A regulação dentro do armário


Olhamos o processo de escolha dos reguladores e concluímos que a nossa regulação é provinciana, docemente portuguesa, quase poderia ter saído de uma consagração cénica de António Ferro.


Portugal pode ter uma regulação de faz- -de-conta ou afirmar-se abrindo-se às novas realidades que atravessam os países mais dinâmicos economicamente, mais credíveis no investimento externo e mais estáveis no património jurídico?

Não tem duas respostas, a questão. Sim, Portugal deve observar as mais recentes visões sobre a regulação e sobre a supervisão. Mas isso é possível? Não, não é. Ou seja, estamos todos de acordo quanto ao caminho, mas não temos pernas para o fazer.

Olhamos o processo de escolha dos reguladores, os métodos de seleção dos colaboradores e a forma de sindicar a ação destes e concluímos que a nossa regulação é provinciana, docemente portuguesa, quase poderia ter saído de uma consagração cénica de António Ferro.

O governo escolhe os reguladores. Agora, o parlamento faz uma sabatina que só é reverente quando as notícias sobre interesses e incompatibilidades se conhecem antecipadamente. E também há a CReSAP, esse agente que assumiu o efeito-carimbo com uma mensagem simples, mas universal, perante cada currículo: adequado.

Há muito que advogamos a existência de órgãos de administração das entidades reguladoras constituídos por membros permanentes e por não permanentes. Também advogamos que um terço desses membros não seja português e que a sua escolha seja pelos méritos do seu percurso internacional. A pergunta seguinte pode ser descomplicada: não temos em Portugal individualidades que sejam capazes de assumir a empreitada da boa regulação? Temos, mas não chegam. O que nós precisamos é de olhares de fora, de experiências noutras culturas, de independência relativamente aos interesses nacionais e de opções despidas de preconceitos ideológicos que esses movimentos neoliberais transportaram para as economias.

Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, havia ocupado o mesmo lugar no banco central canadense. Ora, esses ingleses, que se sentem quatro furos acima dos continentais do sul, perceberam cedo as vantagens imensas de não se ficar pelo cobre da casa, que há sempre outras linhas de seleção que não devem ser dispensadas. O caminho, por cá, devia ser também esse.

Quando olhamos a realidade das máquinas técnicas dos reguladores poderemos dizer que, em alguns casos, se revelam capazes quando comparadas com congéneres. Mas o tempo que levam de vida, os vícios que assumem pela sua semiclandestina existência e o incumprimento das regras da boa gestão impedem uma avaliação criteriosa. No exercício das nossas funções de regulador (2010/2015) consagrámos três opções que não vingaram. A primeira é a do concurso internacional obrigatório; a segunda, a da exigência de doutoramento e, pelos menos, cinco anos de experiência no exercício de atividades colaterais; a terceira, a da compatibilização das carreiras dos reguladores com as dos laboratórios de Estado. Nada nasceu e continuamos a assumir as funções core da regulação e supervisão da mesma forma que assumimos as funções de suporte, uma coisa estranha num universo público onde funções semelhantes deveriam observar remunerações e estatutos semelhantes.

Por último, o universo da verificação parlamentar. Os reguladores vão às comissões parlamentares respetivas e isso não concede uma leitura cuidada sobre a qualidade da regulação e sobre a realidade dos problemas que se colocam. O parlamento deveria assumir a existência de uma “comissão-mãe” da regulação, com parlamentares conhecedores do tema, mesmo que as comissões setoriais também tivessem uma palavra a dizer em sede de verificação do exercício.

Como decorre da lei, os reguladores não são todos nomeados ao mesmo tempo e não observam uma hierarquia na sua posição interna em cada uma das máquinas. Seria muito relevante que os governos, perante cada escolha de legislatura, determinassem as cartas de missão de cada um dos reguladores. Nada acontece. A carta de missão de cada governo não se revela numa linha estratégica, antes se confirma no incremento diário de cada necessidade, na resolução individual de cada problema.

O nosso país tem duas linhas assumidas quanto à questão dos reguladores. A esquerda da esquerda é contra a sua existência, porque são os símbolos máximos dos mercados livres. A direita mais à direita assegura, pelos reguladores, os seus interesses, e quando não se importa com os problemas, afirma a autorregulação como base da economia dinâmica. Ora, quanto ao PS intui-se o que já pode ter pensado, mas não se identifica o que pensa hoje. Parece um veículo com problemas de ignição. Mas há um caminho: a regulação deve assumir o interesse público e, para isso, deve ser profundamente sindicada. Falta dar os passos certos para que assim aconteça.

