Mickael Carreira. “As decisões mais acertadas da minha vida foram tomadas por instinto”

Mickael Carreira. “As decisões mais acertadas da minha vida foram tomadas por instinto”


Era ainda uma criança quando acompanhava o pai, Tony Carreira, na estrada, entre concertos. Um dia, percebeu que também ele queria estar lá em cima, no palco. Convenceu o pai, que o convidou para cantar consigo no mítico Olympia, em Paris. Uma canção apenas que serviu para perceber que o que queria realmente da vida…


É preciso chegar a uma década de carreira para ter segurança suficiente para confiar no instinto?

(risos) Não, evidentemente que não. Mas acho que, a chegar aos 30 anos de vida – e é mais isto do que os anos de carreira -, tens uma maturidade diferente e acabas por confiar muito mais no instinto. Em tudo na vida, tanto na vida pessoal como na profissional. Mas eu sempre confiei no meu instinto, acho que as decisões mais acertadas da minha vida foram tomadas por instinto.

No caso deste álbum, diz que todos os temas foram primeiras escolhas, escolhas por instinto.

O que é engraçado, e bom, é o facto de, neste disco, ter trabalhado com tantos produtores e durante tanto tempo – foi cerca de um ano, entre sessões em casa, no estúdio, na tournée – e por isso acabei por escrever muitas canções. Tinha uns 50 ou 60 temas reunidos para um álbum que precisava de 12. A questão do instinto foi muito importante para escolher as melhores. Para mim o mais complicado é sempre escolher os nomes dos discos. É uma seca! Neste disco foi óbvio que o título seria este. E é fácil de decorar.

Olhando para este álbum, e pensando na ideia de álbum comemorativo de dez anos de carreira. É assim tão diferente do primeiro trabalho, “Mickael” (2006)?

É. Todos os discos são diferentes. Acho que o principal desafio para qualquer cantor é reinventar-se em cada disco. Principalmente quando estás a comemorar uma data tão importante há que tentar surpreender o público, mas também a mim próprio. Isto acaba por não ser muito fácil, mas foi o que tentei fazer neste disco. Agora, é evidente que o cantor é o mesmo e o género acaba por não ser muito diferente. Acho que seria uma estupidez, passados dez anos, de repente querer cantar outro género.

Mas então onde está a diferença, dentro do mesmo estilo?

Principalmente tem a ver com a sonoridade, com o facto de ter vários géneros neste disco. Tenho músicas mais eletrónicas, coisas mais reggaeton – pela ligação que tenho com o mercado latino acabei por conhecer alguns produtores e apaixonar-me por este género musical – e depois tenho as baladas, que mantenho desde o início da minha carreira. Acho que o público vai ficar surpreendido com este álbum. E ao nível da composição, o facto de ter trabalhado com pessoas diferentes, como o Diogo Piçarra, trouxe também coisas diferentes.

De onde vem o seu fascínio pelo mercado e os ritmos sul-americanos?

Tive uma namorada mexicana… Estou a brincar! O fascínio pela música em espanhol vem de há muitos anos, houve muitos cantores que me influenciaram e acho que aquilo que vamos ouvindo ao logo da vida acaba por influenciar o que vamos fazer depois no nosso trabalho. O Enrique Iglesias foi um cantor que ouvi durante muitos anos, tal como o Alejandro Sanz ou o Alejandro Fernandez. Sempre os ouvi muito, ao longo da vida.

E está a preparar a entrada nesse mercado, não é?

No próximo ano vou lançar um disco em espanhol e é uma nova aventura, é começar do zero, mas agora no México. Ainda agora estive lá duas semanas a fazer promoção e, apesar de ser um artista novo lá, já estou no top 20 das músicas mais tocadas na América latina. Isto é brutal. Sinto uma grande alegria quando oiço falar de uma eventual nomeação, no próximo ano, para os Latin Grammy.

Como será o processo de entrada nesse mercado sul-americano?

Vou tentar dividir-me entre os dois países. Mas a partir de fevereiro, depois do lançamento do álbum em espanhol, vou começar com alguns festivais na América do Sul.

O facto de ter agora começado a trabalhar com a editora Universal faz com que sinta que está definitivamente na primeira liga?

Estou muito contente porque é uma editora que foi sempre uma referência para mim. Mas eu sempre me senti na primeira liga! (risos) Prova disso é que, no ano passado, fiz o meu primeiro concentro na Meo Arena. É um marco poder atuar naquela sala, como nos Coliseus.

