O que é um voto útil?


O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades.


© Miguel A. Lopes/Lusa

A poucas horas de ir votar, muitos portugueses ainda estão indecisos. E não admira, porque o país está numa encruzilhada decisiva para o seu futuro e, ao mesmo tempo, há uma enorme insatisfação com as propostas políticas disponíveis, o que, aliás, se manifesta há muito tempo através da abstenção e do voto em branco.

Sendo isto sinal de um mal-estar latente na democracia portuguesa, os partidos deveriam sentir-se motivados a realizar uma revisão dos seus projectos políticos no sentido de dar resposta à frustração que cada vez mais se faz sentir. Mas não creio que algo fundamental venha a mudar depois do próximo domingo.

E assim, em vez de responder aos anseios de um povo profundamente marcado pelo que viveu desde 2010, o maior partido da oposição (há quem diga que é de esquerda) entendeu prosseguir na via centrista cujos resultados conhecemos em toda a Europa: mudou de líder e prometeu ao eleitorado que cumpriria as regras da UE com o menor sofrimento possível para os portugueses.

Com alguma boa vontade criativa de Bruxelas, quem sabe até poderia aumentar o investimento público para voltar a criar emprego que se veja. No fim de contas, o PS optou por meter a cabeça debaixo da areia e fazer de conta que pode cumprir o Tratado Orçamental, pagar os juros da dívida pública mais os encargos com as PPP que estão à porta, dar sustentabilidade à dívida pública e externa, executar a “reforma estrutural” da segurança social que Bruxelas exige e, ao mesmo tempo, acabar com a austeridade nefasta e impulsionar o emprego.

Muito significativo, promete fazer tudo isto com recurso ao aconselhamento de economistas neoliberais, deixando mesmo passar a ideia de que alguns virão a integrar o futuro governo, presume-se que para lhe conferir maior credibilidade junto de Bruxelas e da finança. Um dos banqueiros mais mediáticos já veio dizer que também se sente à vontade com um governo do PS.

Uma coisa sabemos: o PS foi claro quanto à sua vontade de respeitar os tratados, sem deixar de apoiar as propostas de mudança na UE que nos sejam favoráveis. Entretanto, se alguém no PS tinha expectativas sobre uma evolução progressista da UE, após a experiência grega já sabe com o que pode contar. Os portugueses também. Por isso, não admira que haja tanta gente indecisa quanto ao sentido do voto.

Uns porque, tendo votado nos partidos da coligação em 2011, se sentem traídos e, assimilada a ideia de que a crise foi causada pelo “despesismo que nos levou à bancarrota”, também não querem de volta os amigos de Sócrates. Outros porque, desejando correr com esta gente mentirosa, sentem que todos somos poucos para vencer a propaganda dos media e o seu discurso de que o pior já passou. Estes estão indecisos entre o voto num partido à esquerda e o voto no “mal menor”, o PS. 

E o que é melhor para o país? Se aceitarmos que a estagnação em que caímos desde o início deste século, a que se juntaram as políticas regressivas da troika que nos fizeram mergulhar no desastre, se deve a factores de debilidade estrutural históricos e à nossa integração na zona euro, então só os partidos que dizem isto mesmo ao povo merecem o nosso voto. Nenhum doente vai buscar a energia que ainda lhe resta para vencer a doença se lhe é ocultada a gravidade da sua situação.

O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades, não é um voto nos que agravaram os problemas nem é um voto nos que se propõem suavizar os problemas com paninhos quentes. Ainda assim, introduzindo algum pragmatismo na reflexão, arriscaria dizer que o voto útil pode ser um voto no PS quando, num círculo eleitoral, a disputa se faz apenas entre este e a coligação.

Nos restantes círculos, o voto útil é o voto naqueles que têm a coragem de dizer, com todas as palavras, o que o país precisa de ouvir: dentro desta UE, Portugal não tem futuro. 

Na verdade, um governo minoritário do PS só é melhor do que um governo minoritário da coligação de direita porque permite acelerar o processo de tomada de consciência de que a saída da crise não está no rotativismo entre aqueles que nos trouxeram até aqui.

Se o PS não desperta o entusiasmo do eleitorado, em vez de dizer que o voto na esquerda é inútil, que procure dentro de si as causas do seu fracasso. Que tal seguir o exemplo do Labour, no Reino Unido? 

Economista
Co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Escreve quinzenalmente à sexta-feira

O que é um voto útil?


O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades.


