Como vimos aqui neste espaço há algumas semanas, em Ética, Conduta, Integridade e Integração e Coesão Social (crónica de 16 de março), as questões da Ética e dos Valores partilhados e vivenciados em grupo são fatores centrais, de importância determinante, para a manutenção da estabilidade e da coesão do próprio grupo. São uma espécie de cimento que enquadra e contextualiza as relações interpessoais que os membros do grupo vão estabelecendo permanentemente entre si.
Por outro lado, a agregação dos indivíduos e a estabilização dos grupos humanos é um processo que decorre da necessidade de alcançar interesses e propósitos de todos. O alcance desses propósitos torna-se mais fácil se resultar do esforço e do envolvimento de todos. O todo é mais forte do que de cada uma das partes isoladamente!
A procura e a manutenção da segurança, a produção e distribuição de alimentos ou a defesa face a ameaças externas, são alguns exemplos muitos simples e ancestrais que permitem perceber que em grupo tem sido mais fácil procurar soluções que aumentem os índices de proteção de cada indivíduo, particularmente daqueles que são mais frágeis, que se encontram mais debilitados ou mais desprotegidos, dos juvenis e também dos mais idosos.
Toda a evolução das sociedades humanas até aos nossos dias tem sido um complexificar de um conjunto básico de interesses coletivos. Um processo que tem permitido incrementar de modo exponencial os padrões e os índices médios de qualidade de vida dos sujeitos, das populações e das sociedades.
A partir de um certo patamar de desenvolvimento social e cultural acabou por se revelar necessária a criação de uma espécie de entidade suprema, por todos reconhecida, com a função de assegurar a salvaguarda desse conjunto de interesses coletivos. Se num primeiro momento esta função foi assegurada pelas religiões, ela acabou por se transferir gradualmente para o Estado. O Estado é, por assim dizer, e para lá de outras funções de grande importância que lhe são reconhecidas, o guardião dos interesses coletivos de uma sociedade, incluindo naturalmente as questões da Ética e da salvaguarda dos Valores socialmente estabelecidos.
E a Gestão Pública é, neste contexto, o mecanismo que as sociedades encontraram para assegurar a manutenção e o aprofundamento das funções do Estado. Através de processos políticos mais ou menos complexos, as sociedades encontram formas de seleccionar (por escolha, no caso dos modelos de base democrática, ou por imposição forçada, para os regimes de recorte mais totalitário e extremista) as lideranças de governação dos destinos do Estado. E as estruturas da denominada Administração Pública operacionalizam os caminhos delineados pelos Governos. O Governo estabelece as Políticas Públicas que considera mais adequadas para a gestão do Estado e dos interesses coletivos (o interesse geral, também conhecido por interesse público) e os organismos da Administração Pública operacionalizam essas políticas, ou seja levam-nas até aos cidadãos.
Deste ponto de vista é bom de ver que toda a mecânica da Gestão Pública só adquire sentido e se torna potencialmente coerente e eficaz se ela própria garantir os pressupostos da Ética e traduzir os Valores que se querem salvaguardar. De outro modo seria um contributo muito forte para a desagregação de todo o modelo. Por isso se percebe e aceita que qualquer ação ou decisão tomada pelos membros do Governo ou pelos funcionários dos organismos da Administração Pública, que contrarie os pressupostos da Ética e os Valores, se considere socialmente muito censurável. Se considere um problema de corrupção.
A previsão na letra da lei penal de um conjunto de crimes contra o Estado passíveis de ser praticados por detentores de cargos políticos, de altos cargos públicos, de gestores públicos e de funcionários dos serviços da Administração Pública é afinal de contas uma forma de reconhecimento da importância da necessidade de a Gestão Pública salvaguardar e reforçar a Ética, traduzir os Valores socialmente partilhados e, através deles, de assegurar a prossecução do interesse geral.