Tirando as baladas, as sonoridades que têm marcado a sua carreira, nomeadamente o reggaeton, são pouco tradicionais para um músico português.

Hoje em dia, a música é universal, não há aquela barreira de dizer que temos de cantar isto ou aquilo por causa do nosso país. Basta olhar para a música eletrónica, que hoje em dia tantos artistas de países diferentes cantam. Tem muito a ver com o gosto de cada um, com a música que ouves em casa e ao longo da vida. Isso influencia a música que depois fazemos.

O que o fez tentar a sorte na América do Sul e não em França, que é um país que lhe está no coração, onde nasceu e passou muitos anos da sua vida?

Se calhar faria mais sentido lançar um disco em francês, mas sempre ouvi muita música em espanhol e já tinha, há muito tempo, o desejo de lançar um disco em espanhol. Só nunca tinha surgido o convite. Num país tão pequeno onde há tão poucas oportunidades acaba por ser difícil cantar noutra língua e uma editora apostar nisso. Aconteceu agora e veio no momento certo, em que acabo por ter outra maturidade. As coisas não acontecem por acaso. Quando trabalhas e acreditas no teu valor, as coisas acabam por acontecer.E aquilo que está, neste momento, a acontecer fora de Portugal é prova disso.

O que o fez escolher “Fácil” como primeiro single deste novo álbum?

Foi o instinto (risos). Não houve dúvidas que deveria ser este o single, até porque eu já tinha o conceito para o vídeo muito bem definido. Apetecia-me apresentar um vídeo diferente, em que pudesse gozar comigo próprio e apresentar um Mickael diferente.

Mas quanto de si está naquele nerd que aparece no vídeo?

Durante muitos anos fui o nerd e o patinho feito da escola. E apetecia-me brincar com isso, com aquilo por que tinha passado, e talvez servir de inspiração para outras pessoas que podem estar a passar pelo mesmo. E mostrar que, no fim, o patinho feio fica com a miúda mais gira da festa.

Quando é que percebeu que, sendo esse patinho feio, podia ficar com a miúda mais gira da festa?

Ainda hoje sou o patinho feito e sinto que fiquei com a miúda mais gira, a minha namorada [a apresentadora de televisão Laura Figueiredo]. Brinco muito com isso, e a verdade é que também não foi assim tão dramático. Mas quando vim para Portugal tinha 15 anos e lembro-me perfeitamente que me gozavam muito. Gozavam porque era o franciú acabado de chegar, gozavam com a minha forma de vestir, gozavam por ser o filho de… Foi tudo isso que me inspirou para fazer este tema.

O que recorda da mudança para Portugal, numa idade em que, por si só, já é muito confusa?

O que me lembro mais é de estar sempre a falar com a minha família que queria vir viver para Portugal. A grande culpa, entre aspas, de termos vindo de vez para cá foi minha. Já gostava muito de Portugal. Sempre que vínhamos cá de férias, eu dizia que queria vir para cá viver. Apesar de ter nascido em França e ter lá alguma família e amigos, sentia que a minha vida tinha de ser aqui.

Isso tinha a ver com o facto de sentir que, se viesse para Portugal, estaria mais próximo do seu pai, que na altura já passava mais tempo cá do que em França?

Também. Não só eu, mas toda a família achava que seria melhor estarmos cá todos juntos.

Nessas temporadas em que o seu pai estava em Portugal, e o Mickael estava em França com a sua mãe, acabava a assumir o lugar do homem da casa? Queria tomar conta de tudo?

Não porque sempre tive uma grande mãe, que soube tomar conta de tudo. E o meu pai também passava algum tempo connosco. Acho que comecei a sentir esse lado protetor mais tarde, em relação à minha irmã, que é a princesa lá de casa e eu sou demasiado galinha. Mas em casa sempre fui sempre muito sossegado.

A sua mãe diz que era um anjinho e que o David, o seu irmão mais novo, é que sempre foi mais irrequieto.

Talvez seja um pouco assim. Além disto, não gosto de chatear as pessoas com os meus problemas. Os meus problemas são meus e eu é que tenho de os resolver. Claro que tenho amigos e família, mas evito chateá-los. Sou assim desde miúdo. Mas tive uma infância muito feliz, só que as minhas coisas são as minhas coisas.

Onde viviam em França?

A meia hora de Paris. Em França há portugueses em todo o lado, e naquela zona havia muitos. Tenho recordações muito marcantes desses anos, dos primeiros anos de escola.