 

Deputado do Partido Socialista


A regulação dentro do armário


Olhamos o processo de escolha dos reguladores e concluímos que a nossa regulação é provinciana, docemente portuguesa, quase poderia ter saído de uma consagração cénica de António Ferro.


Portugal pode ter uma regulação de faz- -de-conta ou afirmar-se abrindo-se às novas realidades que atravessam os países mais dinâmicos economicamente, mais credíveis no investimento externo e mais estáveis no património jurídico?

Não tem duas respostas, a questão. Sim, Portugal deve observar as mais recentes visões sobre a regulação e sobre a supervisão. Mas isso é possível? Não, não é. Ou seja, estamos todos de acordo quanto ao caminho, mas não temos pernas para o fazer.

Olhamos o processo de escolha dos reguladores, os métodos de seleção dos colaboradores e a forma de sindicar a ação destes e concluímos que a nossa regulação é provinciana, docemente portuguesa, quase poderia ter saído de uma consagração cénica de António Ferro.

O governo escolhe os reguladores. Agora, o parlamento faz uma sabatina que só é reverente quando as notícias sobre interesses e incompatibilidades se conhecem antecipadamente. E também há a CReSAP, esse agente que assumiu o efeito-carimbo com uma mensagem simples, mas universal, perante cada currículo: adequado.

Há muito que advogamos a existência de órgãos de administração das entidades reguladoras constituídos por membros permanentes e por não permanentes. Também advogamos que um terço desses membros não seja português e que a sua escolha seja pelos méritos do seu percurso internacional. A pergunta seguinte pode ser descomplicada: não temos em Portugal individualidades que sejam capazes de assumir a empreitada da boa regulação? Temos, mas não chegam. O que nós precisamos é de olhares de fora, de experiências noutras culturas, de independência relativamente aos interesses nacionais e de opções despidas de preconceitos ideológicos que esses movimentos neoliberais transportaram para as economias.

Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, havia ocupado o mesmo lugar no banco central canadense. Ora, esses ingleses, que se sentem quatro furos acima dos continentais do sul, perceberam cedo as vantagens imensas de não se ficar pelo cobre da casa, que há sempre outras linhas de seleção que não devem ser dispensadas. O caminho, por cá, devia ser também esse.

Quando olhamos a realidade das máquinas técnicas dos reguladores poderemos dizer que, em alguns casos, se revelam capazes quando comparadas com congéneres. Mas o tempo que levam de vida, os vícios que assumem pela sua semiclandestina existência e o incumprimento das regras da boa gestão impedem uma avaliação criteriosa. No exercício das nossas funções de regulador (2010/2015) consagrámos três opções que não vingaram. A primeira é a do concurso internacional obrigatório; a segunda, a da exigência de doutoramento e, pelos menos, cinco anos de experiência no exercício de atividades colaterais; a terceira, a da compatibilização das carreiras dos reguladores com as dos laboratórios de Estado. Nada nasceu e continuamos a assumir as funções core da regulação e supervisão da mesma forma que assumimos as funções de suporte, uma coisa estranha num universo público onde funções semelhantes deveriam observar remunerações e estatutos semelhantes.

Por último, o universo da verificação parlamentar. Os reguladores vão às comissões parlamentares respetivas e isso não concede uma leitura cuidada sobre a qualidade da regulação e sobre a realidade dos problemas que se colocam. O parlamento deveria assumir a existência de uma “comissão-mãe” da regulação, com parlamentares conhecedores do tema, mesmo que as comissões setoriais também tivessem uma palavra a dizer em sede de verificação do exercício.

Como decorre da lei, os reguladores não são todos nomeados ao mesmo tempo e não observam uma hierarquia na sua posição interna em cada uma das máquinas. Seria muito relevante que os governos, perante cada escolha de legislatura, determinassem as cartas de missão de cada um dos reguladores. Nada acontece. A carta de missão de cada governo não se revela numa linha estratégica, antes se confirma no incremento diário de cada necessidade, na resolução individual de cada problema.

O nosso país tem duas linhas assumidas quanto à questão dos reguladores. A esquerda da esquerda é contra a sua existência, porque são os símbolos máximos dos mercados livres. A direita mais à direita assegura, pelos reguladores, os seus interesses, e quando não se importa com os problemas, afirma a autorregulação como base da economia dinâmica. Ora, quanto ao PS intui-se o que já pode ter pensado, mas não se identifica o que pensa hoje. Parece um veículo com problemas de ignição. Mas há um caminho: a regulação deve assumir o interesse público e, para isso, deve ser profundamente sindicada. Falta dar os passos certos para que assim aconteça.

 

Deputado do Partido Socialista