Não vai dar para variar, não depois da maneira como Paul Verhoeven resolveu abrir a primeira conferência de imprensa de mais uma edição do Festival de Cinema de Berlim. Júri internacional à mesa, aplausos com gente esbaforida a vir das acreditações e bilhetes e sacos e copos térmicos da Nespresso, que descartável já não se usa em lado nenhum. Noites mal dormidas, aviões atrasados ou só Berlim em geral — e ainda não vieram as melhores festas. Mas vamos ao assunto, que isto é trabalho.
Dizia um jornalista a Verhoeven, presidente do júri desta primeira edição pós-Trump-eleito, pós-Brexit-mesmo-aí, pós-mundo-que-compreendíamos, que esta é uma programação “muito política”, mais do que o habitual no festival acolhido por uma cidade que ainda há 30 anos vivia dividida por um muro. E isso dos muros bem sabemos ser assunto mais na ordem do dia do que se queria. Mais ou menos o que diz Dieter Kosslick, diretor do festival, na apresentação das escolhas deste ano: “o espetro que paira não só sobre a Europa”, colapso das grandes utopias e as maravilhas do mundo globalizado e capitalista desmascaradas para acrescentar que “raramente um programa da Berlinale capturou a atualidade política em imagens de forma tão intensa como este ano”.
E vem então o realizador de “Robocop”, “Instinto Fatal” e o mais recente “Elle” que o devolveu às boas graças da crítica dizer que isto afinal é mais cinema. Nada contra se ficasse só assim. Mas não. “Espero que o resto do júri olhe para a qualidade dos filmes e não para a sua mensagem”, completou. Silêncio na sala que só a produtora tunisina Dora Bouchoucha quebrou, ao agarrar no microfone para dizer que o primeiro compromisso da Berlinale é com o cinema, mas também é com o estado do mundo, do qual “não nos podemos alienar”, mais à frente o mexicano Diego Luna sobre fronteiras e liberdade. Haja alguém.