No dia 15 de junho de 1996, eu estava em Wembley. Era incrível o velho Wembley, estádio das lendas, com as suas velhas bancadas de imprensa de madeira, a sala de chá e de cerveja, o cheiro a comida, o movimento lento, quase admirativo de quem entrava pela ponte e erguia o olhar para as inconfundíveis torres. O de agora é fantástico! Mas a diferença não se descreve em três linhas de uma página de jornal.
No dia 15 de junho de 1996, aos 79 minutos do jogo entre Inglaterra e Escócia a contar para a fase de grupos desse Campeonato da Europa, Paul Gascoigne recebeu uma bola de Darren Anderton à entrada da área escocesa. Levantou-a de imediato sobre a cabeça de um atarantado Colin Hendry e foi buscá-la do outro lado com um pontapé de primeira, perfeito como nos filmes, para um golo assombroso. Depois, estendeu-se meio deitado sobre a relva enquanto os companheiros lhe enchiam a boca com o conteúdo das garrafas de plástico de bebidas energéticas. A imprensa inglesa chamou-lhe “cadeira de dentista”. Pouco tempo antes, num estágio feito pela seleção em Hong Kong, Gascoigne fora fotografado numa cadeira de dentista: estava de boca aberta e dois ou três camaradas deitavam-lhe para dentro golfadas de uísque. Gazza era mesmo assim…
Aquele que foi um dos maiores talentos do futebol britânico das últimas décadas foi recentemente apanhado do chão – literalmente! – numa rua de Londres. Tinha uma ferida na cabeça, sangrava profusamente e chorava como uma criança. Completamente bêbado. Vestido como um mendigo. Continuava a bater no fundo.
Abraçado pela desgraça Nessa noite, a polícia foi chamada ao Hotel Ace, em Shoreditch, na parte leste da capital inglesa. Paul Gascoigne envolvera-se numa rixa e fora empurrado por umas escadas. Depois saiu para a rua e perdeu-se, confuso e triste. Foi levado ao hospital e suturado com 11 pontos na testa. Na semana anterior tinha feito a promessa, pública, de não voltar a tocar em álcool – uma promessa que repete de há anos a esta parte.
Se, no verão de 1996, Gazza ainda encantava sobre os relvados ingleses – a Inglaterra seria eliminada na meia-final pela Alemanha, na marcação de grandes penalidades –, dois anos mais tarde submeteu-se à sua primeira terapia, no Priory Hospital. Tinha acabado de beber 32 shots de uísque e ficara em estado catatónico. Nessa altura ainda jogava. Saíra do Rangers, de Glasgow, para o Middlesbrough. Estava com 31 anos. Manteve-se no clube durante dois anos e, em seguida, assinou por mais dois com o Everton. Apesar do vício e de lhe ter sido diagnosticada bipolaridade, conseguia participar entre 30 a 40 jogos por época. Mas o fim estava demasiado próximo. Nas duas épocas que se seguiram passou pelo Burnley (6 jogos), pelo Gansu Tianma, da China (4 jogos) e pelo Boston United, nos Estados Unidos (4 jogos). Arrastava-se. Era um fantasma de si próprio. Durante a sua estadia na América teve de ser internado na Clínica de Cottonwood, no Arizona. Não era capaz de dizer não ao álcool. As suas atitudes eram cada vez mais agressivas e antissociais. Parecia uma personagem de Robert Louis Stevenson: a qualquer momento deixava de ser Dr. Jekyll e passava a ser Mr. Hide. Ou, mais propriamente, deixava de ser Gascoigne e passava a ser Gazza, a figura que, nos seus delírios, culpava pela desgraça em que mergulhara de forma definitiva.
Terrível cadastro De 2008 para cá, a vida de Gazza tem sido infernal. Drogas, tentativas de suicídio, internamentos, conflitos, agressões.
Em 2010 entrou numa espiral de loucura quando quis forçar a entrada na cadeia em que fora encarcerado Raoul Moat, um indivíduo que assassinara a tiro a namorada, o sócio e um polícia. Teimoso, insistia que era muito amigo de Moat e que precisava de lhe entregar uma lata de cerveja, uma galinha, uma cana de pesca e uma camisola do Newcastle United. Acabou também ele preso por conduzir embriagado e sem carta de condução.
As suas curas de reabilitação – de novo nos Estados Unidos – não tiveram sucesso. Em 2013, na estação de caminhos de ferro de Stevenage, agrediu um guarda e provocou uma tal confusão que voltou à cadeia. Daí para cá, vive no arame. Por sete vezes foi internado, mas nunca largou o álcool. Pouco depois do Natal voltou aos calabouços por se ter envolvido noutra tranquibérnia que meteu até insultos racistas. No passado dia 7 de janeiro foi oficialmente anunciado que tinha entrado numa clínica de Southampton. Aos 49 anos, sabe o que é ter monstros à solta dentro dele.