Doclisboa denuncia pressões das embaixadas da Ucrânia e da Turquia

Doclisboa denuncia pressões das embaixadas da Ucrânia e da Turquia


Direção do festival que arranca quinta-feira em Lisboa vê nestes acontecimentos – que diz serem inéditos – um “sinal preocupante”.


O festival Doclisboa denunciou num comunicado à imprensa “pressões” recebidas ao longo dos dois últimos dias para “retirar filmes do seu programa ou rever textos nos seus materiais” por parte das embaixadas da Ucrânia e da Turquia em Portugal. Em causa está a exibição de um documentário russo – “Their Own Republic”, de Aliona Polunina – e a utilização das expressões “genocídio arménio” e “aniquilação do povo curdo” nas sinopses de dois filmes integrados no foco “Navegar o Eufrates” – “Honor”, um filme russo de 1926 da autoria de Hamo Beknazaryan, e “Yol: The Full Version” (1982-2017), de Yilmaz Güney eŞSerif Gören.

“Ninguém na equipa da Apordoc tem memória de tal ter acontecido antes, e vemos isto como um sinal preocupante”, afirma a direção do festival no comunicado enviado ao final da tarde desta quinta-feira para as redações. “Vemos com extrema preocupação estas pressões, vindas (oficial e oficiosamente) de representantes internacionais aqui em Portugal.” Pressões que, no entender da direção do festival, revelam que “existe já a convicção de que um festival de cinema está aberto a reposicionar o seu discurso ou a reconsiderar o seu programa devido a interesses políticos e geopolíticos externos”. 

Na quarta-feira, a embaixadora da Ucrânia em Portugal, Inna Ohnivets, enviou à Apordoc – Associação pelo Documentário, fundadora do Doclisboa, e à Culturgest, que acolhe o festival, uma carta em que pedia que o filme fosse retirado da programação por se centrar na atividade de um batalhão pró-russo na autoproclamada República Popular de Donetsk, um dos “grupos armados ilegais que agem em território ucraniano de leste e que perpetraram atos horríveis de terrorismo contra civis usando armamento russo”. A carta foi entretanto partilhada pela própria embaixada da Ucrânia no Twitter. 

Ao i, Cíntia Gil, diretora do festival que arranca na próxima quinta-feira em Lisboa, relatou ainda um segundo caso de pressão com outro tipo de contornos. A propósito dos dois filmes já citados que integram o foco “Navegar o Eufrates”, dedicado ao cinema produzido ao longo dos tempos naquela região, foi solicitada à direção do festival “uma reunião com a encarregada de negócios da embaixada” da Turquia.

“Aceitámos a reunião e foi-nos pedido que não usássemos [nas sinopses] as expressões ‘genocídio arménio’ e ‘aniquilação do povo curdo’ e queriam negociar connosco uma compensação [para evitar] a ofensa à comunidade turca em Portugal. Aí a conversa não continuou." O i tentou contactar ao início da noite a embaixada da Turquia, mas àquela hora não foi possível obter qualquer comentário.

“Fomos absolutamente surpreendidos por isto. Nunca nos tinha acontecido”, garante Cíntia Gil, à frente do Doclisboa desde 2012. “Compreendo que o foco do Eufrates seja delicado, mas precisamente por isso tratámo-lo delicadamente, como tratamos todos os programas que fazemos. Mal acabou a reunião [de ontem] decidimos que isto tinha que ir imediatamente para discussão pública. Isto não pode ser normalizado de modo nenhum. Convidamos estas embaixadas e outras a virem aos debates, a escreverem nos jornais, se quiserem, mas em público.”