Se ainda havia uma ínfima esperança de Pistorius regressar às pistas de atletismo nos Jogos Olímpicos de 2016, desde ontem é praticamente certo que isso jamais acontecerá. O atleta paraolímpico, que o ano passado foi acusado por “homicídio involuntário” e condenado em primeira instância a uma pena que não iria além dos cinco anos, arrisca-se agora a uma pena de prisão de 15 anos.
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O julgamento do Supremo Tribunal da África do Sul entendeu que, naquela madrugada do dia 14 de Fevereiro de 2013, Oscar Pistorius disparou quatro tiros sobre a namorada, Reeva Steenkamp, intencionalmente – algo que o sul-africano sempre se recusou a admitir, alegando ter-se tratado de um acidente e não de um crime. Pistorius sempre defendeu que confundiu a namorada com um assaltante.
Em 2012, Pistorius foi o primeiro atleta duplamente amputado a competir nos Jogos Olímpicos
Se, em Março do ano passado, a juíza do caso não conseguiu provar que Oscar teria premeditado o crime, agora o Supremo deita por terra a tese do atleta, considerando-o culpado de homicídio da ex–modelo. Pistorius arrisca-se a cumprir 15 anos de prisão. É o culminar de dois anos de julgamento de um caso que abalou o país e o mundo do desporto.
Dividindo a vida de Oscar Pistorius por capítulos, é provável que cheguemos a pensar que o personagem das primeiras páginas não é o mesmo que aparece neste capítulo final, ou que Pistorius é a prova viva de que se pode ser bom e, ao mesmo tempo, muito mau. De um lado, a superação; do outro, um temperamento que não combinava com a forma como muitos o definiam: “blade runner”, um prodígio que superava todas as adversidades.
Capítulo 1
Oscar Leonard Carl Pistorius nasceu em 1986 sem as fíbulas (ossos das pernas), o que o obrigou a fazer uma dupla amputação aos 18 meses de idade. Essa foi a condição que acabou por definir a sua vida desde sempre e até agora, mas que nunca o limitou no talento que descobrira aos 12 anos – o atletismo. Aos 15 anos já competia – embora em provas de longa distância, não as provas de velocidade que o tornaram famoso – quando a mãe morreu. O impacto da morte da mãe na vida de Pistorius foi grande. Para curar a dor, o sul-africano correu e treinou como nunca, ao ponto de quase acabar com a carreira com uma lesão no joelho, num jogo de râguebi em 2003. Curiosamente, foi a partir dessa altura que Pistorius começou a treinar a velocidade, aconselhado pelo médico, para recuperar da lesão.
Pistorius começou a competir aos 15 anos, mas em provas de longa distância. A velocidade surgiu depois
Em 2012, Oscar Pistorius disputava uma prova dos 400 metros, em Londres, onde conseguiu avançar até à semifinal. Embora não tenha alcançado a vitória, aquele 8 de Agosto ficou para sempre marcado como o dia em que um atleta com as duas pernas amputadas competiu pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. Pistorius saltou para a ribalta como um verdadeiro exemplo de superação e inspiração a seguir.
Medalha de ouro nos 200 metros nos Paraolímpicos de 2004, em Atenas, Pistorius repetiu o feito em 2008, em Pequim, quando conquistou também o primeiro lugar nas provas de 100 e 400 metros. Foi justamente na China que o sul-africano tentou participar nos primeiros Jogos Olímpicos, mas viu esse sonho cair por terra quando o Tribunal Arbitral do Desporto decidiu que Pistorius teria uma suposta vantagem sobre os outros devido às próteses, que funcionariam como molas que o impulsionavam na corrida.
Na madrugada de 14 de Fevereiro de 2013, Pistorius atirou quatro vezes sobre a namorada, Reeva
Três anos depois, em 2011, o “blade runner” concretizava finalmente o sonho de competir ao lado de atletas sem necessidades especiais. Foi em Daegu, na Coreia do Sul, no Campeonato Mundial de Atletismo, que Oscar Pistorius vestiu pela primeira vez as suas próteses para correr numa prova de 400 metros em pé de igualdade com todos os atletas que não tinham qualquer limitação física.
Capítulo 2
O momento de glória de Pistorius duraria pouco tempo. Na madrugada do dia de São Valentim de 2013, foi detido por suspeita de matar a namorada, Reeva Steenkamp, com quatro tiros. Apesar de Pistorius sempre ter dito que tinha confundido a modelo com um assaltante, a justiça nunca acreditou nessa tese. Primeiro, condenou-o por homicídio negligente. Ontem, o Supremo considerou que Oscar tinha intenção de matar a namorada quando disparou quatro tiros sobre Reeva.
“Apaixonado por armas”, foi assim que uma antiga namorada descreveu Oscar Pistorius
A partir da sua detenção, em 2013, começa-se então a descobrir o lado negro de Pistorius, um “apaixonado por armas” que não abdicava de andar sempre com uma no bolso, segundo contou uma antiga namorada, Samantha Taylor. Pistorius já tinha sido antes julgado por posse ilegal de arma de fogo e por, alegadamente, ter disparado em público. Nessa altura foi considerado inocente desses crimes – as testemunhas (Samantha e Daren Fresco, um amigo de Pistorius) “não eram confiáveis”, alegou na altura a defesa.
No julgamento pela morte da namorada, Pistorius pediu desculpa aos pais de Reeva e a toda a família. “Não houve um momento sequer desde que aquela tragédia aconteceu que eu não tenha pensado na família dela”, disse. “Não consigo imaginar a dor e o vazio que vos causei. Mas só estava a tentar proteger Reeva. Posso garantir que ela se sentiu amada”, prosseguiu num tom emocionado, perante a mãe de Reeva.