Antes de começarmos a entrevista percebi que falava ao telefone em francês. Mantém contacto com os amigos que fez lá?

Era o meu irmão. Entre nós, na família, falamos todos em francês. É o hábito. Claro que também falamos em português, mas aprendemos a falar em francês e é o que nos sai primeiro.

Nesses anos ainda em França, o que sonhava ser?

Astronauta, como muitos miúdos. Depois quis ser advogado. Quis ser muita coisa, mas foi tudo ao lado.

Apesar de querer ser essas coisas todas, quando olhava para o seu pai em palco, isso já mexia consigo?

Quando vinha a Portugal de férias ia sempre passar uns dias com o meu pai na estrada, em tournée. E foi numa dessas alturas que percebi que gostava muito daquele ambiente, de andar na estrada e de sentir a energia do público. Sempre tive uma ligação muito grande à música, ter um músico em casa fez com que estivesse sempre a ouvir música.

O seu pai cantava em casa?

Não, ele não canta em casa. Aliás, é raro falarmos de música. Ainda neste novo disco, eles não ouviram nada ao longo do processo – fazemos questão de separar um pouco as coisas – mas no final perguntei-lhes a opinião porque essa opinião é importante para mim.

Lembra-se do momento em que disse ao seu pai que também gostaria de trabalhar em música ou não houve uma conversa formal? Pediu-lhe ajuda?

Acho que nunca existiu uma conversa oficial. No início comecei a trabalhar em segredo, mas depois lá chegou o momento de dizer que queria ser cantor. Mas não senti a necessidade de ter o aval dos meus pais para ser cantor. Por tudo isto foi tão bom para mim trabalhar com o Enrique [Iglesias] porque acabamos por ter caminhos musicais e familiares muito parecidos.

Ambos sabem o que é lidar com o peso de um apelido. Numa entrevista passada admitiu que nem sempre gostou muito da vida que o seu pai levava. Cresceu com a revolta do miúdo que, como qualquer miúdo, só queria ter o pai ao lado, só que o pai tinha uma carreira que o levava para longe?

Acho que, para qualquer criança, seja qual for a profissão do pai, se o pai está longe de casa, acabas por não entender muito bem. Não diria revolta, mas ficas um pouco magoado. Qualquer criança gosta de ter os pais por perto. Naquela altura custou-me a entender, mas quando comecei a trabalhar nesta profissão percebi que estar longe é normal.

A consciência da ausência do seu pai não pesou quando começou a ponderar trabalhar em música?

Não porque queria mesmo fazer música.

Aos 15 anos, foi o seu pai que o convidou para subir ao palco com ele ou impingiu-se?

Por acaso foi ele. Cantámos um tema dele de que gosto imenso, “O Melhor que Deus me Deu”. Foi um momento muito especial, no Olympia, uma sala muito importante em Paris, que foi um marco para o meu pai. Ter tido a oportunidade de pisar aquele palco com ele foi muito especial. Posso pisar o palco com vários artistas, mas partilhar o palco com a família, com o meu pai ou o meu irmão, é sempre diferente.

Os seus pais reagiram bem à sua decisão de ser cantor?

Ficaram contentes. Claro que esta profissão é um bocadinho incerta, não é a mesma coisa que tirar um curso – apesar de, hoje em dia, isso não querer dizer nada. Mas na música é muito uma questão de sorte.

Na altura estava a estudar?

Tinha terminado o 12.º ano e estava a pensar ir para direito. Mas logo na primeira tournée tive mais de cem datas, por isso tive de parar de estudar. Passava mais tempo na estrada do que em casa.

Acha que ter tanto sucesso logo no primeiro álbum teve mais a ver consigo e com o trabalho que tinha feito ou com o facto de ser filho do Tony Carreira?

Acho que evidentemente que o apelido pode abrir muitas portas e a atenção do público pode ser muito maior, mas na hora de ir comprar um bilhete ou um disco não é o apelido que conta porque aí é dinheiro que sai do bolso das pessoas. O meu primeiro disco ganhou cinco platinas, logo nesse primeiro ano fiz o Coliseu e dei cem concertos. Isto não foi só pelo apelido. Agora, é evidente que a atenção do público acaba por ser muito maior por causa do apelido e tens de trabalhar a dobrar para te afirmares em nome próprio.

Nessa fase deu por si muitas vezes quase numa relação amor – ódio com o seu apelido?

