Catherine L’Ecuyer. “Temos de oferecer alternativas à criança para sair da sua caverna digital”

Catherine L’Ecuyer. “Temos de oferecer alternativas à criança para sair da sua caverna digital”


Mãe de quatro crianças e investigadora, foi ao ver os seus filhos a crescer que a canadiana radicada em Barcelona começou a desenvolver as suas teorias educativas. A sua mais recente obra – “Educar na Curiosidade” (ed.Planeta) – está agora disponível em português


O último texto que escreveu no seu blogue chama-se “Elogio à paternidade imperfeita”. Devemos aceitar a imperfeição?

O principal problema é quando procuramos a perfeição no lugar errado. Por exemplo, quando pretendemos que os nossos filhos sejam génios ou quando pensamos que a educação consiste em bombardeá-los com estímulos externos. A natureza é o ponto de partida da educação. Mas a natureza da criança é diferente da nossa. As crianças têm ritmos internos lentos, têm etapas que nós já passámos, têm uma inocência que há que respeitar, tem uma necessidade de silêncio, uma afinidade com o mistério… E muitas outras coisas. Quando respeitamos a natureza da criança estamos a procurar a sua perfeição. Outra definição de educar seria: ajudar um ser livre a desejar o belo, ensinando-lhe esse horizonte para que tome a decisão de o querer atingir.

Isso revela-se difícil porque, ao crescermos, parece que nos esquecemos de todas as características que nos definiam na infância?

Creio que o motivo principal é porque nos desconectamos com o que necessitam as crianças. E também com o que nós próprios necessitamos. Passamos todos os dias com pressa, num ritmo frenético, temos pouco tempo para a reflexão ou para observarmos as nossas crianças. Estamos mais preocupados do que propriamente a prestar atenção, de uma forma serena. Não fazemos isto com má-fé. Desejamos-lhes o melhor porque os amamos. Mas vivemos um tempo que nos está a apanhar a todos de surpresa. Um tempo com muita tecnologia, muito ruído e muito stress. Um tempo em que pai e mãe trabalham, ao contrário da geração dos nossos pais. Penso que é altura de voltarmos a conectarmo-nos com a sensibilidade maternal e paternal que a natureza nos deu. Para percebermos o que necessitam os nossos filhos.

Por que não o fazemos então?

Porque há algo muito poderoso que se chama a indústria dos conselhos embalados. E que se aproveita – entre aspas – da culpabilidade dos pais para introduzir produtos que nos dizem o que fazer para que os nossos filhos comam, obedeçam, durmam e sejam muito inteligentes para não ficarem em último lugar. Nós, os pais, como andamos sempre com tanta pressa e sentimos tanta culpa, agarramo-nos a essas recomendações. Mas a única coisa que essas recomendações fazem é aumentar o problema porque nos fazem desconectarmo-nos ainda mais da nossa sensibilidade como pais. Temos de filtrar tudo o que nos faz sentir culpados e que não deveria.

Como por exemplo?

Temos simplificar as crianças. Achamos que compensamos o tempo que não estamos com eles comprando-lhes coisas. Quando damos coisas à criança ainda antes de que ela o deseje, ela passa a achar que tudo na vida se tem de comportar assim. A criança passa a achar que tem direito a tudo – até às pessoas. E a verdade é que a maior parte das vezes nos sentimos culpados por coisas sem importância. O sentimento de culpa deve ser encarado com pragmatismo.

Em Portugal discute-se a quantidade de trabalhos para casa que as crianças têm. É a favor ou contra?

Não é a mesma coisa trabalhos de casa na infantil, na primária ou no liceu. Na primeira etapa não faz nenhum sentido que as crianças tenham deveres, porque é uma idade da brincadeira desestruturada e o que as crianças devem fazer é brincar e é a partir da brincadeira que desenvolvem funções necessárias para o futuro rendimento académico. Na etapa da escola primaria podem passar-se alguns deveres mas de uma forma razoável. Depois, no liceu, há estudos que indicam que há uma relação entre os trabalhos de casa e o rendimento académico. Não podemos ter una criança de dez anos a chegar a casa com uma mochila de 20 quilos e trazer três horas de trabalhos de casa. Mais, as crianças chegam a casa às tantas e é preciso jantar, fazer deveres e por isso vão para a cama tardíssimo e dormem menos horas do que seria ideal. E no dia seguinte não funcionam da mesma fora.

Os pais devem fazer os TPC com os filhos?

Creio que não. Os deveres são para consolidar a aprendizagem. Não são para os pais, mas para as crianças. Dar deveres aos pais através dos filhos é a melhor maneira de estragar uma vida familiar.

Como se equilibra a ideia de que se deve promover a curiosidade das crianças com o uso de gadgets?

Não é a mesma coisa. O que defendo é que as crianças se deixem surpreender, que não deem nada como garantido, que vejam as coisas como uma oferta. É isso o “asombro” de que falo e que não tem tradução exata, sendo a mais próxima curiosidade. Quando se está a descobrir a realidade, sente-se esse “asombro”. Mas quando se está em frente a um ecrã está-se fascinado. O locus de control é interno quando alguém se “asombra”, mas externo quando falamos de fascínio. A fascinação é passiva. Mas, atenção, as novas tecnologias são ferramentas estupendas para uma mente preparada que seja capaz de saber o que procura. Uma criança pequena que não sabe isto e quando usa essas ferramentas não desenvolve o seu locus de control interno. A melhor preparação para uma criança estar online é o mundo offline, é desenvolver virtudes como a força, a autoestima, a temperança, o sentido de intimidade… Nada disto se desenvolve online. Hoje em dia as crianças vivem ao contrário: nunca tocaram ou cheiraram uma vaca, mas já a viram nos ecrãs.

Como se contraria isso?

Atrasando o mais possível a idade da introdução das novas tecnologias. Se continuarmos a ceder à pressão das crianças e dos seus pares vamos ter cada vez mais problemas de aprendizagem e défices de realidade. Temos de oferecer alternativas à criança para sair da sua caverna digital.