Joana Amaral Dias aceitou o convite do Nós, Cidadãos! para se candidatar à Câmara de Lisboa e garante que corre por “amor à camisola”. Define-se como “ativista política” e promete uma campanha “criativa” e “surpreendente”.
Anunciou esta semana a candidatura a Lisboa. O que a motivou?
O Nós, Cidadãos! convidou-me para fazer este combate. Foi um convite que me fez sentido porque as principais candidaturas que até agora se apresentaram são, na verdade, pseudocandidaturas.
Revê-se ideologicamente neste partido? Não é um projeto mais conotado com o centro-direita?
Não. É uma coisa extremamente heterogénea que tem como ponto agregador a questão da cidadania, a possibilidade de a vida democrática e política ser mais aberta em vez de serem sempre os mesmos partidos e, basicamente, os mesmos protagonistas.
Embora, em Portugal, os novos projetos não tenham conseguido vingar, ao contrário do que aconteceu noutros países europeus que foram afetados por esta crise.
Não é bem assim. Se olharmos para fenómenos como Rui Moreira na Câmara Municipal do Porto, estamos a ver aí claramente um sintoma de uma versão portuguesa disso de que está a falar. Se olharmos para a eleição do Presidente da República e a forma como ele fez a campanha eleitoral, estamos a olhar para outro sintoma disso mesmo. Acho que essas novas e renovadas formas de fazer política vão vestindo diferentes roupagens e em Portugal também existem. Não são iguais às que existem em Espanha ou na Grécia, mas também existem.
A solução deixou de estar nos partidos tradicionais?
Olhando para estas candidaturas a Lisboa, acho que a solução não está nos partidos tradicionais. Assunção Cristas candidata-se por uma questão de afirmação. A candidatura de Teresa Leal Coelho não é por Lisboa, é para fazer uma perninha a um amigo. A candidatura do Medina é porque o poder lhe caiu no colo e o comboio continua. As restantes candidaturas são da geringonça. Os candidatos [do Bloco de Esquerda e do PCP] escolheram dar um sinal de que não estão interessados em ganhar eleições, estão interessados em apoiar a candidatura de Fernando Medina.
É um apoio indireto?
É evidente. O João Ferreira é deputado europeu. Tem alguma intenção séria de ganhar a câmara? Vai a todas? O sinal que a esquerda dá nesta campanha é que a geringonça está em marcha para a Câmara de Lisboa. Como sou muito crítica da geringonça, gostava que tivéssemos candidatos autónomos e independentes com projetos criativos e próprios para a cidade. Os problemas da cidade de Lisboa estão diagnosticados há décadas e em todas as eleições autárquicas nós ouvimos a mesma ladainha. É o problema da habitação…
O turismo veio agravar alguns desses problemas.
O turismo é uma inevitabilidade, mas esses problemas já existiam e nunca foram resolvidos. O diagnóstico é repetido há anos. Fernando Medina comporta-se como presidente às segundas, quartas e sextas, e às terças, quintas e sábados é o cordeirinho de Deus que, agora sim, ao fim de dois anos e meio, vai resolver os problemas da habitação, dos transportes, do estacionamento…
Vamos por partes. Como se resolve o problema da habitação?
Resolve-se da maneira que toda a gente diz que se resolve, a começar pelo Fernando Medina, mas depois ninguém consegue resolver. A renda média em Lisboa é de 830 euros. Isto não é comportável para nenhuma família. Isto não é compatível com os ordenados médios dos portugueses. É excelente que venha turismo para a cidade, mas nós temos de resolver, agora mais do que nunca, este problema. A câmara tem de criar uma bolsa imobiliária altamente acessível para que as pessoas possam viver em Lisboa. As pessoas estão a ser despejadas em bairros como a Mouraria, Alfama… A câmara tem de acudir a estas situações.
Seriam programas para a classe média?
Sim. Com certeza
Qual seria a renda que a câmara pedia?
Tem de haver rendas a partir dos 150 ou 200 euros.
O problema do trânsito é outro dos que ninguém consegue resolver.
Eu não aceito o ataque que é feito sistematicamente aos automobilistas que são residentes em Lisboa. As pessoas têm o direito de utilizar o carro. Eu, por acaso, sou utilizadora de transportes públicos, mas gostava de perguntar ao Fernando Medina ou à Assunção Cristas se usam o metro ou a Carris. Falam de poleiro. Provavelmente, nunca usaram o metro nem o autocarro na vida e, portanto, demonizam os automobilistas em Lisboa porque não conhecem a realidade.
Utiliza os transportes públicos?
