Os incêndios em Portugal – alguns contornos estranhos


Se há uma época de fogos, isso significa que invariavelmente tenha de haver fogos. Com a abertura da época dos fogos ficamos todos psicologicamente preparados para essa situação, como se de uma inevitabilidade se tratasse


Todos os anos, por altura do verão, é sempre a mesma coisa – vivemos a aflição dos incêndios. Quer porque acompanhemos os noticiários nas televisões e nas rádios, quer porque, experiência mais dolorosa, vejamos o fogo nas nossas terras, nas imediações das nossas casas e dos nossos terrenos, não há infelizmente nos últimos anos nenhum verão em que a realidade não tenha sido esta.

Neste cenário, confesso muito sinceramente que já me questionei, por diversas vezes, se em Portugal ainda existem áreas verdes, ou alguma outra coisa que reste para arder, a não ser o rasto de destruição e cinza que resulta desta verdadeira tragédia. E a deste ano superou já todos os limites que se conheciam, tendo em consideração o número de vítimas mortais do incêndio de Pedrógão do mês passado.

Devo dizer, antes de avançar, que sou um absoluto leigo nestas questões. Que não percebo nada de métodos nem das estratégias de combate, nem de gestão das florestas, nem de prevenção de fogos. Nada de nada!

Por isso, assumo-o, estou a por o pé em ramo verde e a correr riscos de opinar erradamente ou com menor rigor e precisão, e, desta forma, a poder induzir em erro o leitor. Mas assumo o risco e vou em frente, na medida em que há um conjunto de questões sobre as quais tenho refletido e que gostaria de partilhar aqui.

Em primeiro lugar, confesso que sempre me pareceu estranho que sendo os meios aéreos tão importantes no combate aos incêndios – é pelo menos isso que se ouve e lê nos noticiários –, Portugal não disponha dos seus próprios equipamentos. Têm sido sempre os de França, de Itália, de Marrocos, entre outros, que acabam por nos apoiar. Neste ponto importará questionar, quanto é que estas opções nos custam a todos? Quem é que lucra com este estado de coisas?, admitindo, claro, que possam existir opções mais eficazes e menos onerosas. Recordo apenas que há poucos anos surgiram na imprensa notícias que davam conta da possibilidade de envolver os meios da força aérea Portuguesa neste combate, mas que as sucessivas opções políticas se foram afastando sempre delas.

Depois, noutra vertente, questiono-me se o problema dos incêndios florestais não deveria preferencialmente ser equacionado, publicamente discutido e objeto de trabalho preventivo, no inverno. Na denominada época das chuvas. É que é precisamente nessa época que se renovam e fortalecem os matos, que vão ser, meses depois, a massa combustível que alimenta o inferno dos fogos. Talvez neste ponto seja importante equacionar a necessidade de se estudarem e adotarem medidas concretas de corte e limpeza dos matos, tanto por particulares, como pelo Estado, ou mesmo só pelo Estado, uma vez que é bem sabido que na grande maioria das situações, o valor monetário dos terrenos é inferior aos custos da sua desmatação em anos sucessivos, e que muitas das famílias não dispõem de recursos económicos capazes de cumprir esta tarefa. Não conheço nenhum estudo, mas admito como provável que o custo suportado pelo Estado com a limpeza dos matos seria menor do que o do combate aos fogos no verão. Além do mais, a grande maioria – se não mesmo a totalidade – dos municípios dispõe de maquinaria e outros equipamentos e de funcionários que poderiam ser utilizados numa estratégia preventiva planeada com este propósito.

Há ainda uma vertente do contexto mediático e do verdadeiro circo que anualmente se monta em torno dos incêndios, que não posso deixar de partilhar. Refiro-me a noções como a época dos fogos ou o calendário dos fogos, que geralmente compreende os meses do verão, e que nos deixa a todos – os dez milhões de portugueses – à espera dos eventos, ou seja à espera dos ditos fogos. Efetivamente, se há uma época de fogos, isso significa que invariavelmente tenha de haver fogos. Com a abertura da época dos fogos ficamos todos psicologicamente preparados para essa situação, como se de uma inevitabilidade se tratasse. Imagine-se o que seria uma época balnear em que ninguém fosse à praia, ou uma época desportiva sem qualquer jogo? Não é expectável, nem possível.

