A primeira vez que surge referência formal a um serviço de informações, ainda que de cariz estritamente militar, data de 1385, com as invasões castelhanas, quando as informações eram asseguradas por um “serviço de ligações” cuja missão consistia essencialmente na recolha de informações face às manobras da força invasora. Só, bastante mais tarde, em 1852, com a publicação das “Noções Gerais da Guerra”, escritas pelo capitão graduado de Cavalaria e ajudante de ordens do chefe de Estado-Maior do Exército, António da Cunha Salgado, é que se lançaram as bases para a criação de um serviço de informações militares.
Mas é a partir da i República que a formalização de um serviço de informações se opera, quer do ponto de vista da vigilância de elementos sociais perigosos e da repressão de crimes sociais, quer no que diz respeito à vigilância de “estrangeiros indesejáveis” – formalização essa que conheceu múltiplas evoluções e transformações do ponto de vista da sua organização e amplitude de ação. A história mais recente, com a criação da PIDE em 1945 (ainda antes, em 1933, a PVDE) ou, mais tarde, em 1972, com a sua transformação em DGS, ainda que mantendo o seu âmbito de atuação, mostrou-nos o caminho indesejável e, de resto, irrepetível das informações portuguesas – não apenas com a sua dimensão de polícia criminal (característica já presente, em certa medida, desde 1911) como com a sua função de polícia política persecutória do delito de opinião, tipicamente comum a sistemas monopartidários antidemocráticos, como era à época a realidade política portuguesa.
Foram precisos dez anos após a Revolução dos Cravos para se criar, agora num ambiente de direito democrático, um sistema de informações da República com três distintos serviços: o SIS, o SIED (que nunca chegou a formar-se) e o SIM para as informações militares (hoje CISMIL).
O hiato é facilmente explicável e percetível. A grande conturbação política, aliada à experiência de Portugal na existência de polícias políticas, tornou impossível a existência de um sistema de informações que apenas ressurge (ou surge em novas circunstâncias) após a democratização plena do nosso país, depois da revisão constitucional de 1982 e através da lei 30/84, já amplamente revista e alterada. Mais: a confusão entre informações e polícia política era comum. E hoje, para alguns setores, ainda que com menos intensidade, continua a sê-lo. Mas isso é um enorme equívoco e uma indesejável contradição, pois produção de informações não é manutenção de ordem e tranquilidade publica, não é direção do processo penal, não é investigação criminal (embora possa servir-lhe de suporte) e, mais importante, não é perseguição de delito político, de resto incompatível com o Estado de direito democrático.
Se tomarmos como verdadeira a expressão de que “a segurança é a liberdade relativa face às ameaças”, como nos refere John Mroz, então é justo dizer-se que essa liberdade é assegurada pelas informações que se produzem, pela sua avaliação e pela importância que têm no auxílio ao combate ao crime, cada vez mais complexo, organizado e transnacional, e a todas as ameaças que decorrem de uma sociedade altamente globalizada.
Por isso, tão ou mais importante que um sistema de informações é a perceção que se tem dela. Para isso é necessário que se evite a sua governamentalização e se garanta um escrutínio efetivo da sua ação, e que este emane inquestionavelmente de todos aqueles com representação democrática parlamentar. Os mais recentes episódios na nomeação do secretário-geral do SIRP confirmam esta tese. Se a segurança, a este nível, não se discute em público, pelas razões óbvias, este episódio enferma de dois vícios mortais. Nem o primeiro-ministro pode publicamente dizer que pediu informações e esclarecimentos sobre uma eventual atuação passada do nome que propôs para dirigir as informações, nem o líder parlamentar do PS pode usar a fiscalização dos serviços como um joguete político truculento. É o interesse nacional, a posição de Portugal e a nossa segurança que estão em causa. E isso, nos dias que correm, não é um jogo.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira