Duarte Lima vai ser julgado em Portugal pelo homicídio de Rosalina

Duarte Lima vai ser julgado em Portugal pelo homicídio de Rosalina


Duarte Lima tentou travar transferência do processo para Portugal, dizendo que um julgamento no Brasil lhe dava mais garantias. MP lembra que isto só acontece porque Lima fugiu e criou obstáculos a um julgamento naquele país


Duarte Lima vai ser julgado em Portugal pelo homicídio de Rosalina Ribeiro. O i teve acesso à mais recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – que surge sete anos depois do crime –, em que se afirma que só um julgamento num tribunal português poderá evitar a impunidade. O processo de transferência está já em curso, com o pedido de um estudo aprofundado sobre este caso, que é inédito no Brasil.

O i sabe ainda que Duarte Lima se opôs desde o primeiro momento a este desfecho, que foi desenhado pelo Ministério Público (MP) daquele país e aceite pelo Tribunal do Rio. O antigo político alegou nos autos que preferia um julgamento em Saquarema porque a justiça do Brasil lhe dá mais garantias que a de Portugal – um discurso contrário ao que a defesa de Lima tinha tido até agora e que passava por uma crítica constante às autoridades brasileiras.

A hipótese de transferir o processo para Portugal foi levantada no início deste ano pela procuradora de Saquarema, quando o tribunal daquela cidade se preparava para marcar a data da primeira sessão de julgamento – isto porque o português já havia sido acusado e pronunciado.

Na proposta do MP era referido que a realização do julgamento em solo brasileiro comprometeria o cumprimento da pena por parte do réu, caso este fosse condenado. Porém, o juiz daquela comarca Ricardo Pinheiro, que tinha o caso em mãos, não concordou com a argumentação e indeferiu a proposta – dizendo que isso trazia dificuldades acrescidas para a produção de prova em julgamento. O magistrado assegurava mesmo que a transferência afetaria “sensivelmente o julgamento”.

A procuradora não aceitou, no entanto, o indeferimento e recorreu para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (2.a instância). Foi este tribunal que, depois de ouvir o MP e a defesa de Domingos Duarte Lima, decidiu agora não haver condições para que o caso continue na justiça brasileira.

MP brasileiro quer evitar impunidade Segundo a fundamentação do MP, a que o i teve acesso, a transferência do processo para Portugal tem o objetivo de evitar que no final haja impunidade e que Duarte Lima não tenha de cumprir a pena em caso de condenação.

“O acusado é cidadão português, o que inviabiliza a concessão de pedido de extradição pelo Brasil, e se encontra em Portugal, onde tem domicílio; o crime foi praticado fora do território português, possui dupla tipicidade e pena superior a 1 (um) ano em ambos os países; o acusado se evadiu do Brasil, sendo impossível assegurar seu retorno ao país, com o qual não possui vínculo. A rigor, não há qualquer contraindicação para o envio do feito para julgamento em Portugal”, refere o MP, explicando: “Ao contrário, a perspetiva de que o delito permaneça impune mostra-se evidente, porquanto nada indica o retorno espontâneo do réu ao Brasil para submeter-se à execução da pena.”

O titular da ação penal refere ainda que o julgamento não poderia ser feito no Brasil e a pena – que resultasse de uma condenação – ser cumprida em Portugal, uma vez que o Brasil não oferece reciprocidade. E essa reciprocidade é condição obrigatória para que Lisboa aceitasse que o ex-deputado do PSD cumprisse em território nacional uma pena “brasileira”.

Outro dos argumentos apresentados é o de que a defesa do réu não pode atacar a transferência do processo com base na inexistência de garantias em Portugal, uma vez que foi o próprio que fugiu do Brasil e criou “obstáculos” a um julgamento naquele país.

Lima diz que Portugal não lhe dá garantias fundamentais O ex-deputado do PSD opôs-se ao julgamento em Portugal, defendendo que o Brasil lhe dá mais garantias, uma vez que julga este tipo de crimes com recurso a um júri popular, e não com um juiz singular. Alega ainda que, além desta diferença – que segundo a sua defesa viola a Constituição brasileira –, a defesa ficará fragilizada com o facto de as testemunhas da acusação estarem no Brasil.