Por isso esta coisas da época dos incêndios, do mapa dos incêndios, dos briefings e dos pontos de situação das autoridades, dos comandantes dos bombeiros e da proteção civil, a que se assiste nas TVs, são, para lá de tudo o mais, modelos de conformidade – e de aceitação social – com uma determinada realidade. A de que os fogos são uma inevitabilidade que temos de suportar no verão.

Por outro lado ainda, a criação deste circo e a sua mediatização acaba por ser explorada em termos de rentabilidade económica. Faz aumentar as audiências das Tvs e, com elas, os negócios em redor da publicidade. Enfim, parece haver uma estranha coincidência em Portugal. Parece que quando acaba a época futebolista começa a dos incêndios…

A finalizar, julgo ainda que as imagens, sempre impressionantes, dos fogos nas TVs e nas fotos coloridas dos jornais, possam ser, aqui e ali, fatores indutores de novos fogos, ateados por pirómanos. De facto são conhecidos – as ciências da antropologia e da psicologia estudam estas questões – os efeitos irracionais e subconscientes do apelo da magia do fogo sobre a mente humana. E, em situações de alguma desestruturação mental, surgem ou podem surgir as opções pirómanas. As notícias também nos dão conta dessas situações todos os anos.

De resto, temos, como sempre tivemos, os incêndios de causa natural e fortuita e os deliberadamente ateados, com intenção de causar algum prejuízo a alguém. Todos eles, é bom de ver, vão continuar a ocorrer. Por isso, acredito que se existir uma adequada estratégia preventiva sobretudo na época das chuvas – para mantermos o registo –, os efeitos causados pelo fogo serão muito provavelmente menos nefastos do que aqueles que infelizmente temos vindo a testemunhar e a sofrer.  

O futuro e as gerações vindouras merecem inquestionavelmente todos os cuidados que sejamos capazes de fazer hoje na preservação do ambiente e das condições da qualidade de vida. O futuro e as gerações vindouras vão agradecer!

Os incêndios em Portugal – alguns contornos estranhos


Se há uma época de fogos, isso significa que invariavelmente tenha de haver fogos. Com a abertura da época dos fogos ficamos todos psicologicamente preparados para essa situação, como se de uma inevitabilidade se tratasse


Todos os anos, por altura do verão, é sempre a mesma coisa – vivemos a aflição dos incêndios. Quer porque acompanhemos os noticiários nas televisões e nas rádios, quer porque, experiência mais dolorosa, vejamos o fogo nas nossas terras, nas imediações das nossas casas e dos nossos terrenos, não há infelizmente nos últimos anos nenhum verão em que a realidade não tenha sido esta.

Neste cenário, confesso muito sinceramente que já me questionei, por diversas vezes, se em Portugal ainda existem áreas verdes, ou alguma outra coisa que reste para arder, a não ser o rasto de destruição e cinza que resulta desta verdadeira tragédia. E a deste ano superou já todos os limites que se conheciam, tendo em consideração o número de vítimas mortais do incêndio de Pedrógão do mês passado.

Devo dizer, antes de avançar, que sou um absoluto leigo nestas questões. Que não percebo nada de métodos nem das estratégias de combate, nem de gestão das florestas, nem de prevenção de fogos. Nada de nada!

Por isso, assumo-o, estou a por o pé em ramo verde e a correr riscos de opinar erradamente ou com menor rigor e precisão, e, desta forma, a poder induzir em erro o leitor. Mas assumo o risco e vou em frente, na medida em que há um conjunto de questões sobre as quais tenho refletido e que gostaria de partilhar aqui.

Em primeiro lugar, confesso que sempre me pareceu estranho que sendo os meios aéreos tão importantes no combate aos incêndios – é pelo menos isso que se ouve e lê nos noticiários –, Portugal não disponha dos seus próprios equipamentos. Têm sido sempre os de França, de Itália, de Marrocos, entre outros, que acabam por nos apoiar. Neste ponto importará questionar, quanto é que estas opções nos custam a todos? Quem é que lucra com este estado de coisas?, admitindo, claro, que possam existir opções mais eficazes e menos onerosas. Recordo apenas que há poucos anos surgiram na imprensa notícias que davam conta da possibilidade de envolver os meios da força aérea Portuguesa neste combate, mas que as sucessivas opções políticas se foram afastando sempre delas.

