O génio Mário Centeno tem razão por uma vez. A Caixa Geral de Depósitos vai funcionar a partir de agora como um banco privado, com as vantagens e inconvenientes que essa opção acarreta para o acionista Estado, para os depositantes e para os clientes do banco. A CGD precisa de capital – fala-se em quatro mil milhões de euros – e o único acionista tem todo o direito de tratar do assunto. Pode fazê-lo de várias maneiras, mas todas as opções serão pagas pelos contribuintes portugueses, verdadeiros acionistas da CGD. O aumento de capital pode agravar a dívida pública ou o défice, uma questão técnica que o governo da geringonça anda a dirimir com a Comissão Europeia e com o Banco Central Europeu. Resolvida a questão, a verdade é que a Caixa Geral de Depósitos vai passar a ser gerida como um banco privado. A administração terá 19 membros, personalidades impolutas de alto gabarito, com salários à medida das suas responsabilidades, sem as limitações impostas aos gestores públicos. E, claro, o banco terá de apresentar lucros e pagar dividendos ao acionista Estado, quer dizer, aos contribuintes portugueses. Dito isto, não se percebe muito bem o que impede o Estado de sair da CGD e vender a sua posição a um investidor privado estrangeiro ou a vários investidores numa operação em bolsa. Dirão alguns que é por mero preconceito ideológico. O Estado sair da CGD seria um crime dificilmente perdoado pela esquerda radical que apoia o governo da geringonça e que todos os dias defende a nacionalização da banca. Dirão outros que a CGD é um pilar do sistema financeiro que o Estado e só o Estado consegue gerir de forma séria e sensata.
Chegados aqui, interessa então perguntar aos muitos e diversificados defensores de uma CGD pública o que andaram a fazer os sucessivos governos e gestores do Estado nos últimos anos. De 2011 a 2015, a CGD acumulou prejuízos de dois mil milhões de euros, tem oito mil milhões de créditos em risco, não pagou ao Estado os empréstimos concedidos em 2012 e precisa de um aumento de capital de quatro mil milhões de euros. Esta realidade sinistra não é muito diferente do que se passou no BPN, BPP, BES, Banif e também no BCP de Jardim Gonçalves. A justiça portuguesa e o Banco de Portugal condenaram os gestores privados do BPN, do BPP, do BES e do BCP e os deputados da nação promoveram comissões de inquérito ao BPN, BES e Banif. Agora que estão em causa um banco público, governos e gestores do Estado, assiste–se a uma verdadeira lei do silêncio, uma omertà que envolve órgãos de soberania, partidos políticos e, claro, muitos empresários portugueses. Agora que os contribuintes e acionistas do banco público vão pagar uma fatura superior à que o Estado pagou pelo BPN e Banif, o silêncio é total da esquerda à direita.
As esganiçadas do Bloco de Esquerda e os dinossauros do PCP, que tanta fama ganharam nas comissões de inquérito aos crimes cometidos no BPN, BES e Banif, andam com a viola no saco, a falar muito baixinho sobre um dos maiores escândalos do chamado Portugal de Abril. É verdade que não se esperava outra atitude do centrão político e da sua imensa clientela empresarial. PS, PSD e CDS cortavam as veias se uma comissão de inquérito revelasse os créditos em risco da CGD desde a entrada no euro e o nome dos beneficiários. Os donos do Portugal de Abril cortavam as veias se os contribuintes, o tal povo que Marcelo tanto enalteceu no 10 de Junho, viessem a descobrir as fortunas que se fizeram com o seu dinheiro, os roubos praticados com amplo consenso democrático e as empresas que andaram a fazer figura de gente rica à conta de milhões e milhões que saíram dos cofres da CGD, de forma corrupta, para partidos e políticos impolutos da praça.
Perante esta enorme lixeira pública, há quem diga, como a jornalista Ana Sá Lopes, que o BE e o PCP estão silenciosamente a virar à direita. Puro engano. Bloquistas e comunistas têm simplesmente muito medo de uma comissão de inquérito à CGD. Têm muito medo que o mito da gestão pública, nomeadamente na banca, ruísse como um castelo de cartas, e os contribuintes, de uma vez por todas, rejeitassem quem defende o Estado na economia, nas empresas e na banca. Bloquistas e comunistas vão andar a falar muito baixinho e com a viola no saco com medo da verdade. Bloquistas e comunistas preferem a mentira e a lixeira em que se transformou a Caixa Geral de Depósitos.
A Caixinha, agora com 19 personalidades impolutas a geri-la, vai guardar nos seus cofres o lixo, os crimes e os cadáveres. A união nacional em torno da CGD é a omertà mafiosa. A união nacional em torno da Caixinha é pura e simplesmente criminosa.