Marcelo, o povo e as elites


A conclusão do Presidente de que o povo é melhor do que as suas elites suscitou-me dúvidas. Mobilizar o povo será sempre uma ação louvável, se associada à mobilização para afirmar valores e a identidade nacionais


No seu recente discurso em Paris, no Dia de Portugal e das Comunidades, o Presidente da República elogiou o povo português pela sua grandeza, universalidade e resiliência histórica, concluindo que o povo é melhor que as elites, em particular, as elites políticas. 

Fiquei satisfeito com o apelo de Marcelo aos valores nacionais, num tempo em que as identidades, territoriais ou setoriais, locais ou globais, se complementam. Quanto mais forte é a pertença a uma comunidade específica, como aquela a que o Presidente se dirigia, maior é o sentido de pertença à comunidade nacional, à comunidade dos povos europeus e ao mundo. 

A conclusão de que o povo é melhor do que as elites suscitou-me mais dúvidas. Em democracia, as elites – em particular, as elites políticas – emergem da sociedade e do povo a que pertencem. São o seu reflexo e não a sua vanguarda. Negar isto seria entrar numa rota populista que não acredito que o Presidente da República queira percorrer.

Permito-me, por isso, ler o desafio de Marcelo de outra forma. Dar confiança, qualificação e desígnios de identidade ao povo – ou, se preferirem, à comunidade portuguesa – tornará essa comunidade mais exigente consigo própria, mais capaz e preparada e, em consequência, mais seletiva na escolha de quem a representa. Isso pode melhorar a qualidade da ação das elites políticas, de que o Presidente é, aliás, o símbolo maior.

Tendo o discurso sido proferido em Paris, admito que possa ter sido influenciado pela perceção – que partilho – de que existe uma sub-representação política das comunidades portuguesas nos territórios onde vivem. Ainda recentemente, o presidente do Parlamento da Região de Bruxelas chamou à atenção, num evento em que participei, para a “humildade excessiva” da comunidade portuguesa. Por esse motivo, afirmou, haverá comunidades menos importantes ou menos representativas, com menos peso nos órgãos de decisão regionais e locais.

Quer nas comunidades no exterior, quer no território nacional, o povo português deverá gerar elites com maior visibilidade, ambição e qualidade. As elites políticas serão as mais fáceis de escrutinar. A revisão das leis eleitorais, tantas vezes adiada, é a chave necessária para criar uma maior transparência e proximidade entre eleitos e eleitores. 

Mais difícil é agir com os instrumentos democráticos e numa sociedade aberta sobre a formação das outras elites – em particular das elites financeiras que tantas deceções e problemas têm gerado. É avisado esperar pelo próximo discurso do Presidente para perceber melhor a sua agenda nesta matéria.

Mobilizar o povo será sempre uma ação louvável, sobretudo se associada a uma agenda clara para fazer dessa mobilização um caminho de afirmação dos valores e da identidade nacional no quadro dos espaços geopolíticos e económicos a que pertencemos. A relação entre o povo e as suas elites pode ser, assim, um círculo virtuoso. O círculo que Marcelo deseja, se bem o entendi.
 
Eurodeputado


Marcelo, o povo e as elites


A conclusão do Presidente de que o povo é melhor do que as suas elites suscitou-me dúvidas. Mobilizar o povo será sempre uma ação louvável, se associada à mobilização para afirmar valores e a identidade nacionais


No seu recente discurso em Paris, no Dia de Portugal e das Comunidades, o Presidente da República elogiou o povo português pela sua grandeza, universalidade e resiliência histórica, concluindo que o povo é melhor que as elites, em particular, as elites políticas. 

Fiquei satisfeito com o apelo de Marcelo aos valores nacionais, num tempo em que as identidades, territoriais ou setoriais, locais ou globais, se complementam. Quanto mais forte é a pertença a uma comunidade específica, como aquela a que o Presidente se dirigia, maior é o sentido de pertença à comunidade nacional, à comunidade dos povos europeus e ao mundo. 

A conclusão de que o povo é melhor do que as elites suscitou-me mais dúvidas. Em democracia, as elites – em particular, as elites políticas – emergem da sociedade e do povo a que pertencem. São o seu reflexo e não a sua vanguarda. Negar isto seria entrar numa rota populista que não acredito que o Presidente da República queira percorrer.

Permito-me, por isso, ler o desafio de Marcelo de outra forma. Dar confiança, qualificação e desígnios de identidade ao povo – ou, se preferirem, à comunidade portuguesa – tornará essa comunidade mais exigente consigo própria, mais capaz e preparada e, em consequência, mais seletiva na escolha de quem a representa. Isso pode melhorar a qualidade da ação das elites políticas, de que o Presidente é, aliás, o símbolo maior.

Tendo o discurso sido proferido em Paris, admito que possa ter sido influenciado pela perceção – que partilho – de que existe uma sub-representação política das comunidades portuguesas nos territórios onde vivem. Ainda recentemente, o presidente do Parlamento da Região de Bruxelas chamou à atenção, num evento em que participei, para a “humildade excessiva” da comunidade portuguesa. Por esse motivo, afirmou, haverá comunidades menos importantes ou menos representativas, com menos peso nos órgãos de decisão regionais e locais.

Quer nas comunidades no exterior, quer no território nacional, o povo português deverá gerar elites com maior visibilidade, ambição e qualidade. As elites políticas serão as mais fáceis de escrutinar. A revisão das leis eleitorais, tantas vezes adiada, é a chave necessária para criar uma maior transparência e proximidade entre eleitos e eleitores. 

Mais difícil é agir com os instrumentos democráticos e numa sociedade aberta sobre a formação das outras elites – em particular das elites financeiras que tantas deceções e problemas têm gerado. É avisado esperar pelo próximo discurso do Presidente para perceber melhor a sua agenda nesta matéria.

Mobilizar o povo será sempre uma ação louvável, sobretudo se associada a uma agenda clara para fazer dessa mobilização um caminho de afirmação dos valores e da identidade nacional no quadro dos espaços geopolíticos e económicos a que pertencemos. A relação entre o povo e as suas elites pode ser, assim, um círculo virtuoso. O círculo que Marcelo deseja, se bem o entendi.
 
Eurodeputado