Nevava, mas também estava sol porque nevava aquela neve que não sabemos se cai do céu se dos telhados. Falavas de um boneco de neve e de mais outro boneco de neve, e eu a querer mostrar-te que há muito mais que bonecos de neve na neve. Existem montanhas cujos cimos se veem lá de cima e para onde te quero levar.
Não é bem cansaço, nem medo, ou a palavra mais simpática que usamos para o chamar, que é receio. Nada disso. Apreensão, é mais isso, que com medo estou eu com a loucura de te ter aqui. Levo pela mão um miúdo apreensivo com umas pesadas botas calçadas, aqui dizemos postas, mas não deixam de ser botas, e ainda por cima pesadas, mais uns esquis. Esses levo-os eu para ser mais fácil, e aí vamos nós por aí acima sentados em cadeiras, aqui dizemos cadeirinhas, sei lá eu porquê. E aí vamos nós.
Deixo-te na aula com um professor que te ensina. E tu, não me ensinas? Não disseste que esquiavas muito bem? Não tenho resposta. Como é que um pai explica a um filho que, apesar de saber fazer, não sabe ensinar? Mas tu surpreendes como sempre: sem palavras, nada, apenas a aceitação do que tem de ser, que tem muita força – isso, os dois já sabemos –, e dizes até já. Até já.
É depois, no fim dessa semana, que te posso então mostrar aquele meu outro mundo de que te falava e que não percebias. Um que pode ter bonecos de neve, mas também muito mais que isso. São montanhas com neve com vista para outras montanhas brancas com neve e um vento que nos bate na cara porque nos quer dizer que estamos ali, mas também que estamos a descer, que deslizamos, que viramos ora para a esquerda ora para a direita; trava, trava, não te esqueças de travar, curva para controlares a velocidade; assim subimos e descemos quando quisermos, consegues ir lá acima deslumbrar-te com a vista quando te apetecer, nunca te deslumbres com as pessoas, controlas a montanha, impedes o poder dos outros sobre ti, nada te impossibilita do quer que seja e, com o tempo, nada mais te causará apreensão. Isso sei eu ensinar-te.
Advogado, Escreve à quinta-feira