Diogo Feio foi dos primeiros dirigentes centristas a declarar apoio à candidatura de Assunção Cristas à sucessão de Paulo Portas. Politicamente sente-se cada vez mais ao centro e defende também que esse seja o futuro do CDS: um partido com propostas para resolver os problemas das pessoas que “por norma se resolvem ao centro”. Diogo Feio nunca quer assumir, mas parece que acha que Assunção Cristas pode vir a funcionar em Portugal como Albert Rivera do “Ciudadanos” em Espanha. Ao contrário de muitos militantes do centro-direita, pede agora estabilidade governativa e acha que se o próximo Presidente chegasse a Belém e provocasse a queda do governo Costa faria um favor ao PS. A direita está muito pior organizada do que a esquerda para os novos tempos e o novo projeto do CDS também precisa de tempo. Acha que o CDS tem agora uma “vantagem competitiva” sobre o PSD. Não percebe que propostas tem agora o PSD para o futuro do país.
Estava à espera que Paulo Portas saísse da liderança assim de repente?
Depois das eleições de 4 de outubro tive os sinais de que isso podia acontecer. Por motivos pessoais, por motivos da própria participação política. Ele não queria eternizar-se como presidente do partido.
Mas Paulo Portas dava sinais em conversas pessoais?
Ia dando sinais em conversas de que isso poderia suceder. Houve uma grande alteração da vida política depois de 4 de outubro. [Paulo Portas] sempre viu com muita dificuldade que quem foi um interveniente político com uma postura muito vincada antes de 4 de outubro o pudesse continuar a ser depois de 4 de outubro e depois de tudo o que aconteceu. Com certeza que havia da parte das pessoas que o acompanhavam de mais de perto – e eu era um deles – esta ideia no subconsciente. Mas foi preciso ser confirmada pelo próprio.
Ainda há quem esteja ainda um bocadinho em estado de choque no CDS…
É natural. Uma liderança que teve 16 anos no seu total – mas é preciso recordar que a primeira vez que Paulo Portas foi eleito presidente do CDS foi há quase 18 anos. Nas próximas eleições votam pela primeira vez eleitores que sempre conheceram o CDS com Paulo Portas na liderança. E se isso marca muito as pessoas, com certeza marca muito mais quem com ele trabalhou mais de perto. Fizemos muitas coisas juntos. Não me esquecemos de alturas difíceis que passámos e foram várias, quando muita gente não acreditava.
… quando tiveram que ir para as feiras…
Quando havia muitos que achavam que era Paulo Portas que dificultava a vida à direita em Portugal e nós achávamos que não. Houve momentos muito, muito complicados e que, felizmente, foram sendo ultrapassados e com Paulo Portas o partido muda de natureza.
Deixa de ser tão conservador em termos de costumes?
Para além disso, passa a ser um partido diferente, um partido focado na possibilidade do exercício do poder. A primeira vez que, com Paulo Portas, o CDS exerceu lugares de governo já não o fazia, salvo erro, há aproximadamente 18 anos. É quase como aqueles clubes de futebol que passam muito tempo sem ganhar títulos e depois quando ganham é uma grande alegria. Esteve no governo, voltou para a oposição e depois voltou ao exercício do poder. Isto hoje é intuído pelo próprio partido. O CDS é hoje, graças a Paulo Portas, um partido de governo. E em Portugal só tivemos três partidos que o exerceram. E, por outro lado, o CDS é um partido que fez um caminho da direita para o centro-direita. E isso deve-se muito também a Paulo Portas e à posição mais europeia do partido.
Foi Paulo Portas a fazer esse “aggiornamento”…
Logo na moção que apresentou ao congresso de Braga. É preciso que se diga para que não haja questões de memória histórica que não estejam a funcionar tão bem.
Mas todos sabemos que, antes, Manuel Monteiro e Paulo Portas estavam juntos no antieuropeísmo.
