Vladimir Putin. Da Ucrânia à Síria sem passar por Moscovo

Vladimir Putin. Da Ucrânia à Síria sem passar por Moscovo


Depois da alteração de fronteiras na Europa em 2013, a Rússia entrou no conflito sírio para defender Assad. Ao mesmo tempo, os russos vivem com cada vez menos.


Quinze anos depois de chegar ao poder, Vladimir Putin mantém intacta a capacidade de surpreender o mundo. Quando se pensava que as consequências do conflito ucraniano, aliadas à descida vertiginosa do preço do petróleo, serviriam para o Presidente russo reconhecer os limites da sua ambição, Putin saltou do palco regional para o mundial.
Começou por fazê-lo nas negociações sobre um acordo nuclear com o Irão, assinado em Julho entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a Alemanha e o Governo da República Islâmica. Sempre na sombra durante o arrastar das negociações, terá merecido o agradecimento público que Barack Obama lhe fez mais pelo que não fez do que pela sua influência no resultado final. E o que não fez foi vetar o prolongamento das sanções económicas ao Irão, arma com que as potências mundiais pressionaram os iranianos até ficar tudo preto no branco.

Surpreendendo pela aceitação de um papel menor, Putin conseguiu o que queria: por um lado, evitar que um país que há séculos disputa com a Rússia um jogo de influências regionais se tornasse uma potência nuclear; por outro, impedir que a situação chegasse a um ponto de descontrolo que motivasse uma ação militar por parte dos EUA, o que teria consequências imprevisíveis na região.

No Ocidente, houve quem quisesse acreditar que esse papel se devia ao enfraquecimento de Putin. Puro engano: na sua primeira aparição na Assembleia-Geral da ONU em dez anos, a 28 de Setembro, o russo falou no mesmo dia (e no mesmo tom) que Obama. Relativizou a importância da Ucrânia, vetando o impasse local ao esquecimento, lembrou que há países que não só “estão longe de aprender com os erros” como “continuam a repeti-los, com a exportação de revoluções chamadas democráticas” e assumiu a prioridade de salvar a Síria. Não de Bashar al-Assad, como insistem os EUA, mas do terrorismo.

Mais uma vez, os mais otimistas dos seus detratores rejubilaram com o início do envolvimento russo na Síria, como um aliado no combate ao Estado Islâmico. Mas Putin não esconde que na sua lista de terroristas estão também opositores de Assad apoiados pelos EUA e os primeiros dias de operações militares trouxeram o primeiro choque militar entre Moscovo e um membro da NATO em 60 anos.

A Turquia, que deu uma “facada nas costas” de Putin ao abater um avião russo por alegada violação do seu espaço aéreo, viu Moscovo passar de segundo maior parceiro comercial a inimigo. A ausência de belicismo não tirou dureza a uma resposta dada em sanções económicas. 

Já em plena ação na Síria, Putin concordou com um mapa de paz para o país e, cinco anos depois do início da guerra, possibilitou a aprovação de uma resolução no Conselho de Segurança (CS) da ONU. A diferença fez-se pelo facto de EUA e seus aliados terem deixado cair a exigência de ver Assad desempenhar qualquer papel no futuro do país. O enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, explicou que os membros do CS decidiram, por agora, “ignorar o papel que o Governo da Síria deve desempenhar”.

Todos os ziguezagues são dados em plena sintonia com a oleada máquina de propaganda do país, onde no auge do conflito ucraniano a televisão estatal chegou a anunciar que os novos nacionalistas de Kiev tinham mandado imprimir notas com a cara de Hitler. Com o moral de quem voltou a ter papel principal no palco mundial, Putin até já se deu ao luxo de interferir na pré-campanha americana, deixando rasgados elogios ao homem que mais pode contrastar com Barack Obama – Donald Trump. 

Mas, como escreveu recentemente a “Economist”, “a atenção dos russos já está a mudar da televisão para os frigoríficos”. A desvalorização do rublo mostrou uma economia que não estava preparada para exportar muito para além dos recursos energéticos do país. Com o preço do petróleo em queda vertiginosa, a inflação está a subir a 15% e a fuga de capitais tornou-se outro mal crónico.

Aos primeiros sintomas, Putin virou-se para a China, potência com capacidade para substituir a Europa como principal consumidor da energia russa. Mas apesar da proximidade com Xi Jinping, com quem se encontrou mais de uma dezena de vezes desde 2012, os resultados tardam em chegar. Prova disso são os 30 mil milhões de dólares registados em trocas comerciais no primeiro semestre deste ano, quando a promessa feita pelos dois líderes cifrava-se em 100 mil milhões anuais.

Sem sinais de recuperação, Putin pode ver ameaçado o plano que desenhou para se manter no poder até 2024, que já incluiu um interregno como primeiro-ministro para fintar a limitação de mandatos consecutivos. As legislativas de 2016 ajudarão a perceber quem está a ganhar – a TV ou o frigorífico.