Ana Sofia, secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, não hesita quanto ao grande desafio do seu gabinete: “Acima de tudo, mobilizar recursos para aquelas que são as áreas da inclusão e da deficiência”. Nesta entrevista que decorreu no seu gabinete no Ministério do Trabalho e da Segurança Social (MTSS) – e que pretendia ser um balanço destes quase três anos de legislatura – acabou por traçar um arco entre os desafios concluídos e os projetos para o futuro, como o voto em braille que será já posto à prova nas próximas eleições europeias, em maio de 2019. Em dezembro, Ana Sofia Antunes enfrenta um novo desafio: aos 37 anos, prepara-se para ser mãe.
Continua a usar as redes sociais – há muitos políticos que o fazem apenas durante a campanha. Usa-as como mais uma ferramenta para mostrar o seu trabalho ou é apenas um hábito pessoal?
É uma ferramenta. Até criei aquela página já depois de estar em funções, as primeiras publicações já são do período governativo. Tinha sim um perfil pessoal no Facebook, que continuo a ter, e que uso muito pouco (risos). Não tenho tempo. Mas a página é uma forma de transmitir informação como qualquer outra. Às vezes não conseguimos chegar a um jornal ou a uma televisão com facilidade ou com a rapidez que queremos. Sei que não é através do Facebook que chegamos a todos, há pessoas que estão fora desta rede – mas chegamos a um conjunto substancial de pessoas.
Há muitas pessoas que tentam contactá-la desse modo, recebe muitas mensagens?
Sim, bastantes.
Nas suas publicações é usual a referência à Casa Pia, que está sob a sua tutela. As pessoas têm noção do trabalho que lá é desenvolvido? Lembro-me, por exemplo, dos cursos de relojoaria que formam alunos que são quase imediatamente sugados pelas grandes casas internacionais, e a ganhar muitíssimo bem. Esse tipo de trabalho chega ao grande público?
Penso que está melhor. Foram feitas algumas peças que ajudaram a dar uma outra visão sobre a Casa Pia e a desamarrá-la de um conjunto de estereótipos antigos. Não é um assunto com o qual eu consiga tão facilmente conquistar o interesse dos media, mas uso muito as redes sociais para tentar disseminar aquilo que são as boas iniciativas da Casa Pia, que está sempre a inovar e é muito interessante desse ponto de vista. Além de um Fab Lab, ainda este ano criaram uma casa para acolhimento de jovens mães com crianças até aos três anos, que efetivamente faltava num universo das respostas sociais que temos neste Ministério. E é efetivamente a Casa Pia que se está a lançar à frente e a dizer ‘nós queremos fazer, entre as muitas responsabilidades que temos, queremos fazer mais isto’.
E por que acha então que os media não pegam tanto nestes temas?
Não tenho propriamente uma razão, talvez pensem que é um assunto que não interessa a uma maioria de leitores ou de cidadãos que leem notícias. Não creio que tenha propriamente a ver com algum tipo de comparação com o passado. E talvez seja um bocadinho indelicado dizer isto, mas as boas notícias não despertam tanto interesse como aquelas que têm uma vertente mais negativa. E acho que não está certa essa postura – acho que as pessoas sentem falta de ler notícias acerca de coisas positivas e que as deixem bem-dispostas.
Falemos então de uma coisa positiva, uma promessa que vai ser cumprida. Em 2016 revelou numa entrevista que, em 2019, pela primeira vez, as pessoas cegas vão poder votar sozinhas em Portugal. Nas próximas eleições europeias vai ser introduzido pela primeira vez o voto em braille. Pode explicar como será este processo?
Bem, este foi um processo difícil do ponto de vista jurídico-legislativo, digamos assim. Porque não foi apenas nós querermos que acontecesse e levarmos essa proposta de lei a Conselho de Ministros, o que foi feito com alguma rapidez, mas depois toda e qualquer alteração a uma lei eleitoral implica necessariamente a aprovação de uma lei por parte da Assembleia da República. A lei foi promulgada pelo senhor Presidente da República no seu último dia de promulgações, ainda não a temos publicada – esperamos que esteja até ao princípio de setembro. Na prática, isto quer dizer que a partir do próximo ato eleitoral, que serão as eleições europeias, em maio, há um conjunto de inovações que vão ser introduzidas, e uma delas é o voto em braille, para além de outras como o voto antecipado e poder votar-se fora da própria assembleia eleitoral. Aquilo que estamos a fazer agora é ultimar o processo prático para que isto seja possível. O que no fundo vai acontecer naquele dia é que as pessoas deficientes visuais que se dirigirem à assembleia de voto no dia das eleições podem requerer exercer o seu direito de voto acompanhados da matriz em braille, não precisando para o efeito de ser acompanhados por qualquer cidadão da sua confiança. Ou seja, vão poder votar de forma autónoma.
E como é a matriz?
Imaginemos um boletim de voto exatamente igual ao boletim a negro, que qualquer pessoa que vê usa, mas os conteúdos estão em braille. Para quem vê, é basicamente uma folha de voto em branco com uns pequenos pontinhos que são braille, mas para quem lê braille o que lá está é precisamente o mesmo que num boletim de voto comum. Essa matriz é sobreposta ao boletim a negro e os sítios onde estão os quadrados, onde se coloca a cruz, são vazados, digamos que recortados, para quando a pessoa colocar a cruz com a caneta estar na verdade a escrever no boletim a negro e apenas utilizando a matriz para se orientar.
Ou seja, quem for fazer depois a contagem não terá que saber braille.
Não, porque o que vai para dentro da urna é apenas o boletim a negro, absolutamente igual aos outros, que estava por baixo, e a matriz é novamente entregue à mesa. E assim está absolutamente garantida a confidencialidade do voto.
Haverá boletins em braille em todas as mesas ou as pessoas cegas terão que avisar previamente onde querem votar?
Existirão matrizes em todas as mesas, um determinado número mínimo, que é de duas ou três, para o caso de alguma se deteriorar, independentemente de virem ou não a ser usadas. Claro que daqui até lá, e isto já foi visto inclusivamente com o Ministério da Administração Interna (MAI), ainda teremos alguns momentos de ensaio geral em que vamos simular o voto para garantir que em maio vai correr tudo bem.
Este será um projeto-piloto ou a ideia é ser implantada a partir de agora em todas as eleições que se realizarem em Portugal?
A ideia é fazer sempre daqui para a frente em todas as eleições. Procurámos que a primeira eleição em que isso acontecesse fossem as europeias precisamente por serem as mais simples, em que o boletim de voto é igual em todas as mesas, sem variações em todos os concelhos, distritos e freguesias. Nas legislativas e principalmente nas autárquicas, em que temos boletins diferentes, é bom que já tenhamos tudo isto bastante rotinado para não corrermos riscos.
Tem ideia de quantos eleitores invisuais…
Invisuais não: pessoas cegas ou pessoas com deficiência visual.
Estamos sempre a aprender.
Sinceramente não sei. Os últimos censos apontam para cerca de 163 mil pessoas com deficiência visual e certamente que nem todas sabem braille. Algumas serão pessoas com baixa visão, ou seja, que têm um linear de visão extremamente baixo mas que ainda lhes permite, de alguma forma, extrair utilidade dessa mesma visão, e que, no geral, não chegam a aprender braille. E dentro daquelas que têm cegueira total também nem todas aprenderam: em regra aprendem bem braille as pessoas que têm cegueiras congénitas, de nascença, porque aprendem braille na escola na mesma altura em que qualquer criança começa a ler. As pessoas que adquirem cegueiras ao longo da vida por vezes aprendem braille, se tiverem motivação e força de vontade, mas o processo de aprendizagem já não é feito com a mesma simplicidade com que é feito numa idade mais precoce. Esta não será certamente uma solução que vai servir a todas as pessoas com deficiência visual, e por isso nesse sentido estamos já também a trabalhar com o MAI para encontrar uma outra solução que possa dar resposta a outros casos, nomeadamente através do voto eletrónico. Mas essa hipótese ainda está a ser testada.
Esta semana foi publicado em Diário da República o Novo Regime do Maior Acompanhado, que elimina definitivamente a intervenção dos Institutos da Interdição e da Inabilitação.
Estávamos a falar de um regime que retroagia a 1966, portanto, ao período do Estado Novo, que tinha uma legislação, digamos, em que os direitos, liberdades e garantias tinham um enquadramento muito próprio, uma interpretação feita à luz do próprio regime político. Esta norma vigorou no Código Civil até agora, e sabemos que teremos ainda uma vacatio legis de seis meses, um período durante o qual a norma, estando publicada, ainda não entra em vigor. Isto porque sendo uma norma muito importante numa legislação de charneira para o nosso sistema jurídico em Portugal, tem que haver um período de adaptação e preparação. Na verdade, só teremos esta norma a funcionar por volta de março de 2019.
De que maneira o anterior regime era um impedimento à autodeterminação da pessoa com deficiência? Se puder dar exemplos.
Esta era uma norma que, em traços gerais, dizia que pessoas com deficiência, designadamente cegas, surdas ou surdo-cegas; ou pessoas que tivessem dificuldade em reger a sua pessoa e bens, poderiam ser declaradas interditas ou inabilitadas. São dois regimes diferentes: a interdição é um regime mais severo. A partir do momento em que a pessoa era declarada interdita deixava de poder exercer um conjunto muito amplo dos seus direitos, fossem eles direitos civis, políticos ou patrimoniais, todos eles tinham de ser exercidos por intermédio de um tutor que o substituía. Ou seja, a pessoa deixava de poder casar por sua autodeterminação, deixava de poder votar, de comprar ou vender bens porque não lhe era reconhecida essa capacidade. O regime da inabilitação era um pouco mais leve e dizia respeito apenas a situações de gestões de bens. A pessoa podia gerir alguns dos seus bens e em determinadas situações, acima de determinados valores, já precisaria da mediação ou do apoio de um curador. Não vou dizer que isto era aplicado de forma rígida nos dias de hoje. Agora não deixa de ser um facto e uma marca negativa que um país possa ter em pleno século XXI uma norma na sua legislação civil que diz que uma pessoa que pelo simples facto de ser cega ou surda pode ser declarada interdita e deixa de poder reger a sua vida.
Isto é inadmissível e este foi o nosso foco desde o início em que tentámos promover o fim desta norma.
E o que prevê então a nova norma?
A norma que rapidamente entrará em vigor, esperamos, diz “ok, há situações em que temos que reconhecer que a pessoa pode precisar de apoio para a realização de determinadas tarefas ou atos jurídicos, negócios, digamos assim, no entanto não existe um ‘pacote-chave na mão’.
Em função das características de cada pessoa com deficiência, e obviamente isto terá especial incidência em determinadas áreas da deficiência que não as sensoriais ou físicas – mas mais as intelectuais -, o juiz terá de determinar, caso a caso, mediante conversa e entrevista com cada pessoa, qual é o conjunto de direitos que ficam restritos à pessoa. Mas sempre de uma forma pessoal, subjetiva e casuística, ou seja, deixando de haver esta receita pré-formatada para todos.
Ou seja, tudo dependerá das capacidades da pessoa em questão.
Exatamente. E eu para determinar que a pessoa não pode fazer compras ou vendas de determinado valor, ou doações, não tenho necessariamente que lhe vedar outro tipo de direitos. Há uma situação que nos é muito frequentemente comunicada que é: “Efetivamente o meu filho não tem capacidade de gerir o seu dinheiro do mês, tem dificuldade em perceber que quando recebemos o dinheiro da pensão uma determinada percentagem tem de ir para pagar certas despesas e que só o restante é que está disponível”. Ou seja, nessa parte, esta pessoa vai precisar da ajuda de alguém, mas isto não quer dizer que não seja capaz de votar, por exemplo.
Vão então limitar as intervenções ao essencial.
Ao mínimo indispensável para que a pessoa não faça nada que atente contra si e contra os seus bens. Que a proteja, mas não mais do que o indispensável.
Este regime do maior acompanhado tanto pode ser aplicado a pessoas com deficiência como a pessoas com idade avançada, não existe separação quanto a isso.
Até março só cem pessoas no país tinha pedido a declaração de inabilitação. Em que pé estamos?
Quando falámos disso em março, este processo estava relacionado com o facto de as pessoas requererem a prestação social para a inclusão, isto porque até a um determinado momento foi possível que as prestações fossem pagas mediante um vale-correio. A segurança social entendeu, e a meu ver bem, que este era um meio pouco seguro para se pagarem prestações sociais porque era um meio livremente endossável – por exemplo, eu recebo um vale-correio, não está em meu nome, mas se o endossar a mim próprio e for ao instituto, posso levantá-lo. Alterámos todas estas situações para que o pagamento fosse feito através de carta-cheque não endossável. Toda a gente passou a receber um cheque emitido em seu nome e que só o próprio é que podia ir levantar ao banco. Ora isto trouxe alguns problemas, relacionados com as pessoas de maior dependência.
Nessa altura, receberam cerca de 1800 queixas.
Sim, relativas sobretudo a pessoas com multideficiências: muitas destas pessoas não tinham capacidade para ir levantar ao banco, o que é percetível. Ou já existia uma representação legal, uma interdição ou inabilitação em que o pai podia representar o filho; ou não existindo essa interdição – e em muitos casos ela não existia – os pais viram-se impossibilitados de levantar os cheques. O que entendemos nesta sede é que como estávamos, efetivamente, em vias de terminar este processo legislativo [o regime do Maior Acompanhado], não íamos forçar as pessoas a processos de interdição que eram violentos e muitos restritivos dos direitos. Por isso aprovámos uma norma transitória em que dissemos que, até à entrada em vigor desta legislação, os pais e os representantes das pessoas com deficiência podiam continuar a vir junto da Segurança Social, identificar-se como cuidadores e assim as cartas continuariam a ser endereçadas a elas, apoiantes. Foi isso que fizemos para evitar que desatasse a haver um número gigante de pedidos de interdição ao abrigo de uma lei que está em vias de ser extinta. É preciso deixar aqui uma coisa clara: acho que é fundamental existir esta legislação que determina que os valores dos pagamentos das pensões são emitidos aos próprios, mesmo que eles tenham deficiência, porque se efetivamente há uma situação em que a pessoa não tem de todo capacidade para gerir esse dinheiro, então vamos a tribunal ver em que medida é que essa pessoa vai ser ajudada a geri-lo – mas é o o juiz que vai dizer como isso é feito. Nas restantes situações, a pessoa tem todo o direito de gerir diretamente o seu dinheiro, porque há situações em que essa gestão não era feita pelo próprio contra a sua vontade. Se queremos efetivamente autodeterminar e empoderar as pessoas com deficiência temos que por a sua vida nas suas mãos e não podemos desatar a clamar aos sete ventos que estamos a ser muito mauzinhos porque estamos a impedir as pessoas com deficiência de receber as suas prestações. Não estamos.
Esse regime transitório terminará quando, será já no final de setembro?
Até a lei entrar em vigor, no fim da vacatio legis, porque só aí os juízes a poderão aplicar. Vamos agora prorrogar a vigência dessa norma transitória que até aqui estava até 30 de setembro até à entrada da legislação.
Em julho foi publicado o novo regime jurídico da educação inclusiva, há dois anos entrou em vigor a lei da prioridade, hoje temos balcões de inclusão nas lojas do cidadão. Qual foi o projeto que, na sua ótica, foi a grande vitória?
Desses que frisou ou de todos?
De todos, enunciei estes por me pareceram que tiveram mais visibilidade.
A lei da prioridade foi a que teve mais reclamações, disso não tenho dúvidas nenhumas (risos).
E continuam?
Acho que agora já acalmou mais, mas no início recebíamos grandes testamentos e desabafos.
Mas quem reclamava eram as pessoas que tinham prioridade e achavam que estavam a ser desrespeitadas?
Não, eram as outras, que diziam que havia situações em que não lhes fazia sentido estarem a passar à frente, mais pela questão da prioridade aos idosos. Muitas pessoas acharam que a partir daí era o fim da lógica nas filas em qualquer lado. Respondendo à pergunta, acho que todos tiveram a sua importância na sua área. Neste momento já vamos com mais de dois anos de balcões da Inclusão, onde se registaram cerca de 30 mil atendimentos. No INR tivemos quase 9 mil atendimentos. Acho que isto veio mostrar que era uma resposta necessária, mas não chega termos só esta resposta nas capitais de distrito. E portanto estamos a trabalhar no sentido que esta resposta precise de ir mais perto das pessoas e chegar às sedes de concelho – pelo menos, a um conjunto substancial delas. E esta é fase 2 do projeto.
E relativamente à legislação da educação inclusiva?
Julgo que ainda vamos ouvir falar muito dela agora com a sua entrada em vigor e o início do ano letivo. Obviamente que há alguns desafios para as escolas, que estão agora a perceber como a vão aplicar, e é natural que existam algumas resistências no início, e que certos princípios transformados em lei possam fazer alguma confusão a algumas pessoas e a alguns funcionários da área.
Porquê?
Acho que tudo o que é novo e que é diferente causa sempre muito espanto e muita reação epidérmica no momento.
Consegue dar-me um exemplo de uma dessas mudanças que ache que pode vir a causar essa tal reação?
Acima de tudo nós termos determinado a priorização da permanência do aluno com deficiência, seja ela qual for, em sala de aula. Isto não significa que o aluno tenha que passar necessariamente 100% do seu horário letivo em sala de aula porque pode não ter condições para isso, pode não ser o melhor para o próprio porque há alunos que precisam a par das aprendizagens curriculares – o português, a matemática, o inglês -, fazer outro tipo de aprendizagens que os ajudem ao seu desenvolvimento. Por exemplo, um aluno cego quando entra na escola tem que aprender braille, por que se não o fizer as restantes disciplinas não vão entrar; da mesma forma que um aluno com paralisia cerebral se calhar precisa de ter um conjunto substancial de horas de ginástica adaptada para conseguir trabalhar a motricidade fina. Isto tudo tem que ser conjugado com alguma sabedoria. Agora, o simples facto de estarmos a determinar a prioridade à sala de aula pode no início causar alguma rejeição a alguns elementos presentes na sala de aula – que eu espero que não seja muito.
Está expectante mas está otimista, é isso?
Estou expectante, estou mais otimista do que pessimista e estou disponível para continuar a fazer o meu papel que é, enfim, andar de escola em escola e fazer passar esta mensagem.
Relativamente à reformulação do sistema de apoios à deficiência, nomeadamente a questão do Complemento, quantas pessoas já foram abrangidas?
Neste momento estamos próximos dos 95 mil beneficiários, destes cerca de 33 mil são novos beneficiários. Recebemos até há data qualquer coisa como 41 mil novos requerimentos, dos quais 8 mil estão ainda em avaliação. Os números de forma geral são estes. Os restantes já eram beneficiários de alguma prestação que foi no entanto extinta, mas viram a sua prestação atualizada para a nova prestação social para a inclusão. A componente base desta prestação entrou em vigor em outubro do ano passado, para poder ser requerida, começou a ser recebida em dezembro do ano passado por uma parte dos beneficiários, nomeadamente aqueles que tinham processamentos mais simples. Neste momento temos a situação estabilizada. Vamos agora com tranquilidade avançar para uma segunda fase, que é a fase do Complemento, que estamos a trabalhar para que possa ser requerido, em princípio, a partir do dia 1 outubro, confirmá-lo-emos mais perto. Requerido não significa pago, requerido significa requerido (risos).
É mais exigente ser secretária de Estado ou prestar assessoria jurídica numa área como a mobilidade numa cidade como Lisboa, como fez?
Ser secretária de Estado, sem dúvida nenhuma (risos). Haja dinheiro que a gente faz o resto em Lisboa, na mobilidade.
Falando destes três anos com a tutela de uma secretaria recém-criada, qual acha que tem sido o grande desafio do seu trabalho, o que foi mais difícil conseguir?
Acima de tudo mobilizar recursos para aquelas que são as áreas da inclusão e da deficiência. Sensibilizar quem define essa mesma distribuição para a importância deste público-alvo para a premência das questões que os afetam.
E relativamente ao futuro, se se proporcionar, estaria disponível para continuar a trabalhar por mais uma legislatura?
Ohhh isso quem sabe! É o futuro, e o futuro pertence a alguém que não sou eu.
Não gosta de falar sobre o futuro?
Não gosto de falar sobre esse ponto de vista (risos). Ainda tenho muita coisa para fazer este ano e ainda falta um ano. Há muito para fazer nas áreas das acessibilidades, do emprego, estamos muito focados nisso.
Então falemos de uma coisa muito importante que tem que fazer ainda este ano. É a primeira pessoa com deficiência a ocupar um cargo no governo. É a primeira secretária de Estado grávida.
Neste governo (risos)!
Está determinada em ser pioneira ou é simplesmente a vida a seguir o seu curso?
É só mesmo a vida a seguir o seu curso. As coisas acontecem quando têm que acontecer. A nós só nos compete recebê-la e acolhê-la com um sorriso. Foi nesta altura que aconteceu. Estou muito feliz e tenho a certeza de que vou conseguir conciliar tudo como conciliei até aqui: vida pessoal, desafios, trabalho, estudo, voluntariado.. E agora a maternidade.
Mais um desafio para a balança da sua vida.
Um muito importante, mas de qualquer maneira é mais uma área de superação. É um desafio grande, não vou dizer que não, obviamente que é. É o meu primeiro filho, não sei o que é que isso significa, acho que ninguém sabe quando vai ter o primeiro filho. Mas estou absolutamente tranquila. Como em muitas outras áreas da minha vida já tive que enfrentar coisas completamente novas esta é outra que eu acho que vai correr lindamente e não estou nem um bocadinho assustada.
Já era um sonho antigo?
Era um projeto de vida, era algo que eu queria e não podia aguardar muito mais tempo. Tenho 37 anos, para ter o primeiro filho… Aconteceu agora, podia ter acontecido há alguns anos ou só mais daqui um ou dois mas foi agora e eu estou muito feliz.
Sente que há um tabu relativo à maternidade e paternidade das pessoas com deficiência?
Acho que ainda existe, sim. Felizmente já não é um tabu generalizado, já não é um tabu social ou transversal a 100%, graças a Deus, também mal seria de nós. Há muita gente que nos olha com absoluta normalidade mas também há quem olhe com o estereótipo do coitadinho. Então quando o coitadinho aparece com uma grande barriga (risos)… Penso que quanto mais limitações físicas a pessoa apresenta maior pode ser esse estereotipo, ou melhor, acho que já acompanhei várias situações em que pessoas cegas ou surdas tiveram crianças. Se calhar, se colocar esta questão a pessoas com deficiência motora elas sentem ainda mais esse estereótipo, é a experiência que eu tenho com outras pessoas e amigos com deficiências.
No seu caso não o sente na pele, então.
Não sinto porque também não ligo nada a essas coisas. Acabo por passar muito ao lado desse tipo de comentário. Provavelmente o pior que teria acontecido se já tivesse reparado em alguma coisa desse género seria ter mandado alguma boca muito mal recebida.
Já que estamos no Ministério do Trabalho e da Segurança Social: vai gozar a licença de maternidade na totalidade ou vai reparti-la com o seu marido?
Ainda não pensámos muito nisso. Obviamente vou ter que acompanhar algumas questões, mesmo estando de licença de maternidade e isso também não me assusta. O meu marido tem uma profissão que não é muito fácil, é professor, e para os docentes gozarem a licença ainda que de forma repartida significa que os alunos vão ficar sem aulas e é preciso um substituto. Por isso, não sei, provavelmente ele ficará comigo uma semana ou outra, mas maioritariamente vou ficar eu.