Arrependimento, penitência e contrição: foi a metáfora usada pelo PSD para ilustrar ontem a ida ao parlamento do ministro da Saúde para se pronunciar, pela terceira vez, sobre a posição do governo em relação às parcerias público-privadas no SNS.
Desta vez foi o Bloco de Esquerda a requerer uma audição sobre a renovação, por dois anos, do contrato com a Lusíadas Saúde para a gestão do Hospital de Cascais, enquanto é preparado novo concurso público para a adjudicação desta PPP. E foi isso que levou o deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite a recorrer aos preceitos católicos para ilustrar como os partidos à esquerda estavam a obrigar o executivo a um exercício de arrependimento e contrição sobre esta matéria, em que é pública a divergência com o PS.
Adalberto Campos Fernandes recusou tecer comentários sobre a abordagem teológica à matéria e garantiu que os únicos princípios nas decisões relativas às PPP no SNS são a racionalidade económica e a custo-efetividade, sublinhando que os estudos feitos até à data e as orientações técnicas emanadas da UTAP foram favoráveis à continuidade deste modelo. Logo no início da audição, o ministro começou por sublinhar que a opção de manter a gestão privada de alguns hospitais do SNS não é uma “decisão unipessoal do ministro da Saúde”, remetendo para o programa do governo. “Esta é uma questão de natureza política, não é um capricho pessoal ou político de um ministro”, disse Campos Fernandes.
O ministro justificou a necessidade de prolongar o atual contrato com a Lusíadas Saúde relativo ao Hospital de Cascais por mais dois anos (terminava este ano) com o atraso no lançamento do novo concurso dadas as especificidades dos termos de referência, que antecipou que serão objeto de apreciação pública. O governo quer alargar as atribuições deste hospital, passando a dar resposta a utentes de oito freguesias que hoje só têm acesso à área materno-infantil em Cascais, tendo de ir ao Amadora-Sintra para outras especialidades. Outros dossiês como a definição do seguimento de doentes com VIH/sida e cancro, mas também na área da saúde mental, também sofrerão alterações.
Da audição pedida pelo Bloco ficou a promessa de que o futuro contrato de gestão será mais “exigente”. E uma possibilidade de os hospitais regressarem à gestão pública, como defendem os partidos à esquerda, mas só se nenhum privado aceitar as novas exigências. “Se porventura (…) não houver nenhuma proposta ou nenhum concorrente que faça jus àquilo que for o lançamento do concurso, naturalmente que o governo está preparado para iniciar em qualquer momento o processo de reversão e transformar os hospitais em entidades públicas empresariais”, disse Campos Fernandes. “Não há aqui nenhuma obstinação para fazer a PPP para garantir, como às vezes é dito, uma renda de fluxo financeiro dos operadores privados para que eles possam alavancar a sua atividade estritamente privada.” Do BE, que pediu a audição, ficou o repto: há uma “oportunidade de ouro” para romper com a política que “abriu o SNS aos privados e ao negócio”.
Na audição, o ministro saudou ainda a discussão suscitada em torno da lei de bases da saúde, considerando a atual legislação desajustada. Campos Fernandes referiu que o governo pretende uma lei que prepare o país para a próxima década e responda à transição demográfica. A 10 de abril, revelou, vai ser feito um retrato da saúde em Portugal nos últimos dez anos, análise que passará a ser anual.