O Processo Mendanha


“Ensina a história que se for de utilidade política imortalizar alguém, então as portas da eternidade estão escancaradas, seja para o Zé do Telhado, seja para o Condestável”.


"O Marquês de Pombal iluminando e reconstruindo Lisboa" (1766) 
por Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet

Conhecer a história é talvez a única maneira de conseguir entender o presente e de fazer previsões menos erradas do futuro. Ora, se há algo que a história de Portugal nos ensina não é que “dos fracos não reza a história”. Os anais da memória colectiva estão cheios de fracos cuja irrelevância resistiu à erosão que o tempo nela produz.

O que a nossa história não deixa esquecer é que dos perseguidos subsiste sempre lembrança. Que a memória sublima de tal modo o real, que do bem se faz mal, e vice-versa, e que até das trevas muitas vezes se diz serem luz. Pior. Ensina-nos que se for de utilidade política imortalizar alguém, então as portas da eternidade estão escancaradas, seja para o Zé do Telhado, seja para o Condestável.

Por tudo isso conclui ser útil recordar hoje o Marquês de Pombal… o do Séc. XVIII.

Desta figura se disse tudo: o bom e o mau. Porque precisamente a partir do seu tempo surgiu “uma historiografia oficial abertamente partidária e que continuou até aos nossos dias…”[1].

Assim que em vida tenha sido até hoje o único Primeiro-Ministro de Portugal julgado por crimes no exercício das funções, nomeadamente corrupção, e, depois da morte, as classes pensantes se tenham dividido entre pombalinos e anti-pombalinos – aqueles entronizando-o como visionário, estes considerando-o um criminoso.

Recordemos: mal morre D. José, o Rei de quem foi Ministro todo-poderoso por 27 anos, cai imediatamente na desgraça que lhe vinham preparando os inimigos íntimos. Trazem-se à tona factos amiúde “coscuvilhados”, mas que até então ninguém ousara questionar: nascido “de uma família (…) não muito afamada”, morre “senhor de uma riquíssima casa” (idem); “começaram a aparecer as provas das suas prepotências, entre outras, contas que não pagava, especulando com o receio dos credores” (idem). Até a sua Quinta de Oeiras: teriam os terrenos sido comprados ou anexados sob ameaças e coacções. Foi a “Viradeira”. O Marquês teve de fugir de Lisboa “apedrejado pelo povo enfurecido” (idem).

Ano e meio depois, a coisa ganhou relevo judicial, e abriu-se o crismado “Processo Mendanha”.

As acusações, gravíssimas: abuso de poder e roubo, corrupção e fraudes. O Marquês, com 80 anos, interrogado diariamente de Outubro de 1779 a Janeiro de 1780, nada confessou. A história revelou imensas falsidades nas suas declarações. “Os acontecimentos demasiado recentes, a memória fresca das vítimas (…) ou ainda a flagrante responsabilidade do Marquês (…), impuseram ao processo a única decisão esperada: a condenação.” (idem). Atenta a sua idade, a pena foi apenas o desterro. E morreu em Pombal. Mas com a fortuna!

Porém, prova de que da Lei da morte até os mortos se podem libertar, os Republicanos na ânsia mata-frades precisaram da memória do Marquês, reabilitaram-no e erigiram-lhe uma gigantesca estátua no centro da cidade que o apedrejou e condenou.

E que foi feito de Francisco José Caldeira Soares Galhardo de Mendanha? O útil queixoso…

Realmente, muito nos ensina a história!

Advogado
Escreve à sexta-feira

[1] Dicionário de História de Portugal, Dir. Joel Serrão, Vol. V, Livraria Figueirinhas, Porto, pp. 113 e ss.

O Processo Mendanha


“Ensina a história que se for de utilidade política imortalizar alguém, então as portas da eternidade estão escancaradas, seja para o Zé do Telhado, seja para o Condestável”.


"O Marquês de Pombal iluminando e reconstruindo Lisboa" (1766) 
por Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet

Conhecer a história é talvez a única maneira de conseguir entender o presente e de fazer previsões menos erradas do futuro. Ora, se há algo que a história de Portugal nos ensina não é que “dos fracos não reza a história”. Os anais da memória colectiva estão cheios de fracos cuja irrelevância resistiu à erosão que o tempo nela produz.

O que a nossa história não deixa esquecer é que dos perseguidos subsiste sempre lembrança. Que a memória sublima de tal modo o real, que do bem se faz mal, e vice-versa, e que até das trevas muitas vezes se diz serem luz. Pior. Ensina-nos que se for de utilidade política imortalizar alguém, então as portas da eternidade estão escancaradas, seja para o Zé do Telhado, seja para o Condestável.

Por tudo isso conclui ser útil recordar hoje o Marquês de Pombal… o do Séc. XVIII.

Desta figura se disse tudo: o bom e o mau. Porque precisamente a partir do seu tempo surgiu “uma historiografia oficial abertamente partidária e que continuou até aos nossos dias…”[1].

Assim que em vida tenha sido até hoje o único Primeiro-Ministro de Portugal julgado por crimes no exercício das funções, nomeadamente corrupção, e, depois da morte, as classes pensantes se tenham dividido entre pombalinos e anti-pombalinos – aqueles entronizando-o como visionário, estes considerando-o um criminoso.

Recordemos: mal morre D. José, o Rei de quem foi Ministro todo-poderoso por 27 anos, cai imediatamente na desgraça que lhe vinham preparando os inimigos íntimos. Trazem-se à tona factos amiúde “coscuvilhados”, mas que até então ninguém ousara questionar: nascido “de uma família (…) não muito afamada”, morre “senhor de uma riquíssima casa” (idem); “começaram a aparecer as provas das suas prepotências, entre outras, contas que não pagava, especulando com o receio dos credores” (idem). Até a sua Quinta de Oeiras: teriam os terrenos sido comprados ou anexados sob ameaças e coacções. Foi a “Viradeira”. O Marquês teve de fugir de Lisboa “apedrejado pelo povo enfurecido” (idem).

Ano e meio depois, a coisa ganhou relevo judicial, e abriu-se o crismado “Processo Mendanha”.

As acusações, gravíssimas: abuso de poder e roubo, corrupção e fraudes. O Marquês, com 80 anos, interrogado diariamente de Outubro de 1779 a Janeiro de 1780, nada confessou. A história revelou imensas falsidades nas suas declarações. “Os acontecimentos demasiado recentes, a memória fresca das vítimas (…) ou ainda a flagrante responsabilidade do Marquês (…), impuseram ao processo a única decisão esperada: a condenação.” (idem). Atenta a sua idade, a pena foi apenas o desterro. E morreu em Pombal. Mas com a fortuna!

Porém, prova de que da Lei da morte até os mortos se podem libertar, os Republicanos na ânsia mata-frades precisaram da memória do Marquês, reabilitaram-no e erigiram-lhe uma gigantesca estátua no centro da cidade que o apedrejou e condenou.

E que foi feito de Francisco José Caldeira Soares Galhardo de Mendanha? O útil queixoso…

Realmente, muito nos ensina a história!

Advogado
Escreve à sexta-feira

[1] Dicionário de História de Portugal, Dir. Joel Serrão, Vol. V, Livraria Figueirinhas, Porto, pp. 113 e ss.