Brasil. “Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela…”

Brasil. “Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela…”


A camisola branca que vestia o Brasil no início dava azar, dizia o povão depois da derrota de 1950. Não representa nada, acrescentavam alguns dirigentes. Aldyr Schlee, com 18 anos, venceria um concurso nacional que tornou imortal a canarinha


SOCHI – O empate inaugural do Brasil, não muito longe daqui, em Rostov sobre o Don, para não haver confusões com a velha Rostov-a-Branca, frente à Suíça, e sobretudo a exibição toda tem-te-não-caias e as embirrações infantis de Neymar, fizeram cair sobre a canarinha uma nuvem negra de certa frustração, apenas anestesiada pela derrota da Alemannha frente ao México e pelo empate da Argentina face à Islândia, deixando assim, logo na primeira jornada, três dos grandes candidatos a precisarem de, como gosta de dizer o povinho de Óis da Ribeira a Sobral de Monte Agraço, dar ao pedal.

História puxa história, à moda das cerejas e das conversas, e resolvi trazer aqui o nome de Aldyr Schlee, um brasileiro que poucos conhecem, no Brasil e fora dele, vendo bem. Nascido lá no Rio Grande do Sul, em Jaguarão, tinha do outro lado do rio a cidade uruguaia de Rio Branco e uma ponte a ligar as duas. Aldyr nunca teve dúvidas desde criança: torcia pelo Uruguai. Talvez encantado com as camisolas azuis celestes, talvez por espírito de contradição para com a sua família, a verdade é que a opção lhe ficou para a vida.

Aldyr Garcia Schlee tem hoje 84 anos, é escritor, professor universitário, jornalista e, para o caso que aqui nos traz, desenhista. E vive tranquilo com os filhos e netos num lugar chamado Capão do Leão, perto de Pelotas.

A que propósito vem agora aqui nas páginas do seu jornal, caro leitor, o velhinho Schlee? Percebo que coloque a questão, mas conceda-me generosamente mais meia-dúzia de linhas para explicar o motivo, fazendo o possível para não abusar da sua já tão depauperada paciência.

Falei ao início de desilusão e esta história baseia-se na desilusão.

Uma vez, no aeroporto de Narita, em Tóquio, ao regressar do Campeonato do Mundo de 2002, dei de caras com o grande Tostão, o homem das tabelinhas com Pelé em 1970, naquela que foi, para mim, a melhor equipa de todos os tempos. Não resisti a meter conversa e, às tantas, perguntei-lhe pela vitória brasileira nesse Mundial da Coreia/Japão. Com a placidez que o caracteriza, respondeu: “Por mais que ganhemos campeonatos do mundo, jamais ganharemos o de 1950”.

Estão a ver? Era aqui que eu queria chegar.

Cores. A derrota num Maracanã a abarrotar com mais de 250 mil pessoas num jogo no qual o empate servia para o Brasil se sagrar campeão do mundo pela primeira vez, tombou sobre todo um povo em forma daquilo que Nelson Rodrigues, mestre da crónica, viria a apelidar de “complexo vira-lata”. O Brasil jogava o melhor futebol do mundo mas não fora feito para vencer.

Fetichista como só brasileiro sabe ser, eis que aquela forma de a seleção se equipar foi moendo os nervos da torcida. O Brasil jogava de camisola branca e calção azul ou, em alternativa, de camisola azul e calção branco.

Já Maria da Graça tinha cantado “Camisa Amarela” no “Pátio das Cantigas” quando Ciro Aranha, um dos grandes dirigentes do futebol brasileiro, resolveu trazer a público a discussão: “O branco da nossa camisa nada traduz. Principalmente quando possuímos uma bandeira nacional de cores muito mais expressivas”. O povão concordava. Ainda por cima dava um azar danado, como se vira no Maracanã contra o Uruguai.

Em 1953, o jornal carioca “Correia da Manhã”, em colaboração com a Confederação Brasileira de Desportos lança um concurso a nível nacional: desenhe você mesmo a camisola do escrete. Aldyr Schlee tinha 19 anos. Enviou três projetos. Entre 201 projetos, ganhou aquele que apresentava uma camisola amarela, calção azul e meia branca. Era de Aldyr. Nascia a canarinha. “Nunca pensei que a camisola canarinha ganhasse a importância que hoje tem”, confessou há pouco a uma televisão brasileira. “E até tive medo que a derrota no Mundial de 1954 voltasse a criar a ideia de que dava azar”.

Não deu.

Tornou-se um ícone.

O próprio Júnior, que ainda há dois dias esteve no Portugal-Espanha, grande defesa-esquerdo dos canarinhos, cantou em homenagem ao amarelo: “Voa, canarinho, voa/Mostra pra esse povo que és um rei/Verde, amarelo, azul e branco/Forma o pavilhão do meu país/O verde toma conta do meu canto/O amarelo, azul e branco/Fazem o meu povo feliz”.

Na vitória ou na derrota, a canarinha veio para ficar. Saravá!