Quando Paulo Portas assumiu o lugar de presidente fez todo este caminho que, aliás, a mim me agradou bastante, de maior moderação nas posições que o partido foi tomando, sem deixar de ter uma lógica de, entre aspas, “nichos eleitorais”. Eles existiram na presidência de Paulo Portas. Mas é curioso que é Paulo Portas que prepara o partido para deixar de ser um partido de “nichos eleitorais” que é precisamente a condição em que está neste momento.
O CDS já não é o partido dos pensionistas, dos idosos, dos que estão contra o “rendimento mínimo”, o partido da lavoura?
É também o partido disso tudo mas pode ser – e eu acredito que virá a ser – bastante mais. Há exemplos pela Europa fora, por exemplo em Espanha, daquilo que poderá ser o CDS no futuro. E tem a ver com a realidade política que se criou. Depois de 4 de Outubro, o partido que não ganhou as eleições consegue formar uma maioria e apresentá-la no parlamento. Isso gera que em próximas eleições a preocupação de qualquer eleitor não será a de quem fica em primeiro lugar, mas a de quem irá formar uma maioria. Por outras palavras, o efeito do voto útil, se não termina, fica completamente esbatido. Isto é uma oportunidade única para o CDS.
O “efeito gerigonça” pode vir a ser favorável ao CDS?
Hoje é perfeitamente possível ao CDS ter um discurso que vai da direita ao centro-direita e ao centro. Isto é uma oportunidade única que até digo que, no plano subjectivo, me agrada bastante, porque estou cada vez mais de centro. Hoje o CDS é um partido que não tem que estar obrigatoriamente visto pelos eleitores como o partido que não chega lá.
O Diogo está a dizer que está cada vez mais de centro porquê?
Não sei se é do passar dos anos. Mas é a necessidade que vou sentindo – não é que alguma vez eu tenha sido um radical de direita – mas pela necessidade que cada vez mais vou sentindo que a política se faça pura e simplesmente a resolver os problemas das pessoas. E os problemas das pessoas resolvem-se ao centro, não se resolvem com marcações ideológicas muito marcadas. Eu acredito firmemente nisso. E acredito que o CDS pode ser o partido das pessoas que querem resolver os problemas que têm com a educação dos seus filhos, com o funcionamento da saúde, os problemas que sentem na economia porque não conseguem investir. Tudo isto são problemas que tocam o dia-a-dia das pessoas e é isso que o CDS tem que fazer. Apresentar um conjunto de propostas concretas que facilitem a vida das pessoas. Depois de 4 de Outubro é natural que se tenha passado por uma fase de grande crispação, mas que agora tem que definitivamente terminar. As pessoas não pedem crispação, mas precisamente o contrário: pedem moderação. E onde está a tal moderação? Precisamente no centro.
O PSD parece que ainda está em crispação…
Mas essa é uma vantagem competitiva do CDS, que pode vir a adaptar-se às novas circunstâncias de uma forma muito mais ágil e flexível do que está a acontecer com o PSD. Sendo o CDS um partido que tem um discurso que vai da direita até ao centro, será concorrencial com o Partido Socialista e com o PSD.
Por que é que Assunção Cristas é, na sua opinião, a mulher certa para esta fase?
Desde logo há a questão da vontade. Não vale a pena ser líder de um partido se a vontade estiver a metade ou a dois terços. Assunção demonstrou que tinha uma vontade plena de ser líder do seu partido. Junte a isso uma ideia de normalidade que também é importante que os políticos tenham e não sejam uma espécie de bichos que as pessoas vêem de vez em quando na televisão e que são diferentes de todos os outros. Assunção tem uma vida familiar, é uma cidadã comum nesse sentido que pode exercer bem as questões da liderança. E no plano político, e hoje nada disso é irrelevante, domina por completo as novas formas de comunicação como as redes sociais e tem a capacidade de através disso ouvir as pessoas e as suas ideias. Assunção Cristas tem a experiência política necessária e tem toda a capacidade de fazer um discurso simples para os novos tempos.
E acha que ela também é de centro?
