Os defeitos das pessoas são fruto da sua própria construção, resultam do que elas são interiormente e daquilo que podem representar aos olhos dos outros. Aquilo a que chamamos defeito, enquanto estigma negativo, só existe porque há uma hierarquia de valores e atitudes comportamentais que todos convencionámos cumprir, civilizadamente, e que estabelece fasquias, linhas de separação que devem balizar condutas pessoais e relacionamentos sociais. A voluntária ou involuntária desatenção perante tal hierarquia, e perante princípios que são tanto mais exigentes quanto mais expectáveis a determinado nível das relações, é um sintoma perigoso e perturbador de fragilidade e ausência de espessura pessoal. Por mais que a aparência e o chamado status social configurem a evidência de uma solidez comportamental adquirida, tal pressuposto não é mais que puro preconceito, não faz parte da realidade vivida. Não há nada mais democrático que o defeito. O chamado pecado pode até perdoar-se, mas o defeito é entranha indomável. No quadro de qualquer relação, quando o defeito emerge, pequeno ou grande, cria sempre choque e desilusão pela quebra vivida de uma expetativa.
A estultícia, a dissimulação, a cobardia, a desconfiança, a insídia são alguns defeitos que nos repugnam quando revelados, por serem na prática aquilo que em definitivo nos separa da condição do outro. É a tal linha vermelha que é pisada por quem tantas vezes nem sequer dá conta de que a pisou. É o desastre silencioso de qualquer relação. Coisa nossa, exclusiva, nunca regulável nem punível por lei. Acima da lei.