Uma pesquisa pela temperatura de água em Saint Tropez, França, faz-nos perceber que as coisas estão mesmo quentes lá para aqueles lados: 27,8 graus dentro de água e lá fora um bocadinho mais. Um caldo. Por cá, por São Torpes, a primeira praia de surfistas do litoral alentejano, não ficamos nada atrás.
“Isto deve estar a uns 30 e tal graus”, garante Maria Luísa, que costuma consultar a tabela de marés todos os dias antes de rumar à praia. Não estamos a falar com uma surfista, estamos com os pés de molho ao lado de uma senhora de 64 anos “da zona de Tomar” que há 40 anos passa o Verão em São Torpes. Parece água da banheira, mas estamos numa espécie de poça na maré vazia.
“Costumava ficar aqui no parque de campismo, mas há três anos que alugo um apartamento em Sines”, conta, a fazer conversa, como tantas outras pessoas que ali estão a boiar como se estivéssemos no café central. “Desde que vim para aqui que não quero outra coisa… Esta água quentinha…”
Quem chega assim sem instruções a São Torpes é provável que congele assim que puser o pé na água. Mais que os surfistas, há que perguntar as dicas aos anciões da praia, que sabem onde estão as correntes quentes que devem fazer bem aos ossos ou pelo menos à cabeça.
“Ora essa, é aqui ao pé das rochas e na maré vazia”, aponta logo Maria Luísa para o pontão em frente à central termoeléctrica. É por causa da água mais quente que consulta a tabela de maré todos os dias, para saber a que horas deve chegar à praia. “Andamos assim a perseguir as marés. Esta semana está maré baixa rente à hora de almoço ou à tarde, não calha tão bem. Para a semana já vai estar num horário melhor.”
E à noite também está assim quente? Maria Luísa não deve ter ido à praia à noite e o melhor é perguntar a Ruben e Tiago, os dois nadadores salvadores de serviço na praia, que nos garantem logo que sim. “É a qualquer hora. Só quando está maré cheia não se sente tanto a água quente”, respondem.
Apanhamos os nadadores na mudança de turno, mas, regra geral, tem de estar sempre um junto à zona de água quente. “Enquanto noutros sítios dá para ir à água, à casa de banho, aqui tem de estar sempre um nadador permanente”, explica Tiago sem tirar os olhos da água. “Esta é a zona mais perigosa e onde há mais correntes. Aliás, ele este ano já salvou pessoas aqui”, aponta para Ruben.
Foram dois miúdos que começaram a ser arrastados pela corrente. “Tentaram nadar, viram que não conseguiam e entraram em pânico”, conta. É por isso que costumam pôr na zona uma corda, “o corredor de segurança”, como lhe chamam, para as pessoas se agarrarem, principalmente quando chega uma onda inesperada. Ainda assim, nada que se compare ao dia 7 de Julho de 2012, o dia mais quente desse ano e com um mar aparentemente pacífico, que acabou com “três nadadores a tirar sete pessoas da água”, recorda Ruben.
Sobressaltos à parte, vale a pena ir experimentar a água mais quente da costa vicentina. E sem medos. “Há pessoas que me dizem que isto é água do esgoto, veja lá”, diz Maria Luísa. “Basta olhar para a bandeira, está azul.” Paulo Silva, outro veraneante que vem com a filha pequena, diz que a bandeira é dourada e já estamos confusos.
Azul ou dourada, o que interessa é que a água está quente e recomenda-se. “Estão sempre a fazer análises”, confirma Tiago. “A água vem assim quente porque sai do arrefecimento das máquinas da central termoeléctrica e por isso eles são muito exigentes com a qualidade.”
Mistério resolvido e ali está a central a fumegar e a servir de paisagem para quem está a banhos na Saint Tropez portuguesa. “Já expliquei a muita gente que a água não está poluída”, continua Maria Luísa. “Ela entra na refrigeração da central e volta como entrou. Há 40 anos que venho para aqui e só me lembro de a praia ter sido evacuada uma vez.”
Uma vez? Já parece o suficiente. “Foi há um ou dois anos, não me lembro bem”, continua Luísa. Tiago, o nadador, confirma e não é uma situação pontual: “Os problemas das contaminações têm mais a ver com a ribeira [ali mesmo ao lado], que é aberta e as pessoas às vezes podem lá deitar lixo.” Esperemos que não, até porque pode percorrer a costa inteira que não vai encontrar água assim.
Nem nas Caraíbas, comentamos com Maria Luísa, ainda com os pés em água quente e a fazer esta conversa de Verão. “Ah, pois não! A minha filha este ano esteve lá numa ilha assim e disse que não era tão boa como aqui.”