SOCHI – Com uma decisão tão admirável como inabalável, o leal comissário de bordo das linhas aéreas russas, Aeroflot, ia atirando o almoço para cima das mesinhas de cada passageiro declarando, com uma seriedade quase soviética: “There’s only porridge!”
A afirmação militarizada contrastava com o menu que fora posto à nossa disposição minutos antes, abrindo o leque de escolhas desde a mais banal das omeletes até a uma talvez não muito aconselhável galinha com puré de batata. Sabe-se que as galinhas não voam, pelo menos a 35 mil pés de altitude e muito menos sobre os céus da Renânia do Norte-Vestefália, pelo que havia a séria possibilidade de se tratar de gaivota, ainda por cima alemã, a mais indigesta.
Seja como for, o diligente comissário de bordo das linhas aéreas russas ameaçara-nos de porridge e foi uma carga de porridge que deu a todos os incautos passageiros, estivessem eles para aí virados ou não. A maioria não estava pelo que percebi das exclamações de desagrado que só foram interrompidas por uma convenientíssima zona de turbulência perante a qual a porridge posta à minha disposição se portou como uma heroína, não tremendo de medo como o seu acompanhante pudim flan, este bem mais cobardolas.
Apresentou-se a iguaria sob um elegante fato de alumínio fervente e sobre uma discreta travessinha de plástico branco imaculado, tendo nas faixas laterais algo que dava ideia de poder ser aparentado com inhame mas certamente muito mais imaginativo.
Estudei atentamente a amesendação posta ao nosso serviço pelo zeloso comissário de bordo das linhas aéreas russas, coisa que me entreteve por vários minutos. Não senti a menor tentação de lhe tocar, nem com os talheres inocentes. Apesar de tudo, mesmo lá no alto, acima das nuvens, há que manter um certo recato. E não nos deixarmos cair na gula, esse pecado mortal que quando não mata engorda.