© Miguel A. Lopes/Lusa

A poucas horas de ir votar, muitos portugueses ainda estão indecisos. E não admira, porque o país está numa encruzilhada decisiva para o seu futuro e, ao mesmo tempo, há uma enorme insatisfação com as propostas políticas disponíveis, o que, aliás, se manifesta há muito tempo através da abstenção e do voto em branco.

Sendo isto sinal de um mal-estar latente na democracia portuguesa, os partidos deveriam sentir-se motivados a realizar uma revisão dos seus projectos políticos no sentido de dar resposta à frustração que cada vez mais se faz sentir. Mas não creio que algo fundamental venha a mudar depois do próximo domingo.

E assim, em vez de responder aos anseios de um povo profundamente marcado pelo que viveu desde 2010, o maior partido da oposição (há quem diga que é de esquerda) entendeu prosseguir na via centrista cujos resultados conhecemos em toda a Europa: mudou de líder e prometeu ao eleitorado que cumpriria as regras da UE com o menor sofrimento possível para os portugueses.

Com alguma boa vontade criativa de Bruxelas, quem sabe até poderia aumentar o investimento público para voltar a criar emprego que se veja. No fim de contas, o PS optou por meter a cabeça debaixo da areia e fazer de conta que pode cumprir o Tratado Orçamental, pagar os juros da dívida pública mais os encargos com as PPP que estão à porta, dar sustentabilidade à dívida pública e externa, executar a “reforma estrutural” da segurança social que Bruxelas exige e, ao mesmo tempo, acabar com a austeridade nefasta e impulsionar o emprego.

Muito significativo, promete fazer tudo isto com recurso ao aconselhamento de economistas neoliberais, deixando mesmo passar a ideia de que alguns virão a integrar o futuro governo, presume-se que para lhe conferir maior credibilidade junto de Bruxelas e da finança. Um dos banqueiros mais mediáticos já veio dizer que também se sente à vontade com um governo do PS.

Uma coisa sabemos: o PS foi claro quanto à sua vontade de respeitar os tratados, sem deixar de apoiar as propostas de mudança na UE que nos sejam favoráveis. Entretanto, se alguém no PS tinha expectativas sobre uma evolução progressista da UE, após a experiência grega já sabe com o que pode contar. Os portugueses também. Por isso, não admira que haja tanta gente indecisa quanto ao sentido do voto.

Uns porque, tendo votado nos partidos da coligação em 2011, se sentem traídos e, assimilada a ideia de que a crise foi causada pelo “despesismo que nos levou à bancarrota”, também não querem de volta os amigos de Sócrates. Outros porque, desejando correr com esta gente mentirosa, sentem que todos somos poucos para vencer a propaganda dos media e o seu discurso de que o pior já passou. Estes estão indecisos entre o voto num partido à esquerda e o voto no “mal menor”, o PS. 

E o que é melhor para o país? Se aceitarmos que a estagnação em que caímos desde o início deste século, a que se juntaram as políticas regressivas da troika que nos fizeram mergulhar no desastre, se deve a factores de debilidade estrutural históricos e à nossa integração na zona euro, então só os partidos que dizem isto mesmo ao povo merecem o nosso voto. Nenhum doente vai buscar a energia que ainda lhe resta para vencer a doença se lhe é ocultada a gravidade da sua situação.

O voto útil é o voto num discurso de verdade tendo em vista a mobilização do país para a superação das suas dificuldades, não é um voto nos que agravaram os problemas nem é um voto nos que se propõem suavizar os problemas com paninhos quentes. Ainda assim, introduzindo algum pragmatismo na reflexão, arriscaria dizer que o voto útil pode ser um voto no PS quando, num círculo eleitoral, a disputa se faz apenas entre este e a coligação.

Nos restantes círculos, o voto útil é o voto naqueles que têm a coragem de dizer, com todas as palavras, o que o país precisa de ouvir: dentro desta UE, Portugal não tem futuro. 

Na verdade, um governo minoritário do PS só é melhor do que um governo minoritário da coligação de direita porque permite acelerar o processo de tomada de consciência de que a saída da crise não está no rotativismo entre aqueles que nos trouxeram até aqui.

Se o PS não desperta o entusiasmo do eleitorado, em vez de dizer que o voto na esquerda é inútil, que procure dentro de si as causas do seu fracasso. Que tal seguir o exemplo do Labour, no Reino Unido? 

Economista
Co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Escreve quinzenalmente à sexta-feira