O ex-ministro da Justiça Vera Jardim foi, desde o início, um crítico da candidatura de Sampaio da Nóvoa e é um dos principais apoiantes da socialista Maria de Belém. Diz que o ex-reitor tem um discurso bonito, mas sem substância e cola-o ao PCP e ao Bloco de Esquerda.
Tendo em conta a forma como está a decorrer a campanha tem a expectativa de que vai haver segunda volta?
A expectativa é real. O candidato Marcelo Rebelo de Sousa tem vindo a descer. É real a expectativa de haver segunda volta e eu espero que haja. Ainda temos cinco dias de campanha e estou certo de que há um desgaste a partir dos debates e da forma como o candidato se vem comportando em declarações várias e ziguezagueantes. Começa a criar em muitas pessoas que naturalmente o apoiariam uma sensação de mal-estar que pode ter efeitos na campanha e no resultado final
Partilha da ideia de que Marcelo pode criar instabilidade?
Acho que nos debates ficou claro que o Marcelo é um ótimo comentador político, sempre foi, mas é mais um entertainer. Sabe fazer aqueles programas, deu notas em tempos e fazia aquilo dos livros… É uma personalidade viva, porventura viva demais, está sempre em atividade. A criar factos, a criar situações, a pensar em cenários, tem uma enorme propensão para isso e sinceramente não me parece que esse seja o perfil adequado a um Presidente da República que deve ser uma pessoa com um perfil mais estável. Uma das características principais que um Presidente da República tem que ter é a estabilidade emocional. Ele no debate com Maria de Belém queixou-se de ela lhe estava a fazer o perfil psicológico…
O perfil psicológico dos candidatos é importante?
Numa candidatura deste tipo, em que não há propriamente um programa político – político no sentido de um programa de governo -, é evidente que a personalidade dos candidatos é importantíssima. Ele é um homem da televisão, foi aliás assim que ele se fez. Isso não faz dele um bom candidato a Presidente da República
Numa segunda volta Maria de Belém teria mais facilidade em vencer Marcelo Rebelo de Sousa?
É a minha convicção. Maria de Belém alarga um pouco o espetro da esquerda. Não terá apenas votos à esquerda, mas tem bastantes votos ao centro e é sabido que as eleições, sobretudo uma eleição com estas características, ganha-se com a capacidade que se tem de penetrar noutros setores da sociedade portuguesa. Está em melhores condições para vencer Marcelo do que Sampaio da Nóvoa.
Qual é a opinião que tem sobre Sampaio da Nóvoa?
Conheço-o mal. Conheço bem o pai por quem tenho grande apreço, mas a candidatura de Sampaio da Nóvoa, que eu critiquei logo que apareceu e fui talvez a primeira pessoa a fazê-lo, apareceu com um programa de governo. Critiquei dizendo que aquilo era um programa de governo e que ele estava enganado. Depois ele mudou um bocadinho. Tem um discurso muito cativante, muito bonito, mas de que a gente extrai pouca coisa.
Porquê?
Fala num tempo novo e essas coisas, é um homem que fala bem, é um bom conversador e com imaginação para a palavra, mas a gente encontra pouca substância. Isto não esquecendo que é uma candidatura que apareceu bastante encostada à esquerda. Não estou a falar do PS, em que muita gente apoia Sampaio da Nóvoa e muitos apoiam Maria de Belém, mas falo do Livre, possivelmente muita gente do PCP, muita gente do Bloco de Esquerda. É uma candidatura mais à esquerda e Maria de Belém é de centro-esquerda.
Capaz de captar votos no centro-direita, ou seja, no eleitorado de Marcelo?
Penso que sim. Há um certo descontentamento com Marcelo Rebelo de Sousa e Maria de Belém poderá captar votos no centro. Não propriamente à direita, no sentido clássico do termo, mas ao centro sem dúvida nenhuma. E, por isso mesmo, ela numa segunda volta teria uma capacidade maior do que Sampaio da Nóvoa para vencer.
O que é que se deve esperar do próximo Presidente da República?
Estabilidade. O Presidente, nesta situação, deve ter o valor da estabilidade como um valor fundamental. Obviamente que o cumprimento da Constituição é fundamental. Maria de Belém foi a primeira a dizer que o seu programa era a Constituição, agora o candidato Sampaio da Nóvoa também vem dizer que o seu programa é a Constituição. Ainda bem. O Presidente da República não tem um programa, tem de defender a Constituição, e tem as suas causas.
Quais são as causas da candidatura que apoia?
Maria de Belém tem como causas combater a pobreza infantil, a economia social… Não são causas para ela governar, mas sim para exercer a sua influência para que o governo e a sociedade possam fazer um esforço comum no sentido de ultrapassarmos problemas que nos envergonham. Acho que o Presidente da República pode ter causas, mas não tem um programa político no sentido da governação. E aí, houve um erro inicial de Sampaio da Nóvoa que ele tem tentado corrigir, mas com um discurso confuso e com pouca substância. Palavras bonitas, mas palavras leva-os o vento.
Terá dificuldade em apoiar Sampaio da Nóvoa se for ele a passar à segunda volta?
Não vamos fazer cenários. Eu, entre um candidato de direita e um candidato de esquerda, não terei dúvidas, como é óbvio.