Eu, embora seja utilizadora frequente dos transportes públicos, tenho muitas situações na vida em que sou obrigada a utilizar o carro. Tenho um pai com 70 e tal anos que teve um AVC há cinco e tem dificuldades de mobilidade. Não posso pôr o meu pai no metro. Obviamente, tenho de utilizar o carro. Na minha situação há milhares de pessoas em Lisboa, com dificuldades de mobilidade. Tenho uma filha com 16 meses, não consigo andar com ela no metro. Grande parte das estações de metro não tem elevador para a superfície. Isto é uma obra assim tão dispendiosa? Houve dinheiro para fazer obras entre o Saldanha e o Marquês, obras que podem ser bonitas, mas não são fundamentais. Isto são obras muito simples e pouco dispendiosas que melhorariam imenso a qualidade de vida dos lisboetas.
Não há excesso de carros na cidade?
Há muitos carros porque as pessoas não têm alternativas. Já sabemos que precisamos de parques dissuasores e transportes públicos articulados para que a pessoa chegue à cidade e possa deixar o carro. Podem ser construídos silos verticais. É uma ideia utilizada na maior parte das cidades europeias. O que é feito às fortunas de lucro que faz a EMEL? Porque não é utilizado esse dinheiro para criar soluções para os transportes?
Acha que é excessiva a atuação da EMEL?
É absolutamente excessiva. Os lisboetas sentem-se perseguidos pela EMEL. Os lisboetas têm de ter uma discriminação positiva. Pelo menos nos locais onde trabalham. Tem de haver, pelo menos até que sejam resolvidos os problemas dos transportes públicos, alguma tolerância. Não aceito que a autarquia transforme a vida dos lisboetas num inferno.
Tornou-se mais conhecida quando foi deputada pelo Bloco de Esquerda, entre 2002 e 2005. Como começou a ligação à política?
Desde muito nova, desde os 17 anos, que fiz parte de movimentos e associações cívicas e, quando o Bloco de Esquerda nasceu, eu era dirigente numa associação que operava na zona centro do país e trabalhava com pessoas que tinham sido completamente marginalizadas: sem-abrigo, prostituição de rua, heroinómanos de longo curso… Tínhamos um grande ativismo social. Continuo, aliás, a definir-me como ativista política. Sempre me vi assim e é essa identidade que mantenho.
Conseguiu aplicar essa vontade de intervir nos anos em que foi deputada na Assembleia da República?
É um pouco diferente, mas eu apanhei uma altura de grande ativismo no parlamento, porque foi a guerra no Iraque. O Bloco tinha só três deputados e trabalhávamos imenso.
Mais tarde saiu do Bloco de Esquerda. Desiludiu-se com a política?
Com a política, não estou desiludida. A política é um combate por uma vida melhor. Com a vida partidária, nunca tive grandes ilusões… A verdade é que tudo se complicou quando aceitei o convite de Mário Soares para ser mandatária da Juventude. Nessa altura, o Bloco discordava. Continuo a achar, ainda hoje, que o Bloco devia ter apoiado Mário Soares. O Bloco, indiretamente, veio a dar–me razão, porque cinco anos depois apoiou a candidatura de Manuel Alegre, reconhecendo que tinha de haver alguma convergência. Com essa divisão à esquerda, tivemos de aguentar na Presidência da República dez anos de Cavaco Silva. Tudo se complicou nessa altura, mas eu continuo e continuarei o meu percurso político.
Foi esse caso pontual que levou à rutura com o Bloco?
Houve várias coisas. O Bloco tinha como promessa inicial e como um dos seus objetivos ser um movimento de movimentos, ou seja, integrar estes movimentos de cidadãos. Tinha essa promessa e abandonou-a. Não é por acaso que o Bloco tem uma implantação autárquica muito fraca. O Bloco abandonou a política local, mostrou grande desinteresse pela questão da cidadania ativa e pelos movimentos sociais. Isso desiludiu-me muito, porque acho que fazer esta política tradicional, muito parlamentarista, muito alocada só aos lugares de poder, é curto. É uma coisa com a qual não me identifico muito.
O Bloco perdeu alguma irreverência?
Agora perdeu a irreverência toda, com a geringonça. Já vinha perdendo alguma, na minha perspetiva; agora, com a geringonça, perdeu-a toda. Estou estupefacta com algumas… Eu nunca fui grande adepta da ideia da geringonça, porque é muito importante haver uma boa oposição em democracia.
Uma boa oposição de esquerda?
De esquerda e de direita. Eu já sabia que a direita estava ligada à máquina, em vida artificial, com Pedro Passos Coelho. Como se confirma. Não haver oposição, não haver debate e não haver confronto não é saudável para uma democracia. Tem de haver confronto e, por isso, nunca fui adepta da geringonça
Há muita gente que não era adepta desta aliança e passou a ser.
