“Como é que teria sido a minha vida durante estes 10 anos se tenho aceitado ajudar o juiz Carlos Alexandre como me foi solicitado?” A acusação de Armando Vara durante uma entrevista à TVI a dias de ser preso caiu que nem uma bomba, mas até agora não levou a qualquer reação do magistrado – sendo certo que se vier a decidir avançar com alguma queixa-crime por difamação ficará impedido de intervir em qualquer processo no futuro que tenha Armando Vara como arguido.
Segundo o ex-ministro socialista alguém, que não disse quem, lhe terá pedido ajuda para que Carlos Alexandre chegasse a diretor do SIS – a secreta interna. E foi mais longe, garantindo que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal nunca foi imparcial nos processos Marquês – em que José Sócrates figura como peça principal – e Face Oculta, pelo qual Vara vai ter de cumprir uma pena de cinco anos de prisão efetiva pelo crime de tráfico de influências.
No mês passado foi tornado público que o ex-ministro já tinha esgotado todos os recursos no âmbito do processo Face Oculta e que teria mesmo de cumprir pena de prisão. Armando Vara é ainda arguido no processo Marquês, começando assim a fase de instrução deste processo a cumprir pena de prisão.
Apesar da afirmação de que a sua vida poderia ter sido diferente se tivesse dado uma alegada ajuda ao superjuiz, a verdade é que a decisão de mandar Vara para a prisão não foi tomada por Carlos Alexandre – que só interveio na fase de instrução.
Em abril de 2017, o tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão de primeira instância de condenar o antigo ministro a cinco anos de prisão efetiva no âmbito do caso Face Oculta – pondo assim termo ao recurso interposto no final de 2014.
Dado que a condenação era inferior a oito anos de prisão, o arguido ficou desde logo impossibilitado de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Ainda assim avançou para o Tribunal Constitucional, que no último mês deu o seu veredicto.
Na reclamação apresentada, a defesa questionava a constitucionalidade da decisão – tornando-se assim o primeiro arguido do processo Face Oculta a esgotar todos os recursos.
É a segunda vez que um ministro vai cumprir pena de prisão, depois de Isaltino Morais.
O i tentou ontem obter uma reação do juiz Carlos Alexandre às declarações de Armando Vara à TVI, não tendo sido possível até ao fecho desta edição.
O caso Face Oculta No ano passado, José Penedos, outra das peças-chave no esquema de corrupção que beneficiava o sucateiro de Ovar Manuel Godinho, também viu a Relação manter a sua pena de prisão efetiva de cinco anos.
Já o empresário Manuel Godinho foi condenado em setembro de 2014 a uma pena de 17 anos e meio de prisão (em cúmulo jurídico) por cerca de cinco dezenas de crimes, como corrupção, tráfico de influências, associação criminosa, furto, falsificação e perturbação de arrematação pública e burla. Os desembargadores decidiram na altura reduzir a pena para 15 anos e 10 meses.
A Relação do Porto decidiu ainda atenuar as penas aplicadas aos restantes 31 arguidos.
No total tinham sido entregues mais de três dezenas de recursos. Os desembargadores alteraram algumas decisões do Tribunal de Aveiro, que visavam os outros arguidos.
No caso Face Oculta foram condenados 36 arguidos (entre os quais duas pessoas coletivas), 11 deles a penas de prisão efetivas.
Processos futuros?
Como já foi tornado público, a Operação Marquês levou à extração de mais de uma dezena de certidões, ou seja, do processo mãe nascerão novos inquéritos e como Armando Vara é arguido neste processo mãe, nada impede que uma dessas certidões o vise. Além disso, também já foi noticiada nos últimos dias uma auditoria aos créditos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2015 – algo que acaba por se cruzar com as suspeitas levantadas na Operação Marquês, de que Vara, antigo administrador do banco público, teria beneficiado o Grupo Vale do Lobo. Esta auditoria poderá também dar origem a um inquérito crime.
Na hipótese de algum destes processos visar Armando Vara, e se Carlos Alexandre apresentar uma queixa-crime contra o ex-ministro, o juiz ficará impedido de ter qualquer intervenção nos mesmos, de acordo com o art.º 43.º do Código de Processo Penal: “A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”.
Até agora, o magistrado interrogou Armando Vara em 2011 – no âmbito do Face Oculta – e cinco anos mais tarde na Operação Marquês.
Vara pediu para ir para a cadeia de Évora
Armando Vara – que na entrevista à TVIvoltou a defender a sua inocência – pediu entretanto à Direção-geral dos Serviços Prisionais para cumprir a pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Évora, o que, segundo o “Expresso” foi aceite.
Esta cadeia é reservada a governantes e ex-governantes, agentes e ex-agentes das forças de segurança e ainda magistrados. A pena transitou ontem em julgado, tendo agora o processo de dar entrada no tribunal de primeira instância, neste caso o de Aveiro. À TVI, o ex-ministro disse que só estava à espera que lhe dissessem o dia para se poder apresentar. Ainda não é certo se isso acontecerá antes ou depois do Natal.
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