2000 famílias despejadas do centro histórico de Lisboa em 4 anos

2000 famílias despejadas do centro histórico de Lisboa em 4 anos


Presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior pede suspensão do licenciamento de alojamento local até que seja aprovada a legislação. Esta é a solução apontada por Miguel Coelho para travar a ‘onda de despejos’ que já foi classificada por Helena Roseta como ‘bomba-relógio’.


Cerca de duas mil famílias foram despejadas nos últimos quatro anos do centro histórico de Lisboa. A área, só nos últimos seis meses, perdeu 279 eleitores. As contas são do presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho e garante que «já há mais pessoas em processo de despejo», revelou ao SOL. 

O responsável diz  que, em quatro anos «o bairro passou de 12 mil para para 10 mil famílias, o que configura uma progressiva desertificação do centro histórico da cidade e, em particular, desta freguesia». Miguel Coelho culpa a lei das rendas aprovada no Governo de Passos Coelho que considera ter sido uma «porta de entrada»  ao excessivo investimento no alojamento local. E os números falam por si: em 2013 havia 43 unidades de alojamento registadas e, em 2016, passou para 759. 

«Sendo uma atividade desregulada, não controlada por ninguém e muito rentável, está a levar quase todos os proprietários a expulsarem os seus inquilinos que ou não renovam contratos ou encontram outros expedientes para que eles se vão embora. Isto está a provocar uma grande dor e grande preocupação», salienta.

Para o presidente da junta de freguesia, é necessário encontrar uma solução  imediata até que seja resolvido o problema. E essa solução passa, de acordo com o mesmo, por avançar com uma moratória sobre o alojamento local. Ou seja, suspender o licenciamento de novas unidades até haver legislação final que regule o setor. Ainda assim, admite que essa medida deveria ser aplicada, para já, apenas no centro histórico e em especial em Santa Maria Maior. 

Propostas

Para Miguel Coelho é imperativo revogar a lei das rendas ou, em alternativa, apresentar alterações à legislação. Uma delas, passa por proibir o despejo de pessoas com mais de 65 anos desde que respeitem os critérios de carência económica e física. Outra medida urgente, segundo o mesmo, é impedir que os proprietários, alegando que irão fazer obras, proíbam os inquilinos de regressar, assim como deixarem os imóveis de forma voluntária degradarem-se. E lembra a situação de uma moradora da sua freguesia: «O senhorio, ao não poder tirá-la de lá porque o contrato é anterior a 1990, tirou a luz do prédio, o corrimão e a senhora mora num quarto andar com escadas a pique e não consegue sair de casa», diz ao SOL.      

Miguel Coelho, em resposta aos senhorios, defende medidas que incentivem o arrendamento de longa duração. «Defendemos que alguém que arrende o imóvel por 20 ou mais anos tenha isenção total sobre o IMI ou sobre o IRS. É preciso decidir qual é o imposto mais adequado. E quem arrende por 10 anos ou mais tenha uma isenção de 50% sobre um destes impostos», garante.  

Já em relação ao alojamento local, Miguel Coelho defende a sua regulação, pedindo às câmaras que criem quotas para esta atividade. «Reconhecendo a diversidade do território, a ideia é que cada câmara possa estabelecer quotas  de alojamento local  por zonas ou bairros da cidade porque nem o Algarve é igual a Lisboa nem Benfica ou Carnide são iguais a Santa Maria Maior. É necessário que as câmaras, tendo em conta o conhecimento que têm da realidade, possam estabelecer quotas por bairro», esclarece ao SOL.

E para a sua junta de freguesia já tem um número limite: 70% para alojamento permanente e 30% para alojamento local. 

Quanto às propostas que foram apresentadas pelo BE e PCP para travar o alojamento local admite que concorda com algumas, mas «acha lamentável» que o PS, o seu partido, não tenha avançado com nenhuma medida.

‘Bomba-relógio’

A verdade é que este não é um caso isolado. As campainhas voltaram a soar em Lisboa com a intenção de venda em bloco de vários imóveis por parte da  Fidelidade, depois da seguradora ter admitido que poderia alienar 277  imóveis espalhados por todo o país, mas concentrados principalmente na capital. Contactada pelo i, Helena Roseta, deputada pelo Partido Socialista e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), admitiu que se trata de uma «bomba-relógio». 

A deputada diz que a autarquia fez um levantamento do património em nome da Fidelidade e chegou à conclusão que ultrapassa as 1500 moradas, apontando para um universo de 280 prédios. 

Alertados pela situação dos moradores de Santo António dos Cavaleiros, em Loures – onde contratos de arrendamento em prédios da Fidelidade não estão a ser renovados –, responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa entraram em contacto com a seguradora para apurarem se estaria interessada em dar direito de preferência à autarquia numa possível venda. «A Câmara começou a fazer diligências, a dizer que estava interessada em comprar, e deparou-se com a Fidelidade a fazer diligências para vender, mas quer vender em bloco e não prédio a prédio», garantiu Roseta, acrescentando ainda que a autarquia «não tem condições para comprar de repente 1500 frações».

A lista a que a presidente da AML teve acesso apresenta apenas o património da Fidelidade, não se sabendo qual a utilização dos imóveis, se são comerciais ou habitacionais, mas não se pode afastar a possibilidade de significativa preponderância dos segundos. «Muitas destas pessoas que moram nestes lugares até, provavelmente, não receberam carta nenhuma [de não renovação do contrato de arrendamento]», admitiu Roseta. Mas deixou um alerta: «Temos uma ideia da dimensão em Lisboa, mas não no resto do país.»

O desenrolar da situação em Loures pode abrir o precedente para a capital. «Presumimos que, ao abrigo da atual legislação, quando o contrato chega ao fim e se o proprietário notificar o inquilino, com determinada antecedência, que se opõe à renovação do contrato, o inquilino tem de se ir embora», explicou ainda a deputada. 

Recorde-se que, face a estes fenómenos , a autarquia  foi obrigada a criar uma «unidade de intervenção integrada» para ajudar as pessoas ameaçadas. Entre as diferentes medidas está a criação da linha telefónica SOS Despejo, recomendada pelo BE, que foi aprovada por unanimidade e que deverá entrar em funcionamento em maio. 
A par desta linha vai ser criado um serviço de apoio jurídico para esclarecer os direitos dos moradores. 

Ricardo Cabral Fernandes e Sónia Peres Pinto