As eleições da França são as eleições da Europa


De todos os países que integram este bloco político e económico, a França foi sempreo mais europeísta e foi aquele que mais projetou a diversidade europeia


Mais do que um escrutínio à política francesa estas eleições, no país baluarte da tripla aliança da liberdade-igualdade-fraternidade, são um escrutínio à Europa enquanto polo político agregador de nações livres. Nunca um país europeu foi tão reflexo das debilidades comuns que vivenciamos no seio da nossa União como também nunca nenhum outro foi tão reflexo das suas virtudes e oportunidades.

Em boa verdade a França foi sempre o catalisador da Europa. É dela que emanam, com a revolução liberal do século XVIII, as primeiras conceções humanistas de reconhecimento de direitos individuais que serviram de base e inspiração a uma certa humanização do Direito, foi dela e do seu empenho que se dá o ponto de viragem histórico nas relações externas contemporâneas, com a assinatura do Tratado de Amizade entre De Gaulle e Adenauer, e que constitui o marco essencial do processo de construção europeia e é através dela que tem, de uma maneira geral e com pouquíssimas exceções, existido um certo equilíbrio na vontade mais dirigista dos destinos da Europa assumidos e tentados pelas potencias europeias de maior força e representação, como a Alemanha ou o abandonante Reino Unido.

De todos os países que integram este bloco político e económico, a França foi sempre o mais europeísta. Foi aquele que mais projetou a diversidade europeia, que mais acentuou a dialética entre as mais diversas liberdades consignadas num espaço político-organizativo comum e foi aquele que mais assumiu e promoveu a multiculturalidade de um povo que se traduziu, com maior ou menor sucesso, nos valores e na organização social que hoje temos e que, apesar de todas as vicissitudes, não abdicamos.

Mas foi também em França que o aprofundamento e a construção europeia sofreram os seus maiores bloqueios. O primeiro logo em 1954 com o chumbo do parlamento francês à Comunidade Europeia de Defesa (CED) no que respeita à criação de uma força militar integrada, financiada por um orçamento comum e dirigida por uma autoridade política supranacional – ideia fundada no Tratado de Paris em 1952 e que resultava da ambição de Churchill e do próprio presidente francês, René Pleven, com o alto patrocínio e incentivo dos Estados Unidos da América com o objetivo de contrapor a influência político-militar da União Soviética – e cuja rejeição constituiu um revés para todos os que defendiam que o projeto de integração devia acentuar a sua componente política. Só mais tarde, precisamente 40 anos mais tarde, com Maastricht é que a Política de Defesa europeia, enquanto área de ação e de integração, voltaria a ser retomada pelos Estados-Membros.

O segundo momento, mais marcante no que respeita à integração e aprofundamento europeu, foi em 2005 com o “não” redondo ao Tratado Constitucional, por via de referendo, que resultava de um entendimento generalizado, e unânime dos chefes de governo da altura embora com sujeição a ratificação, de que o Tratado de Nice havia ficado aquém do propósito de reformar as instituições comunitárias no sentido de uma mais intensa integração e com vista ao grande alargamento de maio de 2004. O projeto de texto constitucional para a Europa resultou da Convenção para o Futuro da Europa presidida, imagine-se, pelo ex-presidente francês Giscard d’Estaing e dela resultavam importantes e consensuais reformas sobretudo ao nível da afirmação da Europa como Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça que, mais tarde em 2007, vieram a afirmar-se no Tratado de Lisboa.

A França, como se constata nestes breves exemplos, esteve sempre no epicentro do nosso futuro enquanto bloco de nações livres, politicamente organizadas e economicamente conexas e estas eleições – cujo resultado não vislumbro à hora que escrevo – não fogem à regra.

Se é verdade que a Europa continua a braços com uma crise económico-financeira de difícil resolução não é menos verdade que se vê ao mesmo tempo confrontada com uma crise de segurança do seu território, mas fundamentalmente do seu modo de organização social e de valores que todos assumimos ao longo da sua construção.

A estas duas diferentes crises não podem ser dissociadas os efeitos psicológicos que ambas incutem na generalidade dos povos europeus e as consequências que esses efeitos podem traduzir no plano do aprofundamento do nosso bloco político. Se, com a raríssima exceção da decisão de saída do Reino Unido – mas que em todo o caso não era membro integrante da união monetária –, a resistência à mudança de paradigma monetário organizativo é ainda uma constante para a generalidade dos cidadãos europeus, fruto, sobretudo, da incerteza que gera a um conjunto de fatores conexos de incidência real na vida de cada um de nós, o mesmo provavelmente já não se afirmará, com absoluta certeza, no que respeita à incapacidade visível de falta de resposta ao crescente problema de insegurança transnacional de que o bloco europeu tem sido alvo.

E neste aspeto a França tem sido o mais dos fustigados nesta questão. Por razões de organização coletiva resultantes dos valores prosseguidos pela União, mas também por um conjunto de políticas internas fracassadas, sobretudo no que respeita a uma certa guetização dos seus centros urbanos onde a integração social não operou como devia. Por isso, as eleições em França serão um teste decisivo à nossa capacidade política enquanto bloco. Porque é do seu resultado, tal como foi sempre na história da União, que o nosso futuro coletivo dependerá. Uma coisa é certa. Nenhum dos candidatos se propõe a manter as coisas tal como estão. Nem mesmo Macron, o mais europeísta dos candidatos. Ao que nos diz respeito, cito Jean Monnet: “Ce qui est important, ce n’est, ni d’être optimiste, ni pessimiste, mais d’être déterminé.” A determinação em realizar a mudança necessária.

 

Escreve à segunda-feira