Downburst é a designação de um fenómeno meteorológico que consiste numa massa de ar descendente que chega até ao solo e se espalha de forma radial, causando ventos fortes. Quando toca no chão, essa descarga de ar dispara em todas as direcções. Parece um tornado, mas não é. Terá sido este fenómeno a acelerar a propagação do incêndio em Pedrógão Grande, originando a tragédia da EN 236-1, em que ficaram aprisionadas várias viaturas, causando a morte de 47 das 64 vítimas do terrível incêndio. Não esquecendo as quase 300 descargas eléctricas (trovoada seca), registadas pelos sensores do IPMA, que se abateram sobre a região de Pedrógão Grande entre as 14h30 e as 16 horas do dia 17 de Junho, tendo o alerta de incêndio sido registado às 14h43.
Interessa igualmente referir o downburst como metáfora do comportamento de alguns políticos da oposição e de alguns jornalistas sedentos de sangue, que descobrem motivos (como cogumelos) para condenar o governo pela tragédia de Pedrógão Grande. Trata-se de encher vários baldes com excrementos, subir aos sítios mais altos e atirar de lá de cima esses excrementos ao chão, espalhando–os na direcção do governo e até, inclusive, na direcção do PR. Aliás, um famoso avocat d’affaires com tribuna na TVI já veio explicar ao povo que as “causas naturais” não são imprevisíveis, só as datas em que ocorrem é que o são – a soldadesca de La Palisse não “cantaria” melhor! –, para assim poder torpedear Belém e S. Bento e confortar a sua (dele) interlocutora, Judite de Sousa.
É preciso ter igualmente em conta aquilo que eu designo por “jornalismo político de viés”, que se caracteriza pela mera insinuação nas entrelinhas ou no subtexto, isto é, na mensagem implícita ou subentendida naquilo que um político diz ou que um jornalista escreve. Ora façam-me lá o favor de ler esta bela sequência literária do director de um jornal online muito “observador”:
“Ao longo do dia de ontem (26 de Junho), a polémica esteve toda do lado de Passos Coelho. Ao fim da manhã, o líder do PSD falou em casos de suicídio na sequência do fogo de Pedrógão Grande. Mas rapidamente se percebeu que tinha sido uma precipitação. Pouco depois, o Presidente da Santa Casa da Misericórdia local, também candidato à câmara pelos social-democratas, assumiu ter sido a origem do erro. E Passos acabou o dia a pedir ‘desculpa’ aos portugueses.
“De qualquer forma, o bastonário da Ordem dos Psicólogos está preocupado: há falta de apoio no terreno para casos considerados ‘menos graves’.”
Esta adversativa – “de qualquer forma” – tem muito que se lhe diga. Ao ser invocada a preocupação do bastonário da Ordem dos Psicólogos – “falta de apoio no terreno para casos considerados ‘menos graves’” – abre-se caminho a quem queira especular sobre eventuais suicídios futuros. Ora, nesse caso, a “precipitação” de Passos Coelho passaria a ser a antevisão de um líder político genial que sabe ler o futuro muitíssimo melhor do que as cartomantes da SIC e da TVI. Além disso, também se sugere que o genial político percebeu “rapidamente” que tinha cometido uma grande galegada, pedindo desculpa ao fim do dia, o que é de louvar, já que ele nem sempre reconheceu as inúmeras galegadas (e aldrabices) que tem cometido ao longo do seu percurso político.
O toque a rebate para esta ofensiva foi dado por um fantasma, ao que parece lusitano, que assina Sebastião Pereira num jornal de direita espanhol, o “El Mundo”, e que ninguém neste diário parece saber quem é (!?). Notável, porém, a eficácia do fantasma lusitano, cuja prosa nesse jornal pôs o “Correio da Manhã” a titular “‘El Mundo’ fala em caos e põe Costa em causa” e a Rádio Renascença a anunciar: “Pedrógão Grande. Jornal espanhol diz que ‘gestão desastrosa pode pôr fim a carreira política de Costa”. Eu diria que Sebastião Pereira é o nome do “diabo” pelo qual Passos Coelho tanto ansiava. Um diabo sebastianista que surge do fogo, e não do nevoeiro.
Finalmente, um termo de comparação infeliz, invocado em pleno incêndio pela jornalista Judite de Sousa, ao perguntar à ministra Constança Urbano de Sousa se admitia a hipótese de se demitir, seguindo o exemplo do então ministro Jorge Coelho, que se demitiu quando ruiu a ponte de Entre-os-Rios, por achar que “a culpa não (podia) morrer solteira”. Sucede que Jorge Coelho foi um culpado sem castigo que se pôs imediatamente ao fresco, sem sequer acompanhar António Guterres, então primeiro-ministro, ao local do desastre. Ou seja, nem sequer pôs os pés em Entre-os-Rios. Ao invés da actual ministra da Administração Interna, que esteve vários dias em Pedrógão Grande.
Que se apurem todas as responsabilidades, mas não se condene ninguém sem julgamento. Este downburst político e jornalístico permanente não faz nada bem à saúde da democracia!
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990