A Parque Escolar – empresa pública, criada em 2007 durante o governo de José Sócrates, para requalificar as escolas públicas – volta a estar sob fortes suspeitas. O Ministério Público está a investigar indícios de corrupção ativa e passiva decorrente de um esquema de viciação das regras na contratação de empresas pela Parque Escolar, para as obras de requalificação de escolas.
As suspeitas recaem, sobretudo, em 15 obras de escolas de Lisboa e do Porto sendo que, até agora, segundo fonte oficial do Ministério Público, já foram constituído três arguidos no âmbito da investigação em curso.
“Em causa estão factos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de corrupção ativa e passiva e de participação económica em negócio”, disse ao i fonte oficial do MP.
De acordo com o “Correio da Manhã” algumas empresas terão subornado altos quadros da Parque Escolar para que as obras das escolas lhes fossem adjudicadas, tendo o Estado sido lesado em mais de dez milhões de euros assim como as restantes construtoras.
Além disso, avançou o MP ao i, estão a ser investigadas suspeitas “de irregularidades na execução de contratos de manutenção de escolas”.
Entre os arguidos encontram-se ex-responsáveis pela empresa pública e responsáveis por empresas de construção civil, sendo que, de acordo com fonte oficial do MP, a PJ realizou esta semana “sete buscas domiciliárias e seis a sociedades”.
Um dos alvos das buscas da PJ foi a Parque Escolar, confirmou ao i fonte oficial, que garante que “prestou toda a colaboração que lhe foi solicitada”.
Há cerca de quatro anos que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está a passar a pente fino todas as obras realizadas através da Parque Escolar, estando em análise as adjudicações realizadas entre 2010 até este ano.
Um das obras que estará a ser investigada é a do Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Em abril, esta escola lisboeta que foi uma das bandeiras da Parque Escolar, cujas obras de requalificação foram distinguidas em 2013 pela União Europeia, foi alvo de buscas da PJ, avançou na altura o “Expresso”.
Derrapagem no Passos Manuel
A requalificação do Passos Manuel foi uma das quatro obras que fez parte do projeto-piloto da Parque Escolar. Foi uma das obras executadas pela Mota-Engil e está entre as intervenções que mais derrapou, tanto no período de execução como nos custos. A obra arrastou-se durante três anos (entre 2008 e 2011), sendo que a despesa inicial da obra rondava os 17 milhões de euros e acabou nos 23 milhões de euros, por causa de uma série de “trabalhos a mais” sem justificação, aponta uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC).
Além disso, a auditoria refere ainda que as alterações ao contrato com a construtora violam a lei, tendo em conta que não foram submetidos à aprovação prévia do Tribunal de Contas, para quem muitas das despesas efetuadas e pagas resultaram num “dano para o erário público”, frisa o documento. O Tribunal de Contas aponta mesmo o exemplo de vários materiais de luxo utilizados na obra, como é o caso de 72 unidades de ar condicionado topo de gama, cujo cenário os auditores do TdC comparam a um hotel de cinco estrelas. Estes aparelhos estão desligados porque a escola não tem verbas suficientes para suportar os custos de eletricidade provocados pelo ar condicionado.
manutenção das escolas investigada O DCIAP está ainda a investigar o incumprimento dos contratos de manutenção das escolas por parte da Parque Escolar. Todas as escolas requalificadas pela Parque Escolar pagam uma renda anual de cerca de 500 mil euros à empresa pública para que sejam realizadas pequenas obras de reparação e de manutenção dos edifícios. No entanto, no final de 2016, várias escolas denunciaram que apesar de pagarem à empresa pública a renda anual não sofreram qualquer tipo de manutenção dos edifícios, apesar de terem contactado a Parque Escolar.
Na altura, o i denunciou os exemplos da escola Básica e Secundária de Carcavelos que ameaçou mesmo não abrir portas no 2.º período do ano. Mais tarde, o i avançou também com o exemplo da Secundária Dr. Manuel Fernandes, em Abrantes, que ameaçou deixar de pagar a renda à Parque Escolar, tendo em conta que há dois anos que a escola estava sem qualquer visita de um técnico da empresa.
Mas este era um cenário transversal a, pelo menos, todas as 69 escolas que foram intervencionadas durante a fase 3 do programa, reconheceu ao i, na altura, a Parque Escolar, justificando a situação com um processo em tribunal.
Operação Marquês
Além da investigação em curso pela DCIAP, a Parque Escolar está ainda envolvida na Operação Marquês por causa das obras contratadas pela empresa pública ao grupo Lena. Estes dois inquéritos são autónomos.
De acordo com o Ministério Público, entre 2009 e 2015, o grupo gerido por Carlos Santos Silva – suspeito de ser o testa de ferro de José Sócrates – conseguiu 11 contratos para obras com a Parque Escolar, tendo arrecadado 138,7 milhões de euros. Os procuradores acreditam, aliás, que a Parque Escolar foi uma das grandes fontes dos contratos públicos para o Grupo Lena: cerca de 60% dos contratos públicos vinham da empresa pública que requalifica as escolas.
Dívida perto dos mil milhões
Entre 2013 e 2015, a dívida da Parque Escolar baixou dos 1.150 milhões de euros para os 1.086 milhões de euros, revelou uma auditoria do Tribunal de Contas divulgada no início de 2017. Mas neste valor não estão contabilizados os 140 milhões que o Estado transferiu para a Parque Escolar para abater o valor da dívida à banca, que só será totalmente liquidada em 2030.
A dívida da Parque Escolar foi contraída junto do Banco Europeu de Investimento (BEI) e do Banco do Conselho da Europa (CEB) entre 2007 e 2010 e, de acordo com um relatório do Tribunal de Contas, chegou a atingir 1.150 milhões de euros, a que acrescem juros. As contas à dívida da Parque Escolar foram conhecidas em 2012, depois de o ex-ministro Nuno Crato ter pedido uma auditoria à Inspeção Geral das Finanças e ao Tribunal de Contas. Documentos que, na altura, foram enviados para o Ministério Público.
Na altura, Nuno Crato salientou que a dívida da Parque Escolar, em 2011, era o correspondente a “três anos de dotação orçamental para a ação social escolar do ensino básico, secundário e superior”.
De acordo com o relatório da Inspeção Geral das Finanças, durante estes três anos (2007 a 2010) a empresa requalificou 103 escolas, nas quais investiu 1,4 mil milhões de euros, o que correspondeu a um desvio de 396% face ao inicialmente estimado. Contas feitas, cada obra custou ao Estado perto de 14 milhões de euros, ou seja, quatro vezes mais do que o valor previsto.
Nuno Crato então decidiu fazer uma reestruturação do programa previsto para as obras e foi fixado um teto máximo de investimento por cada escola. Foi ainda limitado o número máximo anual de 20 obras lançadas pela empresa pública.
No total, a Parque Escolar já requalificou 152 escolas básicas e secundárias, das quais 97 foram concluídas durante a tutela de Nuno Crato.
Com as novas regras o ex-ministro conseguiu uma poupança de 64 milhões de euros em 72 obras.
No momento, não são conhecidas quantas obras da Parque Escolar estão em curso.