Radical não é de certeza. Radical não será, garantidamente. A questão do centro tem a ver com o seguinte: ao fazer uma reflexão sobre todas as coisas que têm acontecido em Portugal no plano do discurso político sobre determinadas matérias de natureza económica e financeira e de relação com o Estado social, sinto-me ultrapassado à direita pelo que dizem algumas pessoas do PSD.
Por exemplo?
A forma como o ministro Vítor Gaspar se referia aos apoios sociais às pessoas ou à disciplina financeira como um fim em si mesmo… Eu tenho uma posição mais moderada e muitas vezes me senti ultrapassado nesse plano. Eu não nego que exista um espaço natural do PSD e do CDS. Mas haverá uma concorrência dentro desse espaço natural e uma concorrência desse espaço com outro, onde está o Partido Socialista e vamos perceber melhor no futuro se estará o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda.
Acha, então, que o PSD está a demorar mais tempo a sair do luto do que o CDS e o CDS tem aqui uma vantagem?
Não quero pessoalizar, até porque Pedro Passos Coelho foi o primeiro-ministro do governo que o CDS integrava e apoiou durante quatro anos. O que eu não consigo perceber é qual o posicionamento do PSD perante estes novos factos e qual a proposta política que vai, perante isso, apresentar aos portugueses. Acho que o CDS está mais próximo desse momento do que o PSD. A nossa grande preocupação enquanto CDS será apresentar críticas e propostas alternativas àquilo que está a fazer o Governo. Hoje as pessoas não estão tão preocupadas com as picardias parlamentares que ouvem, estão mais interessadas em que se seja construtivo em relação àquilo que está a suceder. As pessoas entendem as críticas que se fazem ao ministro da Educação, mas também estão interessadas em saber o que os outros partidos querem em relação à avaliação dos alunos, à exigência que se deve ter nas escolas, em relação aos programas. Isto não vai tudo do fazer e desfazer e isso também é um drama que a nossa política tem. Também há a questão da estabilidade fiscal. Não se pode estar constantemente a fazer reformas e depois contra-reformas e a política portuguesa tem que perceber isso rapidamente. É nesse sentido que defendo que deveria existir um acordo de oposição, que fosse genérico, em relação ao Partido Socialista e, quando necessário, acordos de regime em relação a algumas matérias. A Segurança Social não se resolve sem um acordo de regime.
Paulo Portas disse que Nuno Melo demonstrou “generosidade que é um valor importante em política”. Concorda, discorda?
Acho que o Nuno Melo é um activo importantíssimo para o partido, que um partido que quer ser o que eu estou a desenhar nesta nossa conversa não pode de todo desperdiçar. E Nuno Melo demonstrou durante todo este procedimento algo que eu acho muito importante. Quando chegou a uma decisão, disse-a e deixou o caminho aberto para que o próprio partido não estivesse com orfandades. Nuno Melo foi claro. Admiro essa clareza e admiro também a possibilidade do partido, com a Assunção, com o Nuno, ser um partido com um potencial de crescimento muito grande.
Então o CDS estará completamente unido nesta nova fase?
Pela parte do Nuno, pela parte da Assunção, há uma vontade muito grande que isso seja assim. Haverá unidade no congresso, isso parece-me mais do que evidente. E é um bom sinal da maturidade que o partido tem. Durante a anterior presidência dizia-se muito que o CDS era um partido de um homem só… Era um partido referido como de um homem só mas teve vários líderes parlamentares diferentes, vários governantes, vários deputados que se destacaram. Hoje tem mais autarcas. E aqueles que exercem as principais funções na direcção do partido têm dado em todo este processo um bom exemplo ao país. Não há muitas afirmações bombásticas do tipo “era bom era que fosse outro candidato”. Bem pelo contrário: houve discrição. Uma questão que se poderia pôr no horizonte do partido aparentemente não se vai colocar. As disputas são muitas vezes disputas fratricidas. Eu sempre fui defensor de que houvesse uma solução que pudesse abarcar toda a gente. Parece-me mais razoável que em vez de se caminhar para uma luta fratricida entre delfins variados que se tenha chegado ao ponto em que o CDS está.
