A PSP reforçou nos últimos dias os meios na esquadra do Campus da Justiça, em Lisboa, e a Procuradoria-Geral da República garantiu que está a ser analisado o facto de haver vítimas de violência doméstica e de outros crimes que, não tendo comparecido voluntariamente, são colocadas durante horas em celas destinadas a suspeitos. Segundo uma investigação levada a cabo pelo i e que foi publicada na edição da última quinta-feira, o número de efetivos da PSP na esquadra do Campus da Justiça tinha diminuído de 64 (em 2014), para 40. A limitação de agentes levou mesmo a que fossem adotadas medidas para evitar uma tragédia dentro do tribunal – uma delas é a obrigatoriedade de andarem com armas descarregadas.
É este efetivo que, dividido por turnos, faz rondas no exterior do Campus da Justiça e transporta todos os detidos que vêm do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e presos que vêm dos estabelecimentos prisionais até às salas de audiência. Os primeiros são transportados pela PSP até aos calabouços do Campus da Justiça, de onde saem escoltados pelos agentes do Campus da Justiça até à sala de audiências. Os segundos são levados até à ala de presos pela guarda prisional, também saindo de lá acompanhados pelos elementos da esquadra do Campus.
A investigação do i revelava que é neste transporte de presos e detidos desde os calabouços até às salas que a diminuição do número de efetivos e por conseguinte da segurança mais se tem feito sentir. É, inclusivamente, cada vez mais comum haver situações em que três elementos da polícia escoltam seis detidos ou presos, que vão algemados aos pares, ou seja, cada um com uma mão livre.
Com poucos efetivos, as regras para o uso de armas também foram alteradas: desde há uns meses os polícias têm de andar com armas descarregadas dentro dos edifícios do Campus da Justiça. Fontes da PSP explicaram que o objetivo desta medida é evitar graves problemas, dado que muitas vezes os polícias estão em desvantagem. Por outro lado, o i sabe que internamente os elementos da esquadra do Campus da Justiça já manifestaram o seu descontentamento, sustentando que uma arma descarregada de pouco lhes serve numa situação de emergência. A norma interna do comandante é clara, tanto nas celas como na condução às salas de audiência a arma no coldre deve estar sem munições na câmara. Se nas celas esta regra é considerada normal, na condução dos detidos e presos às salas de audiência não. E o que devem fazer se precisarem de a usar? Carregá-la no momento com um carregador municiado que levem no bolso.
Reforço de agentes e afetação de armas taser
Logo após a publicação da notícia, ao que o i apurou, foram entregues armas taser à esquadra, algo que já antes tinha sido reclamado. Além disso, quatro dias depois saíram cinco agentes e apresentaram-se ao serviço nove. Ou seja, um reforço de quatro agentes, três deles mulheres.
A relevância do reforço do efetivo feminino prende-se com outro problema de segurança revelado pelo i. É que, ao contrário daquilo que está determinado, era comum que uma detida ou uma presa subisse para a sala de audiências sem uma revista minuciosa, uma vez que só existiam duas agentes mulheres no Campus de Justiça, um número insuficiente para cobrir os quatro turnos.
Assim sendo, e porque só podia ser feita revista por um agente do mesmo sexo, eram, segundo o i apurou, várias as situações em que esta revista não era feita. E, como consequência, já chegaram a entrar objetos proibidos.
Confrontada na altura, a PSP admitiu a diminuição do efetivo no Campus da Justiça, bem como a determinação de andarem com armas descarregadas dentro dos edifícios e a falta de elementos femininos. Ainda assim, e apesar de frisar que não há “risco zero”, fonte oficial diz que tudo está sob controlo.
“A redução nos últimos 4 anos deve-se a questões relacionadas com a gestão de recursos humanos que a PSP tem vindo a realizar, considerando o decréscimo de elementos que, gradualmente, temos vindo a assinalar a nível geral. Este problema está já comunicado superiormente e a PSP tem procurado encontrar soluções de melhor gestão possível para os vários departamentos policiais e esquadras que existem em todo o Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS)”, referiu fonte oficial na última semana.
Ontem o i questionou a PSP sobre o reforço de meios após a publicação da notícia, tendo fonte oficial confirmado, justificando ainda assim que já estava previsto mesmo que a investigação do i não tivesse sido publicada.
“O Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) recebeu, à semelhança de outros Comandos do país, um lote de agentes que terminaram o curso no passado dia 23 de novembro. Desse lote, foram vários agentes distribuídos pelas diversas divisões policiais do COMETLIS, tendo sido afetos vários elementos para a Divisão de Segurança a Instalações, cuja Esquadra de Segurança do Campus da Justiça pertence. Este reforço estava já planeado e aguardava-se apenas a finalização do Curso de Formação de Agentes para se acionar as colocações nos departamentos policiais”, respondeu ontem fonte oficial.
Já quanto à afetação de armas taser, a PSP recusou dar qualquer esclarecimento: “Quanto à questão das armas, não fazemos qualquer comentário, uma vez que esta matéria é considerada, pela PSP, de caráter reservado”.
A falta de segurança do campus já foi reportada por magistrados do MP e juízes à hierarquia.
Revelação de vítimas em celas dá lugar a análise do MP
Como o i revelou na última semana, as vítimas de crimes como violência doméstica ou as testemunhas que não compareçam voluntariamente a tribunal e sejam alvo de um mandado de condução por parte da PSP são levadas para os calabouços do Campos da Justiça, onde estão também pessoas suspeitas de crimes e em prisão preventiva.
A atuação foi confirmada pela própria PSP, que adiantou que não é feita uma “distribuição indiscriminada pelas celas”. Mas a reação do juiz coordenador nas Varas criminais não se fez esperar, anunciando ao i que ia tomar uma posição.
Agora a Procuradoria-Geral da República revelou que do lado do Ministério Público este procedimento – que causa perturbação em muitas vítimas, algumas das quais nem conseguem evitar o choro quando são detidas – vai ser analisado.
Ao i, o gabinete de Lucília Gago esclareceu que “o magistrado coordenador da comarca de Lisboa encontra-se a recolher elementos com vista a analisar a questão”. A mesma fonte garantiu ainda que esse magistrado já propôs que “a matéria fosse debatida em próxima reunião do conselho de gestão da comarca”.