Prisão preventiva e Estado de direito democrático


Qual o regime da prisão preventiva entre o séc. XVIII e o séc. XXI para os arguidos em processos pela prática de crimes comuns?


A história é a maior mestra: olhando–a, compreendemos o nosso tempo; observando-a em grandes ciclos, prevemos o futuro. Principalmente no que à efectividade do Estado de direito democrático em que vivemos respeita. Só que teimamos em desmentir os factos. Esquecemos a história. Ficcionando que o nosso tempo é mais “garantista” dos direitos fundamentais dos cidadãos comuns do que em tempos pregressos.
Mas para poder tirar conclusões, a questão tem de ser outra: tem de ser a de saber como é que nos últimos 300 anos a legislação portuguesa tratou os cidadãos no que a direitos fundamentais diz respeito (olhando para os fundamentais dos fundamentais, que são a vida e a liberdade). E, assim, perguntar como era e como é tratado o arguido de “delito comum”, posto que hoje inexistem crimes políticos. 

E esquecer também o direito fundamental à vida, posto que esse deixou cá de ser atacável pela justiça…
A análise que tem de fazer-se, para comparar o comparável, é saber como se tratava e se trata hoje o “arguido de delito comum no que diz respeito à tutela do seu direito fundamental à liberdade”. I.e., temos de apurar qual o regime da prisão preventiva entre o séc. XVIII e o séc. XXI para os arguidos em processos pela prática de crimes “comuns”, para que possamos concluir se a democracia garante hoje mais, ou menos, a liberdade aos cidadãos.
Ora, como todos os leitores sabem perfeitamente o que é a prisão preventiva e qual o statu quo da sua aplicação, não cabe explanar sobre a importância e dimensão da mesma no Portugal de hoje. Nem sobre o que ela significa na vida seja de quem for. E do país no seu todo. Quem tenha dúvidas compare o número de presos preventivos por relação com os condenados.

Nos negros tempos da monarquia pré–pombalina, a prisão antes da culpa formada (antes da acusação) só era aplicável a crimes a que coubesse a pena de morte, e ainda assim tinha uma duração máxima de 8 dias. Se nesse período a culpa dos presos não fosse “provada”, tinham de ser restituídos à liberdade, mesmo que a investigação continuasse. Os injustamente presos tinham direito a uma indemnização por parte daqueles que os haviam feito prender…
Com o marquês, a coisa piorou: a prisão sem culpa formada passou a ser aplicada a mais crimes… bastava que a pena aplicável fosse de mais de seis anos de degredo para o Brasil ou a pena de açoites. A seguir vieram outros alargamentos. Ainda assim, apenas para crimes graves. Por quanto tempo podia durar a prisão preventiva? Oito dias…

Com a novíssima reforma judiciária de 1840 e com os decretos republicanos de 1910, as regras eram claras. Por um lado, só crimes em flagrante delito ou muito graves, como a alta traição, a falsificação de moeda, os homicídios voluntários, roubos, falências fraudulentas ou fogo posto; por outro lado, ninguém podia estar preso, sem culpa formada, por mais de oito dias. Se nesse prazo não pudesse ser “acusado”, mercê de diligências requeridas pelo próprio arguido, ainda assim a prorrogação daquela prisão não podia exceder outros oito dias…
Hoje em dia, sem acusação, o mais curto prazo máximo de prisão sem culpa formada é de quanto? E o maior prazo máximo? Cabe reflectir.

Advogado
Escreve à sexta-feira

Prisão preventiva e Estado de direito democrático


Qual o regime da prisão preventiva entre o séc. XVIII e o séc. XXI para os arguidos em processos pela prática de crimes comuns?


A história é a maior mestra: olhando–a, compreendemos o nosso tempo; observando-a em grandes ciclos, prevemos o futuro. Principalmente no que à efectividade do Estado de direito democrático em que vivemos respeita. Só que teimamos em desmentir os factos. Esquecemos a história. Ficcionando que o nosso tempo é mais “garantista” dos direitos fundamentais dos cidadãos comuns do que em tempos pregressos.
Mas para poder tirar conclusões, a questão tem de ser outra: tem de ser a de saber como é que nos últimos 300 anos a legislação portuguesa tratou os cidadãos no que a direitos fundamentais diz respeito (olhando para os fundamentais dos fundamentais, que são a vida e a liberdade). E, assim, perguntar como era e como é tratado o arguido de “delito comum”, posto que hoje inexistem crimes políticos. 

E esquecer também o direito fundamental à vida, posto que esse deixou cá de ser atacável pela justiça…
A análise que tem de fazer-se, para comparar o comparável, é saber como se tratava e se trata hoje o “arguido de delito comum no que diz respeito à tutela do seu direito fundamental à liberdade”. I.e., temos de apurar qual o regime da prisão preventiva entre o séc. XVIII e o séc. XXI para os arguidos em processos pela prática de crimes “comuns”, para que possamos concluir se a democracia garante hoje mais, ou menos, a liberdade aos cidadãos.
Ora, como todos os leitores sabem perfeitamente o que é a prisão preventiva e qual o statu quo da sua aplicação, não cabe explanar sobre a importância e dimensão da mesma no Portugal de hoje. Nem sobre o que ela significa na vida seja de quem for. E do país no seu todo. Quem tenha dúvidas compare o número de presos preventivos por relação com os condenados.

Nos negros tempos da monarquia pré–pombalina, a prisão antes da culpa formada (antes da acusação) só era aplicável a crimes a que coubesse a pena de morte, e ainda assim tinha uma duração máxima de 8 dias. Se nesse período a culpa dos presos não fosse “provada”, tinham de ser restituídos à liberdade, mesmo que a investigação continuasse. Os injustamente presos tinham direito a uma indemnização por parte daqueles que os haviam feito prender…
Com o marquês, a coisa piorou: a prisão sem culpa formada passou a ser aplicada a mais crimes… bastava que a pena aplicável fosse de mais de seis anos de degredo para o Brasil ou a pena de açoites. A seguir vieram outros alargamentos. Ainda assim, apenas para crimes graves. Por quanto tempo podia durar a prisão preventiva? Oito dias…

Com a novíssima reforma judiciária de 1840 e com os decretos republicanos de 1910, as regras eram claras. Por um lado, só crimes em flagrante delito ou muito graves, como a alta traição, a falsificação de moeda, os homicídios voluntários, roubos, falências fraudulentas ou fogo posto; por outro lado, ninguém podia estar preso, sem culpa formada, por mais de oito dias. Se nesse prazo não pudesse ser “acusado”, mercê de diligências requeridas pelo próprio arguido, ainda assim a prorrogação daquela prisão não podia exceder outros oito dias…
Hoje em dia, sem acusação, o mais curto prazo máximo de prisão sem culpa formada é de quanto? E o maior prazo máximo? Cabe reflectir.

Advogado
Escreve à sexta-feira