Numa noite propícia a um passeio, quem circula pelo centro de Cascais não consegue ficar indiferente ao edifício da Casa da Horta da Quinta de Santa Clara, onde funciona a Biblioteca Municipal de Cascais. Há um mês seria apenas mais uma biblioteca, fechada até à manhã do dia seguinte, iluminada por luzes de presença. Hoje, não é bem assim. Cascais tem, desde o dia 15 de fevereiro, duas das suas três bibliotecas abertas ao público até à meia-noite, para serem frequentadas por quem queira trabalhar, estudar ou apenas consultar livros fora de horas comuns.
É que nem todos têm horários que lhes permitam o estudo durante o período diurno. Além disso, há quem não consiga ter o mesmo nível de produtividade quando está a trabalhar dentro de casa.
Foi a pensar em todas estas pessoas que Cascais avançou com a iniciativa, explica ao i o presidente da câmara, Carlos Carreiras. “A demanda já era antiga por parte dos jovens de Cascais. Não havia um local que oferecesse uma atmosfera propícia a um estudo eficiente e com o mínimo de conforto durante o período pós-laboral.”
Segundo o autarca, era comum ver os estudantes espalhados por vários sítios da cidade, até mesmo em estações de serviço e bombas de gasolina, à procura de locais alternativos. Susana, 22 anos, estudante de Educação Básica, assume o problema: estudar em casa não funciona para ela. “É a família, é a televisão, é o excesso de conforto, tudo isto torna muito fácil a distração.”
Carlos Carreiras ouviu várias propostas dos jovens do concelho, que diz serem muito ativos a nível associativo, e acabou por considerar que a ideia apresentada pela Juventude Social Democrata era a mais pertinente. A JSD sugeriu que as bibliotecas municipais pudessem alargar os seus horários, funcionando como locais de estudo e de trabalho. A solução foi fácil de implementar e, passados 15 dias, as reações são positivas.
São 21h30 e a biblioteca está em silêncio. Numa das salas de leitura contam–se cinco pessoas, três num grupo e duas sozinhas.
Sara, arquiteta, residente em Cascais, escolheu um lugar para trabalhar com o seu portátil e confessa-se muito satisfeita com a iniciativa. “No meu caso é uma grande vantagem. O meu horário de trabalho termina às cinco, depois tenho algum trabalho para fazer fora do escritório, e em casa não tenho condições para trabalhar porque preciso de um sítio sossegado. Este lugar oferece-me isso.”
Livros, internet, um local quente e sossegado, bem no centro da cidade: o que mais é preciso para um bom ambiente de trabalho? Para Sara, esta é a receita ideal para conseguir trabalhar – até porque em casa seria facilmente tentada pela televisão ou pelas conversas com a família – e é por isso que, desde que soube desta mudança de horários, tem frequentado a biblioteca durante a noite. Mas não é a única. Duas mesas ao lado está Jorge Rebelo, técnico de áudio de profissão, agora a tirar a licenciatura em Marketing.
Jorge está a consultar um livro da biblioteca para um trabalho. “Para mim isto é ótimo. Durante o dia trabalho e não posso passar por cá, depois tenho as aulas. Estando aberta até à meia-noite dá-me sempre espaço para poder vir procurar bibliografia, já que a biblioteca da minha faculdade fecha às dez horas.” Susana, estudante de Educação Básica, tem as mesmas necessidades e está feliz por já não ter de ficar em Lisboa para poder estudar fora de horas. “Ter um sítio para estudar à noite mesmo perto de casa dá-nos outra qualidade de vida.”
Marcelo Santos, vogal da União de Freguesias de Cascais e do Estoril, onde assume o pelouro da Juventude, diz que esta é uma mudança fundamental, já que, quando era estudante, nunca pôde frequentar a biblioteca por incompatibilidade de horários.
O responsável diz que a reação da juventude está a ser boa, mas esperam muito mais utilizadores quando a novidade for mais conhecida. “A informação está a passar de boca em boca.”
Se para os visitantes não há queixas, para quem trabalha nas bibliotecas, a mudança de horários também foi vista com bons olhos. Carlos Alberto, um dos responsáveis do turno noturno, é perentório: a medida teve uma “recetividade perfeita” por parte dos funcionários.
Além da Biblioteca Municipal de Cascais, mesmo no centro da vila, também a de São Domingos da Rana passou a estar aberta até à meia-noite. Ambas integram a Rede de Bibliotecas Municipais, que em 2016 receberam 195 355 visitantes. Há ainda uma terceira biblioteca mas, como é dedicada ao público infantil, os responsáveis consideraram que não fazia sentido alterar os horários.
Carlos Carreiras diz que estas medidas fazem ainda mais sentido tendo em conta que há planos para abrir duas universidades no concelho no futuro próximo. A Universidade Nova de Lisboa terá um polo de Economia em Cascais e a Universidade Católica pretende abrir um curso de Medicina. O autarca não tem dúvidas: irão atrair “uma grande quantidade de jovens estudantes à cidade, o que exige que o município tenha respostas à altura das suas necessidades”.
Por agora, este é um modelo em estudo e avaliação. O futuro pede a possibilidade de as bibliotecas municipais funcionarem durante 24 horas, e não só como salas de estudo. Além disso, serviços que só estão disponíveis durante o dia, como levantar livros, poderão também vir a ser disponibilizados no período noturno. Carreiras diz que não só a requisição de livros pode vir a ser estendida, mas também a utilização de equipamentos multimédia. Mas para que isso seja possível, é preciso que o desenrolar deste modelo seja positivo.