o Brexit. “Devemos encontrar soluções que sejam negociáveis e reúnam apoio suficiente neste parlamento”, disse a líder britânica. “Estou pronta para trabalhar com qualquer membro deste parlamento para fazer cumprir o Brexit e garantir que este parlamento mantém a confiança do povo britânico”, acrescentou May, sem, no entanto, referir se incluía os trabalhistas nessa disponibilidade. 

Em resposta, por ter sido o principal proponente da moção de censura, Corbyn disse que antes de quaisquer “discussões positivas” pudessem ter lugar, a primeira-ministra deveria afastar possibilidade de um cenário sem acordo vir a acontecer: “O governo deve remover claramente, e de uma vez por todas, todas as probabilidades da catástrofe de uma saída da UE sem acordo e todo o caos que daí resultaria”. Um dos porta-vozes de May garantiu que a líder não o fará. 

A votação da moção de censura foi o culminar de um dia de crescente antagonismo entre o governo e o Partido Trabalhista, por, ao contrário do que May tinha prometido na terça-feira, ter começado a planear reuniões com todos os partidos com assento parlamentar sobre o futuro do Brexit, excluindo o Labour. 

“Olhemos para o que Jeremy Corbyn está a fazer”, disse Andrea Leadsom, líder dos conservadores na Câmara dos Comuns, à BBC Radio 4. “Teve a oportunidade de apresentar à câmara as suas propostas. Claramente não tinha nenhumas e o que procura fazer é desestabilizar o governo e a nação num momento crítico à medida que busca eleições antecipadas”, acrescentando que a “primeira-ministra terá reuniões interpartidárias com pessoas que querem conversar construtivamente”. 

A resposta a Leadsom não tardou através de um tweet da deputada trabalhista Yvette Cooper, acusando a líder conservadora de “ridicularizar a proposta de Theresa May para conversações entre os partidos”. “É ridículo e inviável quando a primeira-ministra não fala com Jeremy Corbyn e outros líderes do partido. A primeira-ministra tem que aceitar que perdeu por 230 votos – não pode continuar na trincheira”, escreveu Cooper. Pouco depois, o principal partido da oposição, pela mesma rede social,  disse que a acusação de não ter uma alternativa política era “absolutamente imprecisa”. “Temo-la promovido durante meses: uma nova união aduaneira, uma relação próxima do mercado único, sem comprometer direitos”, escreveram os trabalhistas.

Linhas vermelhas

A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, tinha avisado May, antes da votação da moção, que a primeira coisa que a líder do governo devia ter feito, ainda antes de se reunir com os partidos, era pedir a extensão do artigo 50.º da UE e adiar o prazo de saída do projeto europeu, abandonando ao mesmo tempo algumas das linhas vermelhas nas negociações com Bruxelas – à semelhança do pedido pelo negociador-chefe da UE, Michel Barnier (ver texto ao lado). “Não me parece que tenha qualquer ideia clara sobre quais os próximos passos”, disse Sturgeon, acrescentando que “não parece que May esteja preparada para abandonar ou alterar qualquer das suas linhas vermelhas para abrir espaço a novas ideias”. Sturgeon garantiu ainda que o governo escocês está a ultimar planos para um cenário sem acordo.

Corbyn justificara a moção de censura ao governo conservador porque May acabara de sofrer a “maior derrota na história” da democracia britânica, com o chumbo do acordo de saída da UE por mais de 200 votos.  Apelando à queda do governo “zombie” de May, Corbyn referiu que  “seja qual for a convenção da câmara, seja qual for o precedente, a perda de confiança deve significar que [o governo] faça a coisa certa e se demita”. “Se um governo não consegue fazer passar a sua legislação no parlamento, deve submeter-se ao país para um novo mandato e isso deve ser feito quando se trata da questão chave do dia”.

Com a moção derrotada, o líder trabalhista vê-se sem argumentos para adiar a apresentação de uma proposta para a realização de um segundo referendo. Há muito que parte das fileiras trabalhistas o pressionam para o fazer, chegando ao ponto de perder a paciência com cartas abertas publicadas na imprensa. Corbyn respondeu sempre com a sua estratégia por fases: primeiro, a votação do acordo, depois, a moção de censura e, no fim, eventualmente, a proposta de segundo referendo. Resta saber se o fará agora. Se não avançar arrisca-se a abrir brechas entre as fileiras do seu partido. Refira-se que o Partido Trabalhista não descartou a possibilidade de apresentar no futuro outras moções de censura. 

May reafirmou ontem a sua intenção de continuar a liderar o governo e de respeitar a vontade do povo britânico, expressa no referendo de 2016, defendendo que eleições antecipadas “seriam o pior que se podia fazer” num momento tão crítico para o futuro do Reino Unido, porventura o mais decisivo desde a II Guerra Mundial.