O meu apelido é muito bom.

Mas já contou, no passado, que, nessa fase, chegava aos sítios e não o tratavam pelo nome, mas por “o filho do Tony Carreira”.

Tem a ver com o equilíbrio pessoal e com o ter as coisas muito claras na cabeça. Nunca quis esconder ou negar o meu apelido, tenho muito orgulho em ser Carreira. Fui crescendo e aprendendo a lidar com certas coisas. Hoje em dia, com tanta coisa boa que já me aconteceu – e ainda mais nos dois últimos anos – nem penso nisso. Agora, é evidente que, com 20 anos, estarem sempre a falarem-me do pai era complicado. Mas se não conseguisse lidar com isso, mais valia ir para outra profissão. No entanto, ainda agora quando estive em promoção no México, ninguém sabia de quem eu era filho e eu fiz sempre questão de falar nisso.

Apesar de dizer que, hoje em dia, lida naturalmente com a questão familiar, imagino que muitas vezes o tenham criticado de forma mais dura. 

Já aconteceu. Há comentários menos agradáveis. Mas tento passar à frente. Nesta profissão, como em outras, o caminho não é fácil, mas é preciso ter muita força de vontade para conseguir as coisas e chegar onde queremos. Se tens noção do teu valor, passa à frente. E eu dou valor aquilo que realmente interessa, que é o meu público. E hoje em dia há muita facilidade de comunicarmos com o nosso público, a interação é imediata. As redes sociais vieram trazer muita coisa boa. Mas também muita coisa má.

Sobretudo vieram permitir às pessoas escreverem o que querem escudadas num ecrã. Mas o Mickael não está já habituado aos fãs – ou sobretudo às fãs – dizerem o que querem? Já o pediram em namoro, em casamento, já pediram autógrafos em sítios menos próprios…

Nunca recebi nenhuma proposta dessas… Mas podem fazer! Estou a brincar, estou a brincar! Sou um rapaz tímido e quando me pedem essas coisas, no caso dos autógrafos, dou, mas com jeitinho. Tenho histórias muito engraçadas com fãs.

Como por exemplo?

Chegar a um hotel e, sem saber, ter um grupo de fãs à minha espera. Ou agora, quando cheguei do México, ter um grupo de fãs no aeroporto. Nem sei como souberam que chegava naquele dia.

O reverso da medalha é que deixa de ter vida privada.

Vida há sempre.

Ao ponto de poder ir sair com um grupo de amigos para o Bairro Alto e apanhar uma bebedeira?

No Bairro Alto talvez não, em casa. Até posso sair, ir beber um copo ou jantar, mas saio pouco também porque não tenho tempo. E claro que não passo despercebido. Mas nada disso me impede de fazer a minha vida. Nunca me senti refém da minha carreira. O que me chateia mais não tem a ver com o público, mas com a imprensa.

Se tivermos em conta os últimos dois anos, viu o divórcio dos seus pais discutido ao pormenor na imprensa cor-de-rosa. Isso faz com que situações destas se tornem ainda mais dolorosas?

Sim. Mas há muitas coisas que são pura invenção, e não podes dar importância. Se dás importância afeta-te mais. E acho que o público consegue perceber que muitas das coisas que aparecem não têm fundamento. Mas claro que, muitas vezes, sinto que se cruza a linha do respeito. A separação dos pais acontece a muita gente. E a minha vida familiar é mais importante do que tudo o que possam escrever nas revistas. Por isso não vale a pena alimentar a revolta, até porque isso me faz mal.

Essa revolta não o poderia inspirar para escrever músicas?

Das melhores canções que escrevi foi num momento em que estive mais em baixo emocionalmente, como o “Porque Ainda te Amo”.

Está atualmente na segunda temporada do “The Voice”, na RTP. Gostava de fazer mais televisão?

Sim. Na primeira temporada que fiz do programa, lembro-me perfeitamente de pensar: o que é que eu vim cá fazer? Hoje em dia acho que foi uma das melhores decisões que tomei na vida. É uma equipa e um programa brutal. Sinto-me em casa. E acho brutal para a música portuguesa aparecerem novos talentos. Mas depois tem muito a ver com a capacidade de trabalho de cada um.

A quem pede conselhos quando tem de tomar uma decisão?

Ao instinto (risos).

E alguma vez, nestes dez anos de carreira, o instinto o traiu?

Pode ter falhado uma ou outra vez. Mas nada de muito importante.