Gosto do disco novo dos Tame Impala, “Currents”. Isto não é uma crónica do João Lisboa. Mas queria só dizer que gosto sem ser tão ostensiva como as muitas pessoas que o odeiam e que o expressam nas redes sociais com uma espécie de raivinha. Chega-me ao coração e não consigo sequer argumentar. Fui uma péssima crítica de música noutros tempos.
Se o caro leitor não ouviu este disco, calma, não desista desta crónica. A referência termina aqui e serve apenas para discorrer sobre as susceptibilidades do gosto e a imposição da vontade – mas, vá, oiça, só pela curiosidade.
Sempre tive um especial prazer em partilhar descobertas e novidades musicais com quem amo. Sou aquela pessoa que diz: “Olha agora esta parte.” Uma maçada. Mas tenho-me refreado ao longo dos anos. Quando não encontro o mesmo nível de entusiasmo do outro lado, sou a primeira a carregar no stop. Partilhar uma música que se adora com alguém que não sente o mesmo é criar uma brecha nessa relação íntima e sagrada que temos com a música em questão – e atenção que eu disse com a música e não com a pessoa. Aquilo de que “não se ama alguém que não ouve a mesma canção” não é bem assim. Mas, quando tento partilhar sem efeito, sinto-me mais como se estivesse a impor a pessoa à canção do que o oposto. Prefiro virar o disco.
Sou uma pessoa dos consensos. Tenho bastante relutância em impor a minha vontade, não tanto por panhonhice ou cerimónia, mas porque não perco tempo a chatear-me. Levem-me que eu vou, façam que eu alinho, divirto-me facilmente em qualquer lado, até a contrariedade me diverte. É-me por isso cada vez mais doloroso brincar aos DJs. Vejo na pista uma pessoa a adorar e outra a aborrecer-se de morte. Uns fazem-me high-fives, outros pedem-me Backstreet Boys. Eu podia tirar só um prazer apaixonadamente egoísta desta actividade, mas – lá está – sou aquela pessoa que não gosta de impor a sua vontade. E confesso que arranjar soluções de compromisso também me é bastante doloroso.
Uma vez, ainda muito pequena, vi-me na situação de ter de decidir se queria dormir em casa dos meus pais ou na da minha avó. A solução de compromisso a que me agarrei na altura foi a de adiar a decisão enquanto ganhava tempo enfiando o braço na manga errada do casaco, pensando na melhor solução para descalçar aquela bota. Lembro-me de tomar uma decisão e sentir que não era a correcta porque, claro, nunca nenhuma seria a correcta e nunca nenhuma seria errada. Passei o serão a chorar.
A minha relação com a música – disco novo dos Tame Impala incluído – é exclusiva e visceral, por isso ganha cada vez mais sentido nos meus headphones do que numa pista de dança. Não tenho mais tempo para andar a enfiar os braços nas mangas erradas.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado