Na altura dos festivais de Verão vem a conversa do costume (e contra mim escrevo, como sabem): ai, isto não é como era dantes, dantes a música era o mais importante, no meu tempo não havia betos, no meu tempo não havia hipsters, etc., etc., etc. Não percamos o nosso latim: foi tudo sempre melhor do que alguma vez será, e isso confere-nos zero autoridade para julgar o presente. É o mesmo que dizer que no tempo do Salazar é que era.
Às vezes penso que esta frase já é só um cliché cómico, mas acaba sempre por aparecer um idoso maldisposto a justificá-lo. Depois diz que trabalhou desde criança, que andava descalço e que foi obrigado a ir para a guerra. O que era então tão fixe no tempo do Salazar, meu caro senhor? A sua juventude, só isso. A nostalgia branqueia tudo.
Bom, convenhamos então que alguns festivais já foram mais música, outros nunca deixaram de o ser e outros ainda apareceram, quais irredutíveis gauleses, resistindo agora e sempre ao facilitismo. O Milhões de Festa, a decorrer até domingo em Barcelos, não passa de um grupo de amigos a curtir elevado à potência de festival.
O cartaz é definido por amor à música, mas não é daqueles amores em que se oferecem bombons e se passeia de mão dada no shopping – é um amor mais visceral, tão íntimo que o mais provável é olharmos para o cartaz e não conhecermos 99% das bandas.
No entanto, é um amor que mostra tamanha confiança que queremos ficar a conhecer tudo. O Milhões é um grupo de amigos a vender bilhetes como quem diz: venham ver como é fixe a nossa festa. Há quem ache intimidante, mas provavelmente é mais generoso que outra coisa.
Há dias, uma marca de preservativos mostrou um vídeo no Facebook com a sua acção de marketing no NOS Alive: no stand, vários jovens concorriam a um passatempo que consistia em simular sexo por trás com movimentos rápidos. Eu, como é sabido, não sou nada moralista nestas coisas do sexo, mas sou bastante resistente à estupidez e por isso me perguntei quem estaria a actuar naquele momento e pensei como seria difícil competir musicalmente com aquele regabofe desbragado.
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Porque é que não se assume de uma vez que a malta gosta é destas coisas? Para quando o Festival de Air-Canzana? Pronto, é verdade, já resvalei para a nostalgia, mas foi só para ressalvar que o Milhões de Festa – onde não há activações de marca engraçadinhas mas há um palco à frente de uma piscina – é um festival do meu tempo hoje, neste tempo que é de toda a gente.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado