Duas das vacinas que deverão passar a ser gratuitas em 2019 costumam ser prescritas pelos médicos no primeiro ano de vida das crianças, em três doses cada. Atualmente, a conta para os pais que optam por vacinar os filhos contra a meningite B e o rotavírus, que previnem a doença meningocócica e a gastroenterite aguda, ronda os 400 euros. Não são conhecidos estudos recentes sobre a cobertura vacinal no país com estas duas vacinas, mas dados fornecidos ao i pela IQVIA Portugal – consultora na área da saúde que monitoriza o mercado do medicamento – revelam a dimensão da despesa das famílias. Entre janeiro e outubro, os portugueses gastaram 20,4 milhões de euros na compra destas vacinas. Em 2017, a despesa foi de 24,5 milhões de euros.
Ao todo, este ano já foram vendidas nas farmácias portuguesas 166 mil doses de vacinas da meningite B, numa despesa de 15,8 milhões de euros. No caso das vacinas do rotavírus, até outubro foram adquiridas 83,5 mil doses, um encargo de 4,6 milhões de euros. O i optou por solicitar apenas dados para a aquisição de vacinas da meningite B e rotavírus, dado que a vacina do vírus do papiloma humano, que o parlamento decidiu que também deve ser contemplada no Programa Nacional de Vacinação para rapazes, é atualmente gratuita para as adolescentes, pelo que os valores cedidos pela consultora não poderiam separar o que é assumido pelas famílias e o que é pago pelo Estado.
A medida foi aprovada na passada terça-feira, com os votos do PCP, Bloco de Esquerda e PSD, a abstenção do CDS e o voto contra dos socialistas. Neste caso funcionou a chamada “coligação negativa”, em que a esquerda teve o apoio do PSD à proposta.
Para o Estado assumir o encargo com as três vacinas, está previsto que a despesa anual ronde 44 milhões de euros. As contas são do PS, que explicou ao i que o voto contra não resultou do custo orçamental, mas sim de discordar do papel dos deputados neste tipo de decisões. “O nosso voto contra não está relacionado com a despesa orçamental. O nosso voto contra tem a ver com uma questão de coerência. O Programa Nacional de Vacinação é uma questão de saúde pública, e não um plano individual de vacinação”, adiantou ao i o deputado António Sales, coordenador da bancada socialista para a área da Saúde.
Os socialistas consideram que o tema não deveria ter sido tratado apenas pelo parlamento, por se tratar de “uma questão extraordinariamente técnica” em que deveria ter sido envolvida a Comissão Técnica de Vacinação. “Numa questão em que se exige evidência científica, que exige rigor, não se ouvir primeiro a Comissão Técnica de Vacinação e, por conseguinte, a Direção-Geral da Saúde parece-me um profundo erro”, defendeu António Sales para justificar a decisão de voto contra dos socialistas.
A medida, que surpreendeu o governo e a própria Direção-Geral da Saúde, acaba por ser das alterações ao Orçamento do Estado decididas no parlamento com maior impacto orçamental – praticamente o dobro do impacto da descida do IVA na cultura (24 milhões). O Orçamento do Estado para 2019 contemplava inicialmente 30 milhões de euros para o PNV, a que acrescem agora entre 40 e 44 milhões de euros para incluir as três vacinas, ou seja, um total de 74 milhões de euros.
“Quando nós inscrevemos um determinado número no Orçamento do Estado, não estamos a inscrever verba para esta ou para aquela vacina, mas para todas”, concluiu António Sales, sublinhando que o PS “mostrou coerência e racionalidade” no voto contra.
“Vamos levar o tempo que for preciso a negociar” Aprovada a inclusão das vacinas no PNV – aguarda-se a redação final do OE 2019 para envio a Belém -, o processo nunca será automático e pode até levar alguns meses. Ao “Sol”, a presidente do Infarmed, Maria do Céu Machado, explicou que a decisão política não implica que não se siga o trabalho técnico e negocial com as farmacêuticas que ocorre sempre que o Estado passa a comparticipar qualquer medicamento. “Vamos levar o tempo que for preciso a negociar”, garantiu a responsável, recordando que não é a primeira vez que, em ano eleitoral, são incluídas novas vacinas no PNV. As vacinas da hepatite B, meningite C e doença pneumocócica também passaram a fazer parte do PNV em ano de eleições, em 1995, 2005 e 2015, respectivamente.
Pressões de farmacêuticas?
Na sequência do debate em torno da aprovação desta medida, a antiga ministra da Saúde Ana Jorge denunciou, na Antena 1, que existe pressão da indústria farmacêutica, uma ideia em que foi acompanhada por outros ex–responsáveis do setor.
No parlamento já vem sendo hábito ouvir os deputados queixarem-se de receberem emails de um setor específico. Ao i, António Sales assegurou que não recebeu qualquer pressão via email da indústria farmacêutica, tendo registado antes um volume substancial de emails de outras áreas, como a das touradas. Deputados de outras bancadas confirmaram a mesma informação.
Na passada sexta-feira, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica recusou, em comunicado, “qualquer insinuação de exercer pressão junto da Assembleia República para a inclusão de vacinas no Programa Nacional de Vacinação”. A Apifarma frisa que as vacinas contra a meningite B, o rotavírus e o HPV (vírus do papiloma humano) estão disponíveis à população, em Portugal e na Europa, “em resultado de aprovação pelas entidades competentes e mediante prescrição médica” e reitera terem sido “completamente alheios a qualquer iniciativa legislativa”.
Do lado da DGS, a convicção dos peritos era não haver necessidade de integrar a vacina do rotavírus em Portugal. Decorrem estudos em relação às outras duas, explicou Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Embora não sejam recomendadas pela DGS, as vacinas são aconselhadas pela Comissão de Vacinas da Sociedade de Infecciologia Pediátrica e da Sociedade Portuguesa de Pediatria.