“A defesa sustenta que os sistemas processuais penais de Brasil e Portugal são distintos, podendo naquele país o réu ser julgado por um juiz singular, o que violaria a garantia fundamental insculpida no art.o 5.o, xxxviii, da Constituição da República. Alega ainda que a transferência acarretaria cerceamento de defesa, na medida em que as testemunhas arrogadas pela acusação residem no Brasil”, lê-se no acórdão datado de 22 de novembro, a que o i teve acesso.

A estratégia da defesa para que o julgamento se realizasse em Saquarema passou também pela argumentação de que uma possível condenação naquele país poderia ser executada em Portugal. Mas, também aí, não teve qualquer sucesso.

Decisão do coletivo do Rio de Janeiro O coletivo de juízes considerou que estão reunidas todas as condições legais para a transferência do processo e deu razão ao MP quando este diz que não faz sentido a defesa falar na inexistência de garantias em Portugal – isto porque foi o próprio réu a “evadir-se” do território brasileiro, impossibilitando que o julgamento acontecesse naquele país.

Os desembargadores negam ainda a tese da defesa de que uma pena do Brasil poderia ser aplicada em Portugal: “O tratado pressupõe, além de sentença já transitada em julgado, a custódia do condenado em território nacional para operar-se sua, transferido ao país de origem.” Ou seja, só poderia ser exportada a pena para cumprimento em Portugal se Duarte Lima estivesse no Brasil. Aí poderia vir para o seu país de origem, mas Portugal tinha de aplicar a pena determinada pelo Estado estrangeiro, ainda que adaptada à legislação nacional (no Brasil, a pena máxima para este tipo de casos é de 30 anos, e em Portugal 25).

O coletivo que analisou este caso, os juízes Monica Tolledo de Oliveira, Antonio Carlos Nascimento Amado e Suimei Meira Cavalieri (relatora), teve ainda em conta as preocupações do juiz de primeira instância, Ricardo Pinheiro, sobre o facto de a investigação ter sido conduzida num país e o julgamento e produção de prova acontecerem noutro.

Para salvaguardar que não haja qualquer problema nesta deslocação do processo, os autos foram agora encaminhados para a Secretaria de Cooperação Internacional do Gabinete da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, para que sejam adotadas “providências pertinentes” e a transferência – inédita – seja analisada à exaustão.

O homicídio de Rosalina Rosalina Ribeiro, ex-companheira de Lúcio Feteira, foi assassinada a 7 de dezembro de 2009, a cem quilómetros do Rio de Janeiro. Após suspeitas iniciais que apontavam para Olímpia Feteira (filha do milionário), Duarte Lima passou a ser o principal suspeito do crime. A acusação foi formalmente deduzida em 2011, mas o processo tem sofrido diversos atrasos, sobretudo pelo tempo que demoraram os pedidos de cooperação internacionais.

Em maio do ano passado, o Tribunal de Saquarema considerou que “quanto à autoria, finda a instrução da prova, ouvidas as testemunhas de acusação, restaram evidenciados indícios de autoria e delitiva por parte do réu”.

No despacho de pronúncia podia ler-se ainda: “A materialidade do crime restou demonstrada pelo Auto de Exame Cadavérico, pelo laudo de encontro de cadáver e pelas fotografias de exame de local do crime.”

Como se trata de um crime doloso, a lei daquele país determina que o julgamento tem de ser feito por um conjunto de jurados, o chamado tribunal de júri. Em Portugal, porém, o julgamento deverá ser feito por um juiz singular.

Nestes últimos anos, Lima viu negados no Brasil vários recursos e habeas corpus em várias instâncias, mantendo até hoje duras críticas à investigação e às autoridades judiciárias daquele país.

Outros casos que envolvem Lima Já este ano, em Portugal, enquanto Duarte Lima aguardava resposta (que ainda não chegou) a um recurso da condenação do caso BPN/Homeland, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal acusou-o por outros crimes: abuso de confiança e apropriação indevida de mais de cinco milhões de euros de Rosalina Ribeiro.

Esses cinco milhões são o montante que o MP do Brasil defende ser o móbil do homicídio de Rosalina Ribeiro. E o coletivo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro refere mesmo no acórdão que estas provas, que estão em Portugal, são importantes para o julgamento do assassinato.

Independentemente da transferência do processo que corre do outro lado do Atlântico, outra coisa é também certa: em Portugal, Duarte Lima terá de se sentar no banco dos réus pelos crimes de abuso de confiança e apropriação indevida.