Não existia liberdade de imprensa nas cheias de 1967


O primeiro-ministro devia abster-se, de agora em diante, da expressão “já está tudo esclarecido”. 


É uma muleta oral de António Costa que está a colar-se perigosamente a uma forma de agir pouco compatível com a humildade democrática. E se António Costa não é humilde na sua prática política, terá de aprender – em nome da sua sobrevivência – que o escrutínio dos poderes faz parte de uma democracia saudável e adulta. Seja o governo do PS, do PSD, da coligação PSD/CDS ou, num futuro qualquer, do Bloco de Esquerda/PCP ou do PCP/PS ou do PS/Bloco ou, como já aconteceu no passado (e ninguém sabe o que o futuro nos reserva) do PS/PSD ou do PS/CDS.

É verdade que o PS sempre conviveu mal com a liberdade de imprensa – basta lembrar os tempos em que José Sócrates governou o país e montou uma operação, com a ajuda da PT, para comprar a TVI, com o objetivo de afastar uma direção de informação que não lhe era favorável. O processo Face Oculta é só a pior prática de Sócrates relativamente à tentativa de controlo da comunicação social e seria terrível ver Costa a reproduzir as práticas de Sócrates. É evidente que o desejo de controlo dos media continua bem vivo dentro do PS, como se vê por posições públicas de alguns dos seus militantes e assessores permanentes.

Como disse ontem o Presidente da República, numa frase que merece ser lida com atenção por todos os poderes, há uma diferença do Estado democrático relativamente a uma ditadura. “Em ditadura, há 50 anos, eu lembro- -me, era possível haver tragédias e nunca ninguém percebia bem quais eram os contornos das tragédias porque não havia Ministério Público autónomo, juízes independentes, não havia comunicação social livre. Em democracia há tudo isto, e isso é uma riqueza.” O PS e o governo vão ter de se habituar. A frase de Orwell é bastante exagerada: “Jornalismo é publicar algo que alguém não quer ver publicado.

Tudo o resto é propaganda.” António Costa prefere a imprensa-propaganda, que também tem o seu lugar em democracia. Mas só as ditaduras têm exclusivamente imprensa-propaganda. Nas democracias, publica-se o que o governo e os seus apoiantes cegos não querem ver publicado.