Mas havia um carisma em Paulo Portas e uma capacidade política que toda a gente reconhece. Assunção terá essa capacidade?
Se pensarmos nos 40 anos de democracia, Paulo Portas está seguramente entre os mais carismáticos líderes da direita e do centro-direita em Portugal. Não há qualquer espécie de dúvida. Não é com certeza uma tarefa fácil ser líder depois de Paulo Portas. Mas também não deixa de ser curioso que o próprio Paulo Portas criou as condições para que a liderança que lhe seguisse viesse a ser uma liderança de sucesso.
Portas preparou a sucessão?
Portas percebeu com grande rapidez os novos tempos que se avizinhavam. E o estado em que deixa o partido é um estado de grande possibilidade de adaptação a esses novos tempos. E isso também é algo que deve ser salientado como legado dele.
Estamos a falar de quê?
Voltamos à questão do posicionamento. Quando Paulo Portas recebe o partido, o CDS é um partido anti-federalista, com posições muito marcadas no plano ideológico, dos costumes, um partido sem capacidade de exercer o poder. Hoje, o CDS é completamente diferente. E sendo completamente distinto daquilo que era há 18 anos, não só no seu tamanho eleitoral mas também na sua influência na sociedade, há tudo para que as coisas possam correr bem. Um partido como o CDS em 2016 será totalmente diferente do que era em 2015, 2014, 2013..
E Presidenciais? Está contente com o prof. Marcelo? Gosta que ele seja da esquerda da direita?
Acho que o acompanho nesse movimento (risos). Na noite em que o prof. Marcelo apresentou a sua candidatura desde logo afirmei o meu voto, que é o mais importante, e o meu apoio que é o menos importante. As eleições presidenciais nunca se ganharam com radicalismos ou com uma lógica partidária. Veja: Mário Soares não ganhou assim as eleições, Jorge Sampaio não ganhou assim as eleições e Cavaco Silva também não foi assim que ganhou as eleições. Eu sou do CDS e não ficaria feliz com um Presidente da República que começasse a exercer o seu mandato e dissolvesse a Assembleia da República. Não o queria de todo! Sou a favor de um Presidente da República que não seja um Presidente de parte do eleitorado. Em segundo lugar, não me parece que o Presidente da República deva contribuir para a instabilidade política. Deve, pelo contrário, contribuir para a estabilidade. E essa dissolução da Assembleia da República seria uma dissolução que deixaria de sorriso rasgado o actual primeiro-ministro.
Mas parece que parte da direita não acha isso e acusa Marcelo de estar alinhado com os interesses de António Costa.
Eu não tenho os dramas que alguns possam ter com esse discurso. Acho um discurso de bom senso e razoável. A ideia de que um candidato a Presidente da República que já foi líder de um partido e vem dizer que o lugar de Presidente é independente e não é um lugar de líder partidário é mais do que razoável. Não se ganha nada em assistir, como temos assistido na campanha eleitoral, numa disputa entre dois candidatos para ver quem é o candidato do PS.
Portanto, não faz parte do grupo de centro-direita que está zangado com o prof. Marcelo?
Não faço parte minimamente. Um Presidente da República é um árbitro, tem convicções pessoais, mas não deve deixar que elas contaminem o exercício do seu mandato.
Mas o Diogo é contra as eleições antecipadas porque acha que seriam um favor a António Costa?
Poderiam ser. Não sou a favor de umas eleições antecipadas a correr por duas questões. Acho que a estabilidade é um valor político importante. E neste preciso momento parece-me evidente que o espaço à esquerda está mais organizado do que o espaço que não é à esquerda. As afirmações políticas que são necessárias fazer precisam de tempo. Por tudo isso, parece-me que não é muito avisado querer que, por vontade própria, o Presidente chegue e, sem mais, dissolva o parlamento.