Quando Galileu Galilei afirmou, no primeiro quartel do séc. xvii, que não era o Sol que andava à volta da Terra mas sim o contrário, as forças religiosas, “científicas” e políticas da época (ler quase todos os que tinham um respeito cego e reverencial pelo papado e pelo seu poder) apressaram-se a gritar que se tratava de uma “heresia louca e absurda!”, argumentando que “toda a gente sabe – e as Escrituras o dizem – que a Terra está fixa e é o Sol que gira em torno dela”, avisando-o aliás seriamente – logo em 1616 – que lhe poderia acontecer o mesmo que ao seguidor de Copérnico, Giordano Bruno, que foi por isso queimado vivo em 1600.
Quando, jovem adulto, estudei a figura de Galileu e soube que, depois de ter sido julgado pela Inquisição em 1633 e de aí ter renegado (à força) a sua teoria, Galileu cegou (durante a prisão domiciliária perpétua a que, mesmo assim, foi condenado), sempre imaginei que tal teria sido resultado de tanto chorar (de raiva ou vergonha) pela ignomínia que sofrera e pela abjuração a que fora obrigado.
Quando o ministro Capoulas Santos recebeu do primeiro-ministro a tarefa de gerir o Ministério da Agricultura do atual governo e nessa tarefa encontrou a obrigação (explicitamente inscrita no acordo que aquele fizera com os dois deputados, indiretamente eleitos, de Os Verdes) de “excomungar” o eucalipto na base de pressupostos “científicos”, “religiosos” (ler pseudoambientais) e políticos que apregoavam e continuam a apregoar que “toda a gente sabe – e os jornais o escrevem – que o eucalipto é a causa da falta de água, da esterilização dos solos, da perda de biodiversidade e da proliferação dos fogos florestais”, deve ter-se sentido um pouco como Galileu… na medida em que sabia e sabe que tais afirmações são pura e simplesmente falsas.
Não precisou de ser chamado à “Inquisição” (porque esta já tinha ditado a sua sentença para o programa do governo) e, seguramente, não chorou a ponto de cegar (tanto mais que, seguramente, Galileu cegou por qualquer outra razão).
Mas o que fica para esta reflexão é que não é por os papados mudarem que a intolerância, a prepotência e a ignorância desaparecem.
Alarmante – nesta e noutras matérias – é que hoje continue a não ser dada a todos a oportunidade de confrontar os “papados” com verdades realmente inconvenientes.
Como, por exemplo, no caso da chamada “lei da liberalização do eucalipto” (DL 96/2013 de 19 de julho), pretexto próximo para, esta sim, absurda e louca cruzada contra uma espécie da natureza: alguém teve oportunidade de ouvir argumentos das duas partes? Alguém, dos opinadores, se deu ao trabalho de a ler e de ver o que ela substituiu? Bastava apenas metade do tempo de um dos muitos programas que as televisões (nomeadamente a pública) dedicam à discussão semanal do futebol e das tropelias (ou pseudocrimes) dos grandes clubes nacionais para se perceber que tal lei (a da chamada “liberalização”) nunca existiu!
E igualmente lamentável é que esta paranoia contra o eucalipto leve o governo a aprovar agora um diploma que proíbe a plantação de eucaliptos nas áreas percorridas por incêndios (até à entrada em vigor da nova lei da chamada reforma da floresta, que se propõe substituir a dita da “liberalização dos eucaliptos”, de 2013, e que, por proposta sua, apenas deverá entrar em vigor em fevereiro de 2018) quando tal disposição já estava prevista – e, por isso, em vigor – no diploma a revogar (nas alíneas iii) e iv) do número 1 do seu art.o 5.o), onde se exige a “comunicação prévia” da intenção de o fazer e se remete para o ICNF o poder de (não) autorizar qualquer pedido de autorização de plantação… e que o Presidente da República o promulgue (segundo as habituais trombetas mediáticas, embora à data em que escrevo nada tenha sido ainda publicado no Diário da República) sem que nenhum dos seus assessores o tenha informado da inutilidade e redundância do novel diploma…
Declaração de interesses: Fui o autor (material) do DL 175/88 (que pela primeira vez condicionou a plantação de espécies de crescimento rápido em Portugal), que o DL 96/2013 viria a revogar 25 anos (!) depois (com o protesto hipócrita de muitos dos que então me acusaram – em 1988 – de ter feito uma lei permissiva!) e trabalhei 20 anos no setor silvo-industrial do eucalipto, depois de outros tantos anos vividos em diversos Ministérios da Administração Pública, a preparar e a fazer cumprir legislação florestal. Estou, pois, disponível para provar em debate público, com quem quer que seja, que a afirmação de que o DL 96/2013 corresponde à “liberalização” do eucalipto é falsa ou, como agora se diz, não passa de uma “verdade alternativa”.