Eu estou ao contrário. Não era e agora sou menos ainda. Sempre achei que o consenso mata a alternativa e a prova está à vista. Agora sou ainda menos porque se passeiam os Lacerdas Machados da vida e ninguém faz nada. São feitos negócios na banca de levar as mãos à cabeça e ninguém faz nada. Deu-se em Portugal a maior catástrofe da nossa contemporaneidade e não vejo nenhuma exigência enérgica da parte da oposição. Eu não quero uma oposição que faça prova de vida. Quero uma oposição que, com razões fundamentadas e sérias, questione aquilo que tem de questionar, fiscalize aquilo que tem de fiscalizar e apresente alternativas.
Concorda com aquela ideia de que o António Costa meteu o Bloco e o PCP no bolso?
Voltamos ao início da conversa. Olhe para os candidatos à Câmara de Lisboa. Acha que o PCP e o Bloco mostram alguma vontade de fazer real oposição ao Fernando Medina? Nunca fui adepta da geringonça porque sempre achei que o consenso mata a alternativa, e quando vejo uma oposição tão tímida, um escrutínio tão débil e tão frágil sobre tudo o que este governo tem feito, fico ainda mais descontente. António Costa não tem, neste momento, oposição, Fernando Medina não tem oposição, e isso é preocupante, porque uma democracia madura tem de ter debate e discussão.
Falou da tragédia dos incêndios em Pedrógão Grande. Defendeu já que a ministra se devia ter demitido. Porquê?
Sim. As mesmas pessoas que pediram a demissão de todos os ministros da direita por erros que fizeram agora dizem que não se pode pedir a demissão da ministra porque isso seria a maneira melhor de não se discutirem responsabilidades. Não é verdade. A melhor maneira de não se discutirem responsabilidades é aquilo que está a acontecer. É evidente que houve muitos erros. A ministra não foi logo ao local. Já o ano passado, durante a época terrível dos fogos em agosto, a ministra estava de férias no Algarve. Por acaso, estávamos na mesma festa numa das noites em que aconteceu um grande incêndio. Só que eu não era ministra e podia estar na festa, a dra. Constança é que não. Isto para dizer que a ministra devia demitir-se e continuava-se o apuramento das responsabilidades. É evidente que ela não tem capacidade para o ocupar o cargo. Se não se assumem responsabilidades políticas nesta situação, então não se assumem em nada.
O país estava a viver alguma euforia com os bons resultados económicos, mas também no futebol ou na música. Como é que um país pode lidar com esta situação em que num dia está perto da euforia e no outro é confrontado com as suas fragilidades e com uma tragédia brutal como a que aconteceu em Pedrógão Grande?
Isto é o que nós chamamos em clínica o princípio da realidade. Estávamos a viver alguma euforia por coisas boas, desde as nossas vitórias na bola até ao controle do défice, são tudo coisas positivas que me deixam muito contente, mas são tudo coisas da ordem do funcionamento, e não da ordem estrutural. Aquilo que os incêndios demonstram é que, apesar de algumas vitórias, as questões que são de longo prazo e que são estruturais estão por resolver. Continuamos a ser um país desorganizado, um país que abandona as suas gentes e as suas terras, um país cheio de interesses em que a política vive numa teia altamente promíscua com interesses económicos. Foi uma chamada à realidade da forma mais cruel que podia existir, e isso é um embate muito duro. Vamos ver como é que o país reage e isso depende da forma como a classe política vai responder a esta tragédia.
Voltando ao seu percurso político. O PS também a convidou, nos tempos de José Sócrates, para candidata a deputada.
Sim, mas não aceitei. Na altura, achei que era o mais correto. Quanto mais tempo passa, mais eu acho que fiz bem. Foi José Sócrates e a sua equipa que me convidaram para ser deputada, e eu achei que devia recusar. Foi melhor assim. Se eu estivesse preocupada em ser deputada ou com os cargos, já tinha aceite um desses convites e não andava aqui a fazer combates com pequenos partidos. A fazer campanhas sem dinheiro. Eu faço isto por amor à camisola.
Como vai ser esta campanha para a Câmara de Lisboa?
As campanhas que tenho feito são campanhas com um orçamento quase nulo, mas com gente muito empenhada e muito criativa. O “Agir” já fez uma campanha eleitoral assim nas últimas eleições legislativas e esta vai ser igual. Vai ser uma campanha surpreendente. Com o “Agir” tivemos ações como aquela de colocar uma faixa na Assembleia da República com a inscrição “vendido”, a bandeira da Grécia no Castelo de São Jorge. Esta campanha vai ser igualmente animada. Até um pouco mais, porque nós já apurámos alguns métodos de ação.
Nessa altura deu muita polémica a fotografia que tirou para a revista “Cristina”. Houve quem achasse que estava a utilizar o corpo para ganhar votos.
A maternidade é uma coisa natural. Essa história tem um início que vale a pena repor. Eu achei que devia ter a hombridade de dizer aos eleitores que estava grávida. Felizmente, tudo se resolveu e tenho uma filha espetacular mas, inicialmente, a gravidez era de risco e a minha médica pediu-me alguma contenção nas viagens. Achei normal fazer uma conferência de imprensa a dizer: “Estou grávida e, se for eleita, não serei eu a ocupar o cargo”. E fiquei espantadíssima quando as pessoas começaram a dizer que eu estava a instrumentalizar a minha gravidez e a atacar os direitos das mulheres. Diziam: “Se estás grávida, vai para casa. Se é uma gravidez de risco, estás a pôr em risco o teu bebé.” Tenho muita pena, mas não admito que ataquem os direitos das mulheres, e muito menos nas questões da maternidade. E, portanto, aquela capa foi uma capa pensada, provocatória e arriscada. Certamente não era para ganhar votos, porque qualquer pessoa sabe que era arriscada. Era para dizer que a gravidez é uma coisa natural. Portugal continua a ser um país que ataca violentamente as mulheres. E, portanto, acho que fiz muito bem.
Não a surpreendeu a polémica?
Não, claro que não. Sabia muito bem que ia dar polémica. A polémica é reveladora da parte mais conservadora e, curiosamente, até de uma parte muito conservadora da esquerda. Parece que, para alguma esquerda, as mulheres só podem despir-se se for para defender os direitos dos gays. Eu também defendo e estou nessa batalha na primeira linha, mas as mulheres também podem usar o seu corpo para defenderem os direitos da maternidade. Quem se revelou mais com essa capa foi essa esquerda muito conservadora que usa um verniz muito cosmopolita, mas depois, à noite, chega a casa e é do mais chauvinista que se possa conhecer.
O facto de ser uma figura pública cria–lhe alguma dificuldade na sua profissão? As pessoas confundem a psicóloga com a personagem que veem na televisão?
Não há rosa sem espinhos. Tem uma parte boa porque algumas pessoas procuram-me porque me ouviram na televisão e gostaram. Tem uma parte complicada e que é preciso resolver, que é as pessoas projetarem certas coisas. Uma figura pública não deixa de ser um boneco, não deixa de ser uma persona, e é natural que as pessoas projetem nessa persona certas coisas. Isso tem de ser desconstruído e trabalhado nos primeiros contactos com a pessoa. Há um trabalho extra que tem de ser feito. Tenho aprendido a lidar com isso e tem sido uma aprendizagem, porque não há assim tanta gente, tantos profissionais da saúde mental, com essa exposição.
Até que ponto é que esta crise, para além dos problemas económicos, afetou a saúde mental das pessoas?
Trouxe muitos problemas porque o mundo inteiro viveu os primeiros 15 anos do novo milénio de forma completamente maníaca, sempre lá em cima. Aqueles filmes como “O Lobo de Wall Street” mostram bem como as pessoas estavam muito maníacas. Não é por acaso que a cocaína é a droga de eleição do século xxi. É uma droga eufórica. E, portanto, o final dessa crise é uma grande ressaca, uma enorme depressão e a exposição das fragilidades. As coisas maníacas nas sociedades e nas pessoas individuais visam proteger as enormes fragilidades. Se olharmos para o sistema financeiro do século xxi. percebemos que ele estava com enormes fragilidades. Essa fuga em frente escondia as fragilidades. Escondia as fragilidades financeiras e económicas, mas também escondia as nossas fragilidades individuais. E, portanto, quando essa crise estoira e começa a haver esta fase descendente, as pessoas também se revelaram. Deixaram de poder fazer férias no Brasil na Páscoa e na República Dominicana no verão.
Foram obrigadas a abrandar.
Exatamente. Tiveram de abrandar as suas partes maníacas e confrontar-se com os seus insucessos, os falhanços e, muitas delas, com situações muito dramáticas. Aqui no meu consultório apanhámos muitas situações em que as pessoas passaram de contextos muito confortáveis, até quase ociosos, para contextos muito diferentes em que perderam o emprego, as casas… Assistimos aqui a algumas derrocadas pessoais e situações de insolvência. Foi um choque muito violento. As pessoas começam agora a recuperar psicologicamente e a viver com as suas fragilidades. É natural que todos tenhamos tendência a negar as nossas fragilidades e procuremos ativar os nossos mecanismos de sobrevivência e defesa o mais possível. Isso é natural mas, em excesso, tem uma fatura pesada. Foi a que nós andámos todos a pagar ultimamente.