Depois, noutra vertente, questiono-me se o problema dos incêndios florestais não deveria preferencialmente ser equacionado, publicamente discutido e objeto de trabalho preventivo, no inverno. Na denominada época das chuvas. É que é precisamente nessa época que se renovam e fortalecem os matos, que vão ser, meses depois, a massa combustível que alimenta o inferno dos fogos. Talvez neste ponto seja importante equacionar a necessidade de se estudarem e adotarem medidas concretas de corte e limpeza dos matos, tanto por particulares, como pelo Estado, ou mesmo só pelo Estado, uma vez que é bem sabido que na grande maioria das situações, o valor monetário dos terrenos é inferior aos custos da sua desmatação em anos sucessivos, e que muitas das famílias não dispõem de recursos económicos capazes de cumprir esta tarefa. Não conheço nenhum estudo, mas admito como provável que o custo suportado pelo Estado com a limpeza dos matos seria menor do que o do combate aos fogos no verão. Além do mais, a grande maioria – se não mesmo a totalidade – dos municípios dispõe de maquinaria e outros equipamentos e de funcionários que poderiam ser utilizados numa estratégia preventiva planeada com este propósito.

Há ainda uma vertente do contexto mediático e do verdadeiro circo que anualmente se monta em torno dos incêndios, que não posso deixar de partilhar. Refiro-me a noções como a época dos fogos ou o calendário dos fogos, que geralmente compreende os meses do verão, e que nos deixa a todos – os dez milhões de portugueses – à espera dos eventos, ou seja à espera dos ditos fogos. Efetivamente, se há uma época de fogos, isso significa que invariavelmente tenha de haver fogos. Com a abertura da época dos fogos ficamos todos psicologicamente preparados para essa situação, como se de uma inevitabilidade se tratasse. Imagine-se o que seria uma época balnear em que ninguém fosse à praia, ou uma época desportiva sem qualquer jogo? Não é expectável, nem possível.

Por isso esta coisas da época dos incêndios, do mapa dos incêndios, dos briefings e dos pontos de situação das autoridades, dos comandantes dos bombeiros e da proteção civil, a que se assiste nas TVs, são, para lá de tudo o mais, modelos de conformidade – e de aceitação social – com uma determinada realidade. A de que os fogos são uma inevitabilidade que temos de suportar no verão.

Por outro lado ainda, a criação deste circo e a sua mediatização acaba por ser explorada em termos de rentabilidade económica. Faz aumentar as audiências das Tvs e, com elas, os negócios em redor da publicidade. Enfim, parece haver uma estranha coincidência em Portugal. Parece que quando acaba a época futebolista começa a dos incêndios…

A finalizar, julgo ainda que as imagens, sempre impressionantes, dos fogos nas TVs e nas fotos coloridas dos jornais, possam ser, aqui e ali, fatores indutores de novos fogos, ateados por pirómanos. De facto são conhecidos – as ciências da antropologia e da psicologia estudam estas questões – os efeitos irracionais e subconscientes do apelo da magia do fogo sobre a mente humana. E, em situações de alguma desestruturação mental, surgem ou podem surgir as opções pirómanas. As notícias também nos dão conta dessas situações todos os anos.

De resto, temos, como sempre tivemos, os incêndios de causa natural e fortuita e os deliberadamente ateados, com intenção de causar algum prejuízo a alguém. Todos eles, é bom de ver, vão continuar a ocorrer. Por isso, acredito que se existir uma adequada estratégia preventiva sobretudo na época das chuvas – para mantermos o registo –, os efeitos causados pelo fogo serão muito provavelmente menos nefastos do que aqueles que infelizmente temos vindo a testemunhar e a sofrer.  

O futuro e as gerações vindouras merecem inquestionavelmente todos os cuidados que sejamos capazes de fazer hoje na preservação do ambiente e das condições da qualidade de vida. O futuro e as gerações vindouras vão agradecer!