SOCHI – A vitória, à beirinha do fim, do Irão frente a Marrocos (1-0), deixou o treinador português Carlos Queiroz na frente do grupo de Portugal. Altura ideal para falarmos com ele.
Antes do Mundial ficaste contente com o calendário do grupo. Sentes que tinhas razão?
Sim. Tive sempre essa convicção, essa certeza. O perfil das três equipas ditava uma única leitura. Estamos com a sensação de que vencemos uma grande equipa que pode muito bem ganhar a Portugal e à Espanha. Grande treinador, grandes jogadores. E está tudo em aberto. De acordo com a minha perceção aquando do sorteio.
E agora, como vai ser?
A nossa atitude só pode continuar a ser a mesma. Jogamos contra três favoritos, já batemos um. Agora é tentar ganhar a próxima bola, vencer o próximo duelo, ser mais rápidos na próxima desmarcação, sermos os primeiros no espaço, chegarmos à bola antes dos adversários. Não temos os mesmos argumentos sob o prisma da preparação e da experiência internacional para podermos jogar de outra maneira. Na primeira bola de saída da Espanha há que ir procurar ganhá-la. Com os espanhóis não basta ter um jogador próximo da bola, precisamos de estar noventa minutos com dois jogadores em condições de ficar com ela. Só assim poderemos competir com eles.
Que hipóteses sentes que o Irão tem?
As nossas hipóteses dependem da capacidade que tivermos de, como equipa, fazermos algo de super. Não temos aquele tipo de jogadores capazes de decidir jogos ou de levar a equipa sozinhos à vitória. A solução passa pela união e coesão do grupo e, ao mesmo tempo, com a mentalidade de que será possível superarmo-nos. É simples: as nossas hipóteses de apuramento dependem da nossa capacidade de chegar primeiro, saltar mais alto, correr mais e mais depressa do que os adversários. É uma relação direta entre tudo isso.
O que significou esta vitória para os iranianos?
Estou certo que terá sido um momento de grande felicidade e de enorme alegria. E um orgulho ímpar para todos aqueles que, durante este anos, têm sido os verdadeiros adeptos da seleção. No Irão não há uma unidade de opiniões nem de sentimentos. Mas para aqueles que sacrificaram, que viveram, que são apoiantes incondicionais da equipa do Irão, acho que foi uma prenda boa. Merecem-na. Como os jogadores também merecem. É para eles e por eles que temos de continuar este caminho.
E para ti, Carlos? o que significou esta vitória?
Como em toda a minha vida, as vitórias criam em mim maior responsabilidade. E aprendo. Às vezes as pessoas dizem que é com as derrotas que se aprende, mas eu acho que, nas vitórias, é necessário sair da euforia e ter a humildade suficiente para perceber o que correu bem e também o que correu mal. Precisamos de fazer uma análise fria de tudo isso para tirarmos o maior proveito delas.
És o primeiro treinador português depois de José Torres a abrir um Mundial com uma vitória…
Sim. É especial. Pelo ato em si mas também porque tenho sido, ao longo dos anos, um enorme apoiante e, diria mesmo, um lutador empenhado em que a federação reponha na história a verdade dos factos de Saltillo. E que sejam capazes de reparar os danos morais causados a José Torres. É um homem que só merece elogios e não merecia, de forma alguma, aquilo que ele e a sua família tiveram de sofrer. Infelizmente, há dois ou três dirigentes maltrapilhos, que passaram impunes. É preciso recolocar os factos nos seus devidos lugares. E fazer um tributo a esse grande homem que ficou marcado pela incapacidade e inoperacionalidade de dois ou três dirigentes da Federação Portuguesa de Futebol que, posteriormente, vieram a surgir como falsos heróis. Toda a gente sabe quem eles são!
Depois de veres o Portugal-Espanha que te pareceram os teus próximos adversários? A tua opinião mudou em alguma coisa sobre ambos?
Sim. Mudou. Estão cada vez melhores! Portugal cada vez melhor; Espanha cada vez melhor! Portugal, neste momento, beneficia de uma personalidade que altera qualquer jogo. Para mim, nestes últimos dois, três anos, tornou-se no melhor jogador de sempre da história do país.
E como se pára esse jogador?
Eu já disse uma vez: se houvesse uma fórmula mágica para parar o Cristiano não seria certamente o treinador do Irão a encontrá-la. Os treinadores do Barcelona, do Bayern, do Valência, da Juventus, que têm jogadores incríveis, já teriam encontrado a tal poção mágica. Ele ganha jogos sozinho! Isto parece sair do conceito do que deve ser uma equipa de futebol, mas a verdade é esta. Com todo o respeito pela equipa portuguesa foi Ronaldo, 3 – Espanha, 3. Não que os outros também não tenham sido fundamentais, mas ele consegue transformar um momento menos bom em algo de ótimo. Se quiser levar isto um pouco para a brincadeira, diria que, primeiro, temos de ter a certeza de que o Fernando Santos o vai pôr a jogar no onze inicial. Ainda não temos a certeza. Pode ser que passe por aí a forma de marcar o Cristiano. Depois, o único adversário que lhe pode fazer frente, e eu conheço-o há tantos anos, é surgir um momento de menor inspiração.
Achas que o Irão está no máximo das suas potencialidades?
Não. Acho que estamos aquém daquilo que podíamos estar neste momento. A nossa preparação não teve a especialização nem a excelência que devia ter tido. Só conheço uma forma de se atingir o topo: excelência no trabalho e excelência na preparação. O Irão falhou na minha esperança de pôr em prática um plano que tiraria partido do facto de termos sido uma das primeiras duas equipas a apurarem-se para o Mundial. Classificámo-nos no dia 13 de junho de 2017 e tivemos um ano para desenvolver uma preparação que poderia ter sido excelente. Por razões próprias, o Irão falhou redondamente. E não podemos apontar o dedo só aos outros porque houve razões limitativas e de falta de abertura e de coragem para tomar determinadas decisões conjugada com os mesmos fatores exógenos de sempre e que limitam as capacidades estruturais e financeiras da seleção iraniana. O Irão precisa de dar a mão à palmatória. Não tem a autoridade moral, neste momento, para se lamentar ou para criticar terceiros porque fomos os primeiros a não ter a valentia para decidir o que seria necessário para termos uma preparação de excelência como se impunha, por ser um Campeonato do Mundo e pelo grupo que nos calhou. Portanto, estamos aquém daquilo que devíamos estar porque, infelizmente, no período da qualificação, quando precisávamos de ter toda a gente apta, aconteceram lesões inoportunas que foram, igualmente, consequência dessa limitação que os nossos atletas têm para a alta competição. Não têm uma formação atlética de base, devidamente estruturada para jogarem regularmente a este nível.
Como vais viver o jogo frente a Portugal em termos emocionais?
Já me fizeram essa pergunta.
Eu pergunto outra vez.
Acho que vai ser um momento especial. Muito especial! É para mim difícil perspetivar esses minutos que precedem o jogo. Mas vou viver o momento com orgulho, com entusiasmo, com respeito. Disse que a primeira sensação, quando nos calhou Portugal foi não a de jogar contra Portugal mas com Portugal. É apenas um jogo. E é uma oportunidade que o Irão só tem de agradecer. É um privilégio. E a oportunidade de sairmos do jogo mais fortes, com uma maior aprendizagem. E os nossos jogadores vão defrontar adversários fantásticos, campeões europeus. É uma oportunidade difícil de conseguir. Que me lembra quando o Benfica foi jogar ao Irão há muitos anos. Só temos dois resultados: ou ganhamos ou aprendemos.