Desde o Curral das Freiras, o que se vê são montes que insistem ser o que sempre foram. Indiferentes ao homem, mesmo quando este lhes fura o bojo para facilitar as viagens. Troncos caídos impossíveis de alcançar, vegetação densa, nevoeiro reduzindo o ambiente às cores essenciais e suas subtis variantes.
Lá em cima, no Paul da Serra, onde a presença humana se reduz pelas mais difíceis condições climatéricas, acentua-se a sensação de que o equilíbrio entre homem e natureza será rapidamente desequilibrado por esta assim que aquele se distraia.
As marcas das inundações de 2010 e do grande incêndio de 2016 são menos visíveis do que se esperaria. Aliás, do episódio de 2010 resultou uma avenida que tomou mais terra ao mar e se estendeu em passeio alargado a convidar às promenades nas temperadas noites do Funchal.
Muita gente fala da Madeira como um queijo furado pela sucessão de vias rápidas que os governos de Alberto João Jardim foram promovendo para encurtar distâncias, numa terra onde, apesar de relativamente pequena, as localidades se separavam por horas devido ao acidentado do terreno, que tornava sinuosas as estradas. Mas foram estas injeções que, não curando a doença da desertificação do norte da ilha, lhe aliviaram alguns dos sintomas.
Ao invés de partidas, fala-se agora de chegadas. Mais de quatro mil emigrantes aportaram nos últimos meses, fugindo à instabilidade na Venezuela, e o governo autónomo prevê a multiplicação da leva em agosto, após o fim do ano letivo.
Com a volta de milhares de emigrantes a pairar como sombra, o executivo já pediu um relatório para aferir do impacto que o fluxo de regressados possa vir a ter na economia madeirense. A taxa de desemprego no primeiro trimestre cifrou–se nos 12,5%, bem acima dos 10,1% da média nacional, e um aumento do caudal de emigrantes redundará em maior pressão na fila dos sem- -trabalho.
O acidentado do terreno – tirando o planalto do Paul da Serra e as pequenas línguas junto à costa, o demais da ilha é uma sucessão de subidas e descidas que obriga ao engenho para encontrar chão plano –, a crise na Venezuela e o regresso dos emigrantes escapam um pouco ao controlo de quem decide. Ao contrário da história do novo Savoy, montanha de betão a soerguer-se imparável no centro do Funchal.
O Savoy demolido já nada tinha a ver com o original, fruto das obras nos anos 60 e dos acrescentos nos anos 70. Ao entregar a alma ao deus dos edifícios já engordara para 13 andares e 337 quartos, e o máximo que se podia dizer da sua arquitetura é que se sustinha.
Este é pior. O projeto aprovado ganhou camadas (leia-se andares, quartos, camas) e transformou-se num elefante no meio da sala do Funchal: 14 andares acima e cinco abaixo da Avenida do Infante, 548 quartos e 1104 camas.
A sua própria existência mudará o turismo local: o aeroporto terá de trabalhar mais e atrair mais voos e mais gente; os preços praticados pelo Savoy terão de ser baixos para encher os quartos e rentabilizar o muito dinheiro investido; os outros hotéis terão de acompanhar a baixa com receio de perder clientes para a concorrência, perdendo rentabilidade e obrigando-se a reduzir pessoal, encaminhando mais uns quantos para o desemprego.
O novo Savoy, por mais empregos que prometa, afeta o ambiente económico, enche de nuvens negras o futuro da indústria hoteleira madeirense, alargando a zona de sombra para lá das construções a montante da avenida.
A Câmara do Funchal, liderada pelo socialista Paulo Cafôfo, atira responsabilidades na alteração do projeto para a Secretaria Regional do Turismo (PSD) e esta, por sua vez, devolve as mesmas acusações à autarquia. Neste vaivém de passa-culpas, o novo Savoy vai sendo construído, alheio à cacofonia de vozes que se multiplicam na antevisão da desgraça.
Pode haver lugares na Madeira que lembrem tempos anteriores à chegada de Gonçalves Zarco, mas definitivamente não será nas imediações do Hotel Savoy, exemplo vivo de que os tempos são mesmo outros.