Nesta aparente aventura de reconstrução do tecido partidário, iniciada logo na noite de rescaldo das pretéritas eleições legislativas, o passado fim-de-semana encontrou o cume da primeira colina. António Costa e a sua equipa de fiéis elaboraram um plano eficiente de convicções e celebrações, capaz de abafar qualquer arremedo de oposição interna e relativizar qualquer proposta alternativa. Por ora, o congresso do PS – e a parafernália de “interesse nacional” que foi montado à sua volta – fechou o primeiro ciclo do projecto de Costa.
Anunciada e desvalorizada pelos desatentos no congresso anterior, a essência do projecto foi verbalizada por um dos colaboradores ideólogos e candidato a uma futura sucessão do líder: “se a geringonça correr bem, o PS nunca mais dependerá da direita para governar”. Se o partido do “socialismo democrático” ao início estranhou, o congresso provou que a fusão mitigada se entranhou. No meio dos assobios reservados para a etiqueta do ressabiamento, o clima foi de festa e felicidade por um negócio tão proveitoso. O do poder, claro. Digo que a colina encontrou o seu cume porque o projecto tinha claramente duas feições: a externa e a interna. Uma está imbrincada na outra.
Convencer o eleitorado sociologicamente leal ao PS de que a melhor solução não era viabilizar um governo PSD/CDS, mesmo que com entorse dos consensos obtidos durante anos de governação dos três partidos, não seria à partida fácil e imediato. Como muito desse eleitorado (a começar pelo funcionalismo público, ou seja, a força de trabalho do Estado falido) foi massacrado pela governação de Passos e Portas, a frente externa teve como móbil o princípio da reversão, instrumento de mobilização da fórmula “virar a página da austeridade”, e um pouco de conflitualidade com a Europa.
Na precipitação desse princípio e dessa atitude esteve quase tudo da construção das pontes de confiança mútua do PS governo com os partidos à sua esquerda. Está praticamente tudo feito ou a fazer-se, quase sempre em paz social e submissão às corporações. Logo, com êxito, ainda que oficialmente a título de excepção ditada pelos novos tempos e sem se ter a certeza das consequências no futuro. É um risco, mas valeu necessariamente a pena. Mesmo que se intua que nem sempre o PS pode deixar de cumprir outras “ordens”, dando a sensação de “gestão corrente” à espera de dispensar essas “ordens”. Mesmo que se saiba que o BE e o PC aguardam que o PS mude, aqui e na Europa, aspirando a ocupar algum do seu lugar tradicional. Mesmo que se tenha que ter ao lado os desafiadores do PSD, com o fito no desgaste de Passos em detrimento da opção de fundo.
Por seu turno, a feição interna implica – como sempre – o princípio da “distribuição” das funções e das benfeitorias. Sem isso, não temos partidos coesos na governação. O partido está confiante e unido, o que ajuda sem mais ao crescimento estimulador das sondagens. Contra a corrente forte que vai sem dó até à foz, ver Francisco Assis, acossado no palco, atónito com os apupos sectários, equiparado a líder de partido de oposição, remetido para a categoria dos “inteligentes” sem futuro, é algo de contraditório num partido que – tal como todos os outros – não tem assim tantos que possam ser líderes para o país. Digamos que é um desperdício. Mas o partido está conquistado até à grande mobilização das municipais, o próximo grande prémio de montanha desta corrida.
Agora falta o mais difícil. Comprovar à séria se a austeridade está suspensa ou caducou.
Professor de Direito da Universidadede Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira