O barco abana, mas não cai. Passos surgiu com a mesma gravata, a mesma bandeira e o mesmo discurso.
Grécia, reformas, Sócrates, reformas, desconfiança, reformas, saída limpa, reformas, coerência, reformas. O guião não é novo e Pedro Passos Coelho assume-o. “Nós mantemos o rumo. É criminoso enganar o país e dizer que não é preciso fazer reformas”, afirmou, sem grandes hesitações.
A conjuntura já é outra, e ele reconhece-o, mas o problema estrutural mantém-se – e ele não desiste dele.
O clima de confiança existe conjunturalmente, as reformas para beneficiar dele continuadamente é que não.
“Durante 2016, a economia abrandou” devido à desconfiança dos “agentes domésticos e externos pela solução de governo”, analisa Passos, e “não é uma mistificação, basta consultar o INE [Instituto Nacional de Estatística].”Perdemos um ano”, lamenta.
No entanto, o líder da oposição admite que “esse medo dissipou–se”. “É verdade”, reforçou ainda. Os números do crescimento – 2,8% no primeiro trimestre, em termos homólogos – “são boas notícias” e com base nas “exportações líquidas”, e “nada têm a ver com este governo”.
E por que razão a desconfiança interna e externa desapareceram ao fim de mais de um ano de geringonça? Passos tem uma resposta. E não é simpática para os parceiros do governo minoritário liderado por António Costa.
“O receio [doméstico e internacional] desapareceu porque o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda não têm feito nada do que reivindicaram no passado.” Ou seja, o Partido Socialista conseguiu domesticar os parceiros da geringonça. Mas há mais.
“Toda a conversa que faziam contra nós, dizendo que vivíamos obcecados pelo défice e pela dívida”, onde está? “Ao fim de um ano, o governo converteu-se ao que antes motivava a sua repulsa à nossa política”, diz Passos Coelho. O PS que fez oposição à austeridade governa com ela.
“E o PSD é que ficou sem discurso?”, inquire o líder social-
-democrata. “Porque o PS e o governo basicamente adotaram como discurso e como prioridades o que nós antes fazíamos?”
Para Passos, essa é uma “hipocrisia” a denunciar. “Porque é que o nosso ministro das Finanças não contraria essa horrível pressão que o Eurogrupo continua a fazer sobre a Grécia? Não há consistência, é um jogo de faz- -de-conta”, acusa, sugerindo que os socialistas “apanhem um aviãozinho e vão ali a Atenas explicar ao sr. Tsipras” em vez de “irem a Bruxelas discorrer sobre a maravilha da geringonça.”
“Quando estiveram na oposição diziam o contrário do que agora fazem; agora, no governo, querem salvar o que antes criticavam.” E exemplificou com o défice.
Passos atirou mesmo, ontem, a fechar as jornadas do grupo parlamentar do PSD: “A austeridade está lá toda. O Estado não tem dinheiro para gastar. Era o que nós dizíamos, não há milagres. Ou cumprimos as metas ou não respeitamos as metas e é pior.” No que toca a metas, o PS, de facto, cumpriu. Portugal saiu do procedimento por défice excessivo. “Conseguiram um défice de 2,0% por terem um orçamento austeritário”, justificou.
O ex-primeiro-ministro fez mesmo uma comparação com a gestão orçamental dos dois governos no que toca à saúde, tendo visitado uma unidade hospitalar na região onde decorreram as jornadas laranja: o Algarve.
“No tempo em que não havia dinheiro, nós investimos, remodelámos serviços de urgência para não haver macas nos corredores de urgências.” Hoje, viu Passos, “é mais ou menos o que nós fizemos”.
No que diz respeito a reformas concretas, o presidente do PSD insistiu na Segurança Social. “O emprego tem melhorado nos últimos três anos, mas o défice demográfico e a fraqueza para crescer no futuro mantêm o sistema da Segurança Social em desequilíbrio.” É, por isso, necessário “reformar para futuro”, com impacto “estrutural”, para “prevenir e não remediar” – coisa que o acordo do PS com o PCP e o Bloco “impede”.
Passos lembrou o modo como “nós também avisámos em 2009 e 2010”, durante o governo de José Sócrates. Mas quando Manuela Ferreira Leite também bem avisou, bem não lhe correu.