A dívida pública bateu novo recorde em maio


Um país que não se questiona porque é manso, que é manso porque não se questiona, um lugar simpático, afável e seguro. A falta de propósito é o seu grande propósito.


O último livro de Vasco Pulido Valente, “O Fundo da Gaveta” (D. Quixote), é sobre o Portugal do séc. xix, mas uma lição para o Portugal do séc. xxi. As tricas, traições, trapalhadas, as tropelias que mais não são que ruído, pois que apesar delas nem os nomes, nem as caras, nem os estados de ânimo mudam, apenas as aparências, o parecer que se quer resolver o que seja, o que não sucede, porque na verdade os problemas mantêm-se, mantiveram-se e continuam hoje, tal e qual, a mesma discussão do défice, a mesma dificuldade com a dívida, a mesma falta de soluções. 

Num jantar que se seguiu à apresentação do livro na Buchholz, o meu amigo Hélder Ferreira dizia às tantas que não é pessimista, que se o fosse não trabalharia como trabalha, não arriscaria na sua empresa como faz há anos, mas tinha um emprego. Na verdade, a questão não está entre ser pessimista ou otimista, mas entre ter ou não ter consciência, entre saber ou ignorar. Portugal é como é, pobre mas seguro (o quarto país mais seguro do mundo), bonito, estável, simpático, tranquilo, excelente para se viver, mas a discutir os mesmos problemas, a achar que agora é que é, que vai ser, que se vira a página, um país ingénuo porque ignorante, ignorante porque desinteressado, desinteressado porque vai na onda, se deixa ir e levar pela mesma conversa de sempre, nesta admiração e concentração imensa e sem qualquer propósito.

“Sempre me queixei nos jornais da falta de memória dos portugueses. Mas os portugueses não se podem lembrar de uma história que ninguém lhes contou”, escreve Vasco Pulido Valente no prefácio. Um país que não se questiona porque é manso, que é manso porque não se questiona, um lugar simpático, afável e seguro. A falta de propósito é o seu grande propósito. Vasco Pulido Valente conta o que ninguém conta e os seus livros não são apenas uma oportunidade para sabermos, mas também um escape, já que conhecendo o que somos é possível rir da delícia que é um país iludir-se tantos séculos com a mesma crença. Entretanto, a dívida pública bateu novo recorde em maio de 2018.

 

Advogado 

Escreve à quinta-feira 


A dívida pública bateu novo recorde em maio


Um país que não se questiona porque é manso, que é manso porque não se questiona, um lugar simpático, afável e seguro. A falta de propósito é o seu grande propósito.


O último livro de Vasco Pulido Valente, “O Fundo da Gaveta” (D. Quixote), é sobre o Portugal do séc. xix, mas uma lição para o Portugal do séc. xxi. As tricas, traições, trapalhadas, as tropelias que mais não são que ruído, pois que apesar delas nem os nomes, nem as caras, nem os estados de ânimo mudam, apenas as aparências, o parecer que se quer resolver o que seja, o que não sucede, porque na verdade os problemas mantêm-se, mantiveram-se e continuam hoje, tal e qual, a mesma discussão do défice, a mesma dificuldade com a dívida, a mesma falta de soluções. 

Num jantar que se seguiu à apresentação do livro na Buchholz, o meu amigo Hélder Ferreira dizia às tantas que não é pessimista, que se o fosse não trabalharia como trabalha, não arriscaria na sua empresa como faz há anos, mas tinha um emprego. Na verdade, a questão não está entre ser pessimista ou otimista, mas entre ter ou não ter consciência, entre saber ou ignorar. Portugal é como é, pobre mas seguro (o quarto país mais seguro do mundo), bonito, estável, simpático, tranquilo, excelente para se viver, mas a discutir os mesmos problemas, a achar que agora é que é, que vai ser, que se vira a página, um país ingénuo porque ignorante, ignorante porque desinteressado, desinteressado porque vai na onda, se deixa ir e levar pela mesma conversa de sempre, nesta admiração e concentração imensa e sem qualquer propósito.

“Sempre me queixei nos jornais da falta de memória dos portugueses. Mas os portugueses não se podem lembrar de uma história que ninguém lhes contou”, escreve Vasco Pulido Valente no prefácio. Um país que não se questiona porque é manso, que é manso porque não se questiona, um lugar simpático, afável e seguro. A falta de propósito é o seu grande propósito. Vasco Pulido Valente conta o que ninguém conta e os seus livros não são apenas uma oportunidade para sabermos, mas também um escape, já que conhecendo o que somos é possível rir da delícia que é um país iludir-se tantos séculos com a mesma crença. Entretanto, a dívida pública bateu novo recorde em maio de 2018.

 

Advogado 

